Na sessão desta quinta-feira (21), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) retomou o julgamento conjunto dos processos que discutem se há omissão do Congresso Nacional ao não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia. O tema está em discussão na Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 26, de relatoria do ministro Celso de Mello, e no Mandado de Injunção (MI) 4733, relatado pelo ministro Edson Fachin.
A sessão foi iniciada com a manifestação do ministro Fachin no mandado de injunção, ajuizado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros. Em seu voto, o relator julga procedente o MI para reconhecer a mora inconstitucional do Congresso Nacional e aplicar, até que haja legislação específica sobre a matéria, a Lei 7.716/1989 a fim de estender a tipificação prevista para os crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça à discriminação por orientação sexual e identidade de gênero. Em seguida, Fachin votou na ADO 26, acompanhando integralmente as conclusões do decano.
Inicialmente, Fachin reconheceu o pleno cabimento do mandado de injunção por haver, de um lado, omissão do Congresso Nacional em cumprir o dever estatal de editar normas legais sobre a tipificação dos crimes de homofobia e transfobia e, de outro, o direito subjetivo dos cidadãos a tal legislação. O ministro explicou que, para que o mandado de injunção seja cabível, é preciso que haja a conjugação desses dois fatores, presentes no caso concreto. Segundo o ministro, a própria Constituição forneceu a solução para essas circunstâncias, ao prever a possibilidade de impetração de mandado de injunção no STF para neutralizar as consequências lesivas decorrentes de tal omissão. Para ele, o fato de tramitarem projetos de lei na Câmara dos Deputados e no Senado sobre a matéria não afasta o reconhecimento da omissão inconstitucional.
O relator enfatizou que a imputação da mora legislativa é ainda mais grave em razão das recorrentes notícias de violações dos direitos da comunidade LGBTI no país. Ressaltou que, de acordo com vários relatórios de organismos internacionais apontam o Brasil como um dos países onde mais ocorreram mortes e agressões contra essa população. Também classificou como preocupante a perseguição a pessoas que defendem os direitos dos LGBTI. “O quadro de violações, portanto, há muito está reconhecido, a impedir que se acolha a tese de se aguardar a apreciação pelo Congresso Nacional das omissões que se lhe imputam. Nenhuma instituição pode deixar de cumprir integralmente a Constituição”, afirmou.
Ainda de acordo com o relator, o direito previsto no inciso XLI do artigo 5º da Constituição Federal - “a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais” – contém um mandado específico de criminalização da discriminação homofóbica e transfóbica. “À luz desse dispositivo, entendo ser atentatório ao Estado Democrático de Direito qualquer tipo de discriminação, inclusive a que se fundamenta na orientação sexual das pessoas ou na sua identidade de gênero”, disse Fachin. Para o ministro, o princípio da proporcionalidade, na modalidade de proibição de proteção insuficiente, é o fundamento pelo qual o STF tem reconhecido que o direito penal é o instrumento adequado para a proteção de bens jurídicos expressamente indicados pelo texto constitucional.
O relator considerou que, no presente caso, é possível concluir que a lacuna não decorre exclusivamente da falta de norma que tipifique a homofobia e a transfobia, mas da ofensa ao princípio da igualdade, uma vez que condutas igualmente reprováveis recebem tratamento jurídico distinto. “Há, nessa dimensão, uma gritante ofensa a um sentido mínimo de justiça. A omissão legislativa estaria a indicar que o sofrimento e a violência dirigida à pessoa homossexual ou transgênera é tolerada, como se uma pessoa não fosse digna de viver em igualdade”, assinalou. “Nada na Constituição autoriza a tolerar o sofrimento que a discriminação impõe. Toda pessoa tem o direito de viver em uma sociedade sem preconceitos. Toda pessoa deve ser protegida contra qualquer ato que atinja sua dignidade”, afirmou, acrescentando que “a sexualidade constitui dimensão inerente à dignidade da pessoa humana”.
Leia a íntegra do voto do ministro Edson Facin.
Processos relacionados ADO 26 MI 4733 |