ACR – 15459/PB – 0000380-30.2010.4.05.8202

RELATOR: DESEMBARGADOR EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR -  

PENAL. PROCESSO PENAL. CRIME CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO NACIONAL. OBTENÇÃO DE FINANCIAMENTO MEDIANTE FRAUDE E DESVIO DE FINALIDADE NA APLICAÇÃO DOS RECURSOS. ARTS. 19, CAPUT, PARÁGRAFO ÚNICO, E 20 DA LEI Nº 7.492/86. SIGILO DE INFORMAÇÕES FINANCEIRAS. LC Nº 105/2001. RECURSOS DO PRONAF. PRELIMINAR DE LITISPENDÊNCIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. FINANCIAMENTOS DIVERSOS. MATERIALIDADE E AUTORIA. ELEMENTOS DE PROVA OBTIDOS NA FASE INQUISITORIAL E EM JUÍZO. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA PLENAMENTE ASSEGURADOS. COMPROVAÇÃO DE FRAUDE EM RELAÇÃO A 3 (TRÊS) DOS 7 (SETE) FINANCIAMENTOS OBJETO DA AÇÃO PENAL. CRIME DE ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA (CP, ART. 288) E LAVAGEM DE CAPITAIS (LEI Nº 9.613/98, INCS. VI E VII). MATERALIDADE DELITIVA INSUFICIENTE. CRIME DE GESTÃO FRAUDULENTA (ART. 4º DA LEI Nº 7.492/86). NÃO CARACTERIZAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA (CP, ART. 71) ENTRE DOIS DELITOS. IDÊNTICAS FORMAS DE EXECUÇÃO, CONDIÇÕES DE TEMPO E LUGAR. PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO. FRAUDE NA OBTENÇÃO E APLICAÇÃO DOS RECURSOS EM FINALIDADE DIVERSA DA PREVISTA EM LEI PARA UM MESMO FINANCIAMENTO. ARTS. 19, CAPUT, PARÁGRAFO ÚNICO E 20 DA LEI Nº 7.492/86. NÃO PROVIMENTO À APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO E PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DOS RÉUS. 1. Insurgência recursal da defesa e do MPF contra sentença que, ao julgar parcialmente procedente denúncia, condenou os acusados pela prática do crime previsto no art. 19, caput, parágrafo único, e 20 da Lei nº 7.492/86, em virtude da prática de fraudes na obtenção de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF. 2. A litispendência ocorre quando se reproduz uma ação que está em curso, pressupondo que o denunciado está sendo acusado por um mesmo fato delituoso, o que não se verifica no caso concreto, pois os fatos - financiamentos supostamente fraudados - são distintos, ainda que os crimes praticados mereçam, em tese, a mesma classificação jurídica. Preliminar de litispendência entre a presente ação penal e as ações penais nº 000698-13.2010.4.05.8202, 00699-95.2010.4.05.8202, 000767-45.2010.40.5.8202 e 00768-30.2010.4.05.8202 que se rejeita. 3. Caso em que dos sete financiamentos objeto de apreciação desta ação penal, apenas em relação a três ficou comprovada a materialidade delitiva e a responsabilidade penal dos acusados no tocante ao crime de fraude na obtenção de financiamento. De acordo com a peça acusatória, os denunciados formalizavam diversos financiamentos fraudulentos com recursos destinados ao Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar - PRONAF, mediante a utilização de documentos simulados e o aliciamento de pessoas, as quais titularizavam os pedidos mesmo sem possuírem o perfil para obtenção do empréstimo. 4. No que tange à materialidade e a autoria delitivas na obtenção fraudulenta dos financiamentos de crédito com recursos do PRONAF em nome de Devaldo Belo de Lima e Franciedi Melo de Moura, ficou comprovado nos autos que o réu Orlando Formiga concorreu para sua prática, conforme fazem prova os documentos aportados nos autos, consistentes, por exemplo, em recibo, nota fiscal avulsa e GTA (Guia de Trânsito Animal), referentes a vendas de 8 a 9 animais em cada operação, documentos esses que o réu apresentava para liberação do crédito junto ao banco, sabendo ser produto de simulação, visto que, na realidade, os animais não foram entregues aos compradores. 5. O mesmo acervo probatório demonstrou que os corréus José Ari Mendes de Almeida e Maria Geosa Araújo da Silva aliciaram os aludidos mutuários para obter financiamento perante o Banco do Nordeste do Brasil, figurando Maria Geosa como avalista na Nota de Crédito Rural, bem como subscreveram a Carta de Anuência para que o suposto rurícula explorasse a terra de sua propriedade. 