Por Américo Bedê Freire Junior e Cristiane Conde Chmatalik -
O Brasil avança para o recorde de mais de meio milhão de pessoas encarceradas. Há dificuldade ainda na precisão desses dados, mas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) desenvolveu uma ferramenta de execução penal denominada de Banco Nacional de monitoramento de Prisões (BNMP 2.0), com o propósito de que haja um quantitativo preciso da população carcerária, que está em torno de 600 mil. Em outubro de 2018 houve o treinamento de servidores dos 27 Tribunais Estaduais (TJ) e dos cinco Tribunais Regionais Federais (TRF), sendo inseridas informações referentes a processos de execução penal de cerca de 543 mil presos, sob responsabilidade da Justiça Estadual, além de 2,6 mil na Justiça Federal. Desse total, 220 mil ainda não foram condenados e outros 321 mil cumprem pena. O índice de presos sem julgamento (40,7%) é um dos dados gerados pelo cadastro que podem resultar na formulação de políticas públicas judiciárias para melhorar o serviço prestado à população. O censo conduzido pelos tribunais vai produzir um retrato inédito da população carcerária brasileira, uma das cinco maiores do mundo.
A situação é crítica, e os dados do CNJ refletem a disfunção do sistema. Traduzem, também, a ineficiência do papel do Estado na recuperação dos presos e na função do encarceramento, já que muitas vezes as prisões passaram a ser agência fornecedora de mão de obra para facções criminosas.
Desde 2006, o sistema prisional brasileiro conta com presídios de segurança máxima voltados para receber justamente esses presos integrantes de organizações criminosas, que possam causar desestabilização do sistema penitenciário comum, responsáveis por atos de fuga, rebeliões, ou pela prática reiterada de crimes violentos, além de possibilitar também o isolamento de lideranças do crime organizado. A primeira unidade foi inaugurada em Catanduvas, no Paraná, e hoje conta com mais três unidades nos estados do Mato Grosso do Sul, em Campo Grande; Rondônia, em Porto Velho; e no Rio Grande do Norte, em Mossoró.
As penitenciárias federais foram inspiradas no modelo arquitetônico, gerencial e estratégico das Super Max do sistema americano. Os presídios possuem sedes nas regiões Sul, Norte e Nordeste, permitindo a adoção da estratégia de promover a inclusão do preso em região diferente e distante da sua origem, no escopo de dificultar ainda mais que ele permaneça em contato com integrantes da organização criminosa à qual pertence.
O sistema tem funcionado de maneira eficiente, pois desde sua existência, nunca houve uma fuga, rebelião ou apreensão de um único celular e, assim, os presídios cumprem seu papel de segurança máxima.
As quatro prisões federais ativas — Porto Velho/RO, Mossoró/RN, Campo Grande/MS e Catanduvas/PR — possuem conceito positivo dos juízes que as vistoriam. Três são consideradas boas e uma excelente, indicam dados do Sistema Geopresídios[3] — Cadastro Nacional de Inspeções em Estabelecimentos Penais, mantido pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Cada unidade prisional federal conta com um juiz corregedor da Justiça Federal, a cargo da execução da pena. Assim como na esfera estadual, cabe a ele vistoriar no mínimo uma vez ao mês o local onde o preso estiver, como carceragens da Polícia Federal. A obrigação é prevista na Lei de Execução Penal (LEP) e na Resolução n. 47/2007 do CNJ.
A prestação de serviços em prisões federais segue padrão similar em todas as unidades. Um canal de alinhamento é o Fórum Permanente do Sistema Penitenciário Federal. O grupo, coordenado por um ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), reúne os juízes corregedores das unidades a cada bimestre.
O sistema é de isolamento individual durante as 22 horas do dia. O contato físico dos presos com outras pessoas só ocorre no período diário de 2 horas, distribuído entre banho de sol coletivo, visita social ou íntima. A consulta com advogado precisa ser agendada. Como se observa, assemelha-se, e muito, ao Regime Disciplinar Diferenciado – RDD. A população carcerária máxima em cada unidade prisional é de 208 presos, sendo vedado por lei que seja excedida a capacidade.
Nos presídios federais as celas são individuais, e todo o atendimento ao preso é fornecido pelo sistema, como alimentação, educação, uniforme, para se evitar a entrada de qualquer material no presídio. Além disso, é feito um remanejamento periódico de presos entre as quatro unidades para que ele nunca atinja a capacidade máxima e os presos também não criem nenhum tipo e laço relacionado ao local.
Interessante pontuar que nunca há o cumprimento integral da pena nos presídios federais. E esse tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça – STJ.
A constituição prevê no seu artigo 24 a possibilidade de a União e dos estados-membros legislarem concorrentemente em direito penitenciário. A tradição no Brasil foi a atribuição de competência aos estados para executarem as penas privativas de liberdade, mesmo de condenados pela justiça da União.
O enunciado 192 da súmula do STJ, que sofre duras críticas de boa parte da magistratura, tem o objetivo de garantir uma unidade de pensamento na questão carcerária, definindo que, se o preso cumpre pena em presídio estadual, a competência será da vara de execução penal do estado, independente de qual justiça condenou e determinou a inclusão do condenado no sistema.
O STF reconheceu a existência de um estado de coisas inconstitucional em nosso sistema penitenciário, ou seja, há o reconhecimento de que graves violações a direitos humanos dos presos, cujo exemplo maior é a superlotação dos presídios, que ocorrem com frequência em nossa justiça.
Como ressaltamos isso não ocorre nos presídios federais, surge, então, o debate se deveria haver alteração na Constituição para federalizar o sistema carcerário ou se devemos expandir o número de presídios federais, bem como as hipóteses de encaminhamento de presos para esse regime?
Aristóteles já ensinava que problemas complexos não podem ter soluções simples, ou /,como afirmava Henry Mencken, para todo problema complexo existe sempre uma solução simples, elegante e completamente errada.
A execução penal já sofre do hibridismo de ser responsabilidade do executivo e do judiciário, a simples federalização, de per si, não será a solução se desacompanhada de uma série de medidas que busquem viabilizar o respeito à Constituição e aos direitos fundamentais e à efetividade da execução.
A criação de qualquer presídio federal somente poderia ser aprovada com a criação simultânea de uma nova vara federal com estrutura adequada para tratar das graves questões que envolvam a matéria. Não é possível ampliar competências ou responsabilidades sem que o judiciário seja adequadamente estruturado para tratar do tema.
A simples federalização não terá o condão de equacionar a falta de recursos materiais e humanos necessários para que alei penal e a execução da pena sejam cumpridas.
Por outro lado, admitir novos presídios federais sem que os condenados da justiça federal passem a cumprir penas nesses presídios é um paradoxo, pois haverá uma insuficiência de varas federais se for ampliada a competência para a inclusão da execução de pena privativa.
A lei de execução penal precisa de uma reformulação efetiva, mas é necessário que haja uma interlocução mais adequada entre judiciário e executivo, com a participação do MP, OAB, defensorias públicas e de toda a sociedade, a fim de viabilizar que o sistema prisional possa de fato cumprir com seu papel.