Em decisão tomada nesta terça-feira (2), a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), por maioria de votos, concedeu Habeas Corpus (HC 169119) para revogar a prisão preventiva do ex-chefe da Casa Civil do Estado do Rio de Janeiro no governo do Sérgio Cabral, Regis Fichtner, e fixar como medidas cautelares alternativas o comparecimento periódico em juízo, a proibição de se ausentar da comarca e do país e de manter contato com outros investigados, a entrega do passaporte e a suspensão do exercício do cargo público de procurador do estado. Fichtner é acusado da prática dos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa por fatos investigados na Operação Consigliere, desdobramento das Operações Calicute, Eficiência e Câmbio, Desligo.
De acordo com o Ministério Público Federal (MPF), o ex-chefe da Casa Civil atuava em posição de destaque no esquema de corrupção arquitetado no âmbito do Governo do Estado do Rio de Janeiro. Com a anuência do então governador Sérgio Cabral, ele teria recebido cerca de R$ 5 milhões em propina dos doleiros Renato e Marcelo Chebar, Cláudio Barboza (Tony) e Vinícius Claret (Juca Bala) por intermédio do coronel da Polícia Militar Fernando França. Em contrapartida, utilizava o cargo em favor de interesses de empresários integrantes da organização criminosa.
A prisão preventiva foi decretada em fevereiro pelo juízo da 7ª Vara Federal do Rio de Janeiro e mantida pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Em seguida, a defesa tentou a revogação da custódia no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiu liminarmente pedido de habeas corpus.
No STF, a defesa sustentou a ausência de fundamentos concretos que justifiquem a manutenção da cautelar. Segundo os advogados, os fatos atribuídos ao investigado não são contemporâneos ao decreto prisional, e a gravidade abstrata do crime não é suficiente para justificar a prisão preventiva. Defenderam, assim, a possibilidade da substituição da prisão por medidas cautelares menos gravosas.
Constrangimento ilegal
O relator do HC, ministro Gilmar Mendes, afastou a aplicação da Súmula 691, que veda o trâmite de habeas corpus impetrado no Supremo contra decisão negativa de liminar de relator de tribunal superior, por verificar situação de constrangimento ilegal nas decisões que decretaram e mantiveram a prisão. Segundo o ministro, não foram demonstrados no decreto prisional os fundamentos que autorizam a prisão preventiva, que são a prova de materialidade delitiva (fumus comissi delicti) e indícios de autoria e o perigo que decorre do estado de liberdade do agente (periculum libertatis). “A jurisprudência do Supremo se consolidou no sentido de que a liberdade de um indivíduo suspeito de prática de infração penal somente pode sofrer restrições se houver decisão judicial devidamente fundamentada, amparada em fatos concretos, e não apenas em hipóteses ou conjecturas na gravidade do crime ou em razão do seu caráter hediondo”, destacou.
Mendes relembrou que o Fichtner foi preso em 2017 e, posteriormente, teve a prisão revogada pelo TRF-2 por ausência de fundamentação legítima. Na nova decretação, segundo o relator, os únicos fatos novos que pretensamente justificariam a nova decretação seriam oriundos de declarações de colaboradores premiados. “A suspeita que nasce de declaração não é indício racional suficiente de autoria para embasar uma prisão preventiva”, declarou o relator. “Prender provisoriamente com base em delação é violador da lei e da Constituição”.
Ainda de acordo com o ministro, também é fundamental, para que a prisão se mostre legítima, a comprovação de elementos concretos que demonstrem risco à aplicação da lei penal ou à ordem pública pela reincidência. No caso concreto, o decreto prisional, para justificar o risco de reiteração, se apoia apenas no argumento de que Fichtner se mantém nos quadros da Procuradoria-Geral do estado. Mendes observa, no entanto, que uma das medidas cautelares estabelecidas pelo TRF-2 ao revogar a primeira prisão preventiva foi justamente a suspensão do cargo de procurador. Dessa forma, para o relator, não existe comprovação concreta do perigo de liberdade do acusado.
Por fim, o ministro observou que, segundo entendimento do STF, fatos antigos não autorizam a prisão preventiva, sob pena do esvaziamento da presunção de inocência. Com isso, votou para conceder o habeas corpus afim de revogar a prisão preventiva, se por algum outro motivo Fichtner não estiver preso, e aplicar as medidas cautelares substitutivas à prisão.
O ministro Celso de Mello acompanhou o voto do relator. Segundo o decano, nenhuma pessoa pode ser mantida presa sem que exista uma razão legítima que o justifique. “É preciso que os requisitos da prisão cautelar tenham reflexo e suporte legitimador em fatos reais, em base factual concreta, em base empírica idônea, sob pena de o ato de decretação cautelar tornar-se um exercício inaceitável de puro arbítrio”, frisou.
O voto do relator também foi seguindo pelo ministro Ricardo Lewandowski.
Divergência
O ministro Edson Fachin votou pelo não conhecimento (rejeição do trâmite) ao habeas corpus com base a Súmula 691 do STF. A admissibilidade de habeas corpus, segundo o ministro, pressupõe a existência de decisão colegiada, o que não ocorreu no caso, uma vez que o HC em análise se voltava contra decisão monocrática de ministro do STJ. Quanto ao mérito, Fachin votou pela negativa do pedido do habeas corpus ao entender que, de acordo com as decisões do TRF-2 e do STJ, o decreto prisional foi devidamente fundamentado. A ministra Cármen Lúcia votou pelo não conhecimento do habeas corpus por não ter sido esgotada a instância antecedente, devendo, em seu entendimento, ser aguardado o julgamento final do habeas corpus impetrado no STJ.
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