6. No que tange à aplicação da continuidade delitiva nas fraudes dos financiamentos titularizados por Devaldo Belo de Lima e Franciedi Melo de Moura, verifica-se que em ambos os casos os corréus valeram-se da mesma forma de execução, condições de tempo e de lugar, visto que ambos são datados da mesma época (março de 2006), com unidade de desígnios. Parcial provimento à apelação dos réus Orlando Formiga, José Ari Mendes de Almeida e Maria Geosa Araújo da Silva, para reconhecer a hipótese de crime continuado nas fraudes praticadas nos financiamentos obtidos em nome de Devaldo Belo e Franciedi Melo. 7. Com relação à apelação do denunciado Marcos Roberto Formiga, também vendedor de gado, os elementos de prova aportados aos autos comprovam a materialidade delitiva e a sua autoria quanto aos crimes do art. 19 e 20 da Lei nº 7.492/86, na obtenção fraudulenta do financiamento em nome do mutuário Antônio Ferreira com desvio de finalidade na aplicação dos recursos liberados. A materialidade delitiva está demonstrada na documentação juntada aos autos, relacionadas na sentença, retratando uma simulação, visto constar informações substancialmente diversas dos fatos efetivamente ocorridos, como recibo, nota fiscal, GTA, etc., onde se atestam, por exemplo, o valor da cabeça de gado bem inferior ao que efetivamente foi adquirido pelo mutuário e o quantitativo de animais bem superior ao que de fato foi entregue. 8. Provimento, em parte, da apelação do réu Marcos Roberto Formiga, ante a aplicação do princípio da consunção entre os crimes do art. 19 e 20 da Lei nº 7.492/86, visto que, no caso concreto, dentro de um mesmo contexto fático, na fraude cometida para obtenção do financiamento em nome de Antônio Ferreira os recursos também foram utilizados para quitação de contrato anterior, aplicando-os em destinação diversa da prevista em lei. Portanto, tutelando bens jurídicos idênticos - a credibilidade do mercado financeiro - o fato antecedente e mais grave absorve o posterior menos grave, figurando este último como mero exaurimento do primeiro. 9. Não provimento à apelação do MPF, em cujo recurso se requer a condenação dos réus pelo cometimento do crime de fraude no financiamento dos demais mutuários objeto da denúncia (art. 19 da Lei nº 7492/86), associação criminosa entre todos os denunciados (CP, art. 288), corrupção passiva e ativa (CP, arts. 317 e 333), lavagem de capitais (art. 1º, incs. VI e VII da Lei nº 9.613/98), crime de gestão fraudulenta dos gerentes gerais das agências bancárias do BNB e do Banco do Brasil do Município de Pombal/PB, além da revisão da dosimetria das penas imputadas. 10. Com relação à insurgência do Ministério Público Federal contra a absolvição dos acusados da prática do crime de fraude no PRONAF em relação aos demais mutuários (art. 19 da Lei nº 7.492/86), é ver-se que após exaustiva e minuciosa análise das provas coligidas nos autos, inexistem elementos que atestem a autoria e a materialidade da prática criminosa aptos a um juízo de condenação, e a eventual existência de provas do cometimento de fraude na obtenção de outros financiamentos não tem o condão de comunicar-se aos demais. 11. Consoante sedimentado entendimento jurisprudencial e doutrinário, para caracterização do crime de quadrilha ou bando (CP, art. 288), na época dos fatos, é indispensável a presença do concurso necessário de, pelo menos, quatro pessoas, com a finalidade específica dos agentes de cometer crimes e estabilidade e permanência da associação criminosa. E no caso, não há elementos de prova suficientes que indiquem a formação preordenada de uma entidade autônoma e estável para o cometimento de ilícitos dotada de desígnios próprios, não tendo o órgão ministerial trazido elementos de prova produzidas em juízo que evidenciem uma contínua vinculação entre pelo menos quatro integrantes do grupo criminoso, limitando-se a acusação a descrever várias declarações prestadas na fase inquisitorial. 