Por Cláudio Avelar -
No último dia 15, o presidente Bolsonaro assinou o Decreto 9.685/2019, juntamente com Sergio Moro, ministro da Justiça, e o general Fernando Azevedo e Silva, ministro da Defesa, garantindo ao cidadão o direito de possuir armas de fogo.
Muita falação por um pequeno ato político, pois não representa nada mais do que um retorno a um momento anterior ao estatuto do desarmamento que desvirtuou o resultado do referendo realizado em outubro de 2005, quando o povo foi as urnas e autorizou a comercialização de armas de fogo e munição em território nacional.
Na verdade, as urnas demonstraram a vontade da maioria dos brasileiros em ter o direito a propriedade de uma arma de fogo, porém, na aplicação da lei, pode ter havido um desvirtuamento político da vontade popular, pois, apesar de possuir o direito, na prática a grande maioria não conseguia nem sequer autorização para avançar no processo inerente à aquisição legal de armas e munições.
Quanto ao decreto recentemente assinado, se fizermos um resgate dos critérios para a aquisição de armas, anteriores ao estatuto, será possível constatar que pouco mudou. Na essência, o Estado apenas regula e conhece os proprietários de arma; o mau uso ou o crime praticado com arma de fogo é que deve e precisa ser punido.
Na realidade, o criminoso que possui armas de modo ilegal e as utiliza na prática de seus crimes com intimidações de todo tipo não é conhecido nem cumpre as regras, sendo apenas punido pelo resultado do uso, pelo tipo penal. Isso quando o Estado consegue punir.
Antes o cidadão de bem ia até uma loja e comprava uma arma de calibre permitido; apresentando a documentação exigida e atendendo os requisitos legais, recebia a arma já registrada. Depois do Estatuto do Desarmamento, que aprovou o comércio, mesmo o cidadão de bem dependia da autorização do Estado, que tinha o direito de discordar de seu desejo ou da sua necessidade de possuir uma arma de fogo. Uma avaliação subjetiva de um “burrocrata” valia mais do que o direito constitucional de se defender de forma legítima.
O presidente, que sempre defendeu publicamente esse direito do cidadão de bem, apenas deu um pequeno passo, segundo ele, atendendo à vontade popular. Mesmo permitindo apenas que sejam utilizadas armas com pequeno poder ofensivo, o decreto causou um grande alarde. Imagino o tamanho da discussão quando o debate envolver o fim da restrição dos calibres proibidos.
Um revólver calibre 38 não pode enfrentar uma pistola 9 mm e muito menos um fuzil, mas ainda assim vejo o novo decreto como um direito que o cidadão conquistou de pelo menos tentar se defender, pois antes nem tentar era permitido. Se for realizada uma análise fria do real descontrole da criminalidade, face ao fabuloso poderio das organizações criminosas, que impõem o medo, nota-se que o Estado ainda não deu provas de sua superioridade.
Podemos trazer como exemplo o modelo norte-americano, que permite que cada estado regule de modo próprio o controle e a punição pelos excessos cometidos, mas, de modo geral, o que se pune naquele país é o excesso ou o mau uso da arma de fogo. Se um crime é cometido, ele é agravado se for praticado com arma de fogo, com pouquíssimas vantagens oferecidas ao criminoso condenado, ao contrário do Brasil, que conta com inúmeros benefícios mesmo antes do início da execução da pena.
Nessa nova visão do Estado, percebe-se duas grandes mudanças para facilitar o direito do cidadão: quem decide se pode portar uma arma de fogo é o próprio cidadão, e não um policial carregado de burocracia, que exercendo o poder delegado de polícia, na chefia do Sinarm da Polícia Federal, julgava, como se juiz fosse, se fulano ou beltrano poderia possuir uma arma, com direito a negativas das mais estapafúrdias, e em nome da segurança pública. A outra mudança se dá em relação ao prazo do registro, que agora é estendido para 10 anos.
As outras dificuldades continuam iguais. Mesmo as armas para uso caseiro são muito caras, assim como os cursos de tiro e os exames aplicados por psicólogos.
A discussão sobre a nova lei ainda vem sendo comumente desvirtuada quando se confunde posse com porte. O primeiro diz respeito apenas à autorização para manter uma arma de fogo em casa ou no local de trabalho (desde que o dono da arma seja o responsável legal pelo estabelecimento). Para usar a arma na rua, é preciso ter direito ao porte, cujas regras são muito mais rigorosas e nem sequer foram tratadas nesse decreto.
Deve ser salientado que, para poder adquirir arma de fogo, o homem ou mulher precisará comprovar que não possui antecedentes criminais, detalhe obviamente jamais exigido do bandido tradicional que porta armamento pesado de forma ostensiva — sabemos que falta muito para essa situação mudar.
Posso afirmar com base na minha experiência como policial federal por 30 anos, combatendo o crime organizado, que com essa lei penal e processual brasileira ainda falta muito para essa situação ser modificada. A polícia e as demais instituições que participam da persecução criminal apenas enxugam gelo e nada mais.
Outra visão que como advogado não poderia deixar de apresentar é que, enquanto muitos defensores de pretensos direitos tentam construir cada vez mais barreiras para punir o crime, o cidadão fica esquecido. As leis duras que encontramos em outros países no Brasil são substituídas por benefícios. Lembro que o bom advogado criminal não precisa de leis fracas, precisa apenas conhecer e aplicar a lei penal na defesa de seus clientes. Se alguém é beneficiado com leis permissivas, é o criminoso.
Sem uma política criminal de verdade, o avanço do crime vai continuar, e como se vê em vários estados brasileiros, verdadeiros atos terroristas são praticados por seguidores das organizações criminosas, medindo forças e impondo o medo. A polícia ainda não consegue reagir com firmeza, pela própria fragilidade do sistema.
Ao contrário do que dizem os opositores de Bolsonaro, os defensores dos direitos humanos e os cidadãos que acreditam que o simples fato de alguém possuir uma arma incita a violência, existem ainda detalhes do novo decreto que servem como filtros dificultadores do direito à posse de armas de fogo, tais como a avaliação real da necessidade, atendendo critérios objetivos, e nos casos em que houver criança na residência deverá ser instalado cofre, visando impedir acidentes e outros infortúnios.
O novo regramento é apenas um pequeno passo, mas que poderá surtir um bom efeito, sem implantar, como alguns dizem, o direito à justiça com as próprias mãos.
Outro detalhe que não pode deixar de ser observado é que tem muita gente incomodada, e alguns juristas e até mesmo representantes do MP vão tentar obstruir esse caminho praticado por Jair Bolsonaro, presidente da República.