12. Com relação aos crimes de corrupção passiva imputados aos cônjuges Paulo Gomes Vieira e Maria de Fátima Vieira (CP, art. 333), as duas únicas operações bancárias identificadas foram justificadas em juízo como sendo para compra de um computador e de uma máquina fotográfica, não sendo tais defesas rechaçadas, e dos vários depoimentos prestados em juízo, conforme minuciosa análise, não houve referência à oferta ou ao recebimento de propina por parte dos envolvidos, não tendo o recurso de apelação, por sua vez, atacado os fundamentos da sentença absolutória. 13. A acusação também se insurge contra a absolvição dos réus Paulo Gomes Vieira e Maria de Fátima Pereira Vieira da prática do crime de lavagem de capitais (art. 1º, Lei nº 12.850/13), tendo como crimes antecedentes o praticado contra o Sistema Financeiro Nacional (inc. VI) e o de Organização Criminosa (inc. VII). No entanto, é atípico o crime de lavagem de dinheiro tendo como antecedente o crime de organização criminosa para fatos ocorridos antes da Lei nº 12.850/13, tendo em vista que este tipo penal - Organização Criminosa - teve sua definição jurídica apenas em 2013 com a sobrevinda deste diploma legal. 14. Com relação ao crime de lavagem tendo como antecedente crime praticado contra o Sistema Financeiro Nacional - SFN, não ficou comprovada a origem ilícita dos valores que transitaram na conta corrente pessoal dos acusados para fins de uma condenação no crime de lavagem, visto que, segundo suas declarações, o acusado Paulo Gomes atua no ramo de compra e venda de gado há mais 50 (cinquenta) anos, justificando a movimentação financeira existente na conta corrente bancária em nome de sua esposa, conta na qual era destinada ao recebimento e ao repasse de dinheiro para compra e a venda dos animais, com negócios em outros estados. A tese da defesa não foi desconstituída ou infirmada pela acusação, a qual não se desincumbiu de demonstrar que os recursos movimentados na conta corrente eram produto dos financiamentos fraudulentos do PRONAF, ao invés da venda lícita de animais, circunstância que as interceptações telefônicas e as provas testemunhais obtidas ao longo da instrução processual não foram capazes de esclarecer. 15. Manutenção da sentença absolutória quanto à imputação da prática do crime de gestão fraudulenta (art. 4º da Lei nº 7.492/86) pelos gerentes gerais das agências do Banco do Nordeste do Brasil - BNB e do Banco do Brasil do Município de Pombal/PB. Com relação a este último, Vladmir Magnus Bezerra Japyassu, tendo em vista a superveniência de sua morte, comprovada pela defesa com a juntada da cópia da certidão de óbito, impõe-se a extinção da punibilidade do denunciado (CP, art. 107, inc. I). Com relação ao gerente do Banco do Nordeste do Brasil/BNB à época dos fatos, após minuciosa e criteriosa análise das provas testemunhais e documentais dos autos, não ficou demonstrado que o réu tenha agido mediante fraude, ardil ou artifício, em atos de gestão, administração ou gerência da instituição financeira. A invocação da teoria do domínio do fato para determinação da autoria delitiva, diante da posição ocupada pelo réu na escala hierárquica da agência bancária, não dispensa a acusação do ônus de demonstrar a existência de indícios e atos concretamente imputáveis ao acusado, pena de adotar-se a responsabilidade penal objetiva. 16. Apelação do Ministério Público Federal não provida. Parcial provimento às apelações dos réus: a) Orlando Formiga de Almeida, José Ari Mendes de Almeida e Maria Geosa Araújo da Silva: para reconhecer a hipótese de crime continuado (CP, art. 71), reduzindo a pena dos referidos réus pela prática do crime do art. 19 da Lei nº 7.492/86 para 4 (anos) anos de reclusão e 240 (duzentos e quarenta) dias multa; b) Marcos Roberto Formiga: para afastar a condenação pela prática do crime do art. 20 da Lei nº 7.492/86, diante da aplicação do princípio da consunção; c) extinguir a punibilidade do acusado Vladimir Magnus Bezerra Japyassu, ante o seu óbito (CP, art. 107, inc. I).

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