RELATOR: DESEMBARGADOR ROBERTO MACHADO -
PENAL. APELAÇÃO DO MPF. FALSIDADE IDEOLÓGICA (ART. 299 DO CP). ACUMULAÇÃO INDEVIDA DE CARGOS PÚBLICOS. DECLARAÇÃO FALSA. ERRO DE PROIBIÇÃO ESCUSÁVEL. INEXISTÊNCIA. ERRO DE TIPO. RECONHECIMENTO. INSERÇÃO DE INFORMAÇÃO QUE ACREDITAVA SER VERDADEIRA. EXCLUSÃO DO DOLO. ATIPICIDADE FORMAL DA CONDUTA. IMPROVIMENTO. 01. Apelação interposta pelo MPF contra sentença que, julgando improcedente o pedido formulado na denúncia, absolveu MGFJ da acusação da prática do delito tipificado no art. 299 do CP, com fulcro no art. 386, VI, do CPP. Em síntese, insurge-se o MPF contra a sentença absolutória, sob a alegação de que o acusado, mediante a conduta de apresentar à UFRN declaração de não acumulação de cargos, autarquia federal com a qual manteve vínculo público sob o regime de dedicação exclusiva, praticou o crime de falsidade ideológica, tipificado no art. 299 do CP. Nesse sentido, pleiteia o órgão acusatório o afastamento da excludente de culpabilidade do erro de proibição (art. 21 do CP), sob a alegação de que o réu tinha plena condição de conhecer o caráter ilícito do ato praticado. 02. De início, salta aos olhos a indevida acumulação de cargos públicos por MGFJ no período de 13/03/2000 a 06/04/2009. Com efeito, é incontroverso que o acusado exerceu a carreira de professor universitário federal, lotado na UFRN, com vínculo de dedicação exclusiva, de 13/04/1987 até a data da sua aposentadoria, em 06/04/2009 (fl. 185 do IPL). Por outro lado, restou comprovado que o réu também foi servidor efetivo da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal de Extremoz/RN, admitido no cargo de médico em 13/03/2000, em face de aprovação em concurso público, sendo exonerado, a pedido, apenas em 18/03/2011 (fl. 208 do IPL). É translúcida, portanto, a manutenção de vínculo ilegal com a Prefeitura de Extremoz/RN por 9 (nove) anos, acumulado com o cargo de professor efetivo da UFRN. 03. Nada obstante, o objeto da presente ação penal restringe-se à suposta falsidade ideológica praticada na declaração de não acumulação assinada pelo réu em 20/02/2009 (fl. 46), de modo a se fazer necessária, portanto, a análise específica do crime imputado. 04. Verifica-se que o acusado subscreveu e entregou à UFRN uma "Declaração de Acumulação de Cargos, Empregos, Funções e Proventos" em 20/02/2009, na qual assinalou, expressamente, três assertivas: 1ª) que não ocupava qualquer cargo público; 2ª) que não estava em gozo de licença ou suspensão contratual; 3ª) que não estava em disponibilidade remunerada (art. 41, § 3º, da CF/88) (fl. 285 do IPL e fl. 46 da AP). Inclusive, em nenhum momento o acusado negou tal conduta, o que foi ratificado em sede de audiência de instrução e julgamento (mídia digital de fl. 102). 05. Todavia, também restou comprovado que o recorrido solicitara o afastamento do cargo ao Município de Extremoz/RN em 15/09/2008, obtendo como resposta o Ofício nº 367 de 22/09/2008 (fl. 35), dando conta da exclusão de seu nome do CNES, como médico Pediatra/Hebeatra/Médico de Criança/Neonatologista da Prefeitura. Em razão desse fato, a sentença recorrida entendeu aplicável ao caso o erro escusável sobre a ilicitude do fato (art. 21, caput, do CP), absolvendo o réu. 06. É mister enfrentar, destarte, a controvérsia quanto à ocorrência de erro de proibição in casu. Do ponto de vista técnico, o reconhecimento de tal instituto tem como consequência a exclusão da culpabilidade da conduta (terceiro elemento do crime, na perspectiva da teoria analítica), não do dolo, como assinalado na decisão recorrida. Por tratar-se de excludente de culpabilidade, o erro de proibição escusável pressupõe o reconhecimento de que o fato apurado é típico e antijurídico (injusto penal). Com efeito, o erro de proibição não recai sobre elemento constitutivo do tipo penal, mas, sim, sobre a própria reprovabilidade jurídica do ato praticado, e pressupõe a falta de consciência, ao menos potencial, de que certa conduta abstrata (no caso sub examine, a de inserir declaração falsa em documento público, nos termos do art. 299 do CP) venha a ser antijurídica (cf. CAPEZ, Fernando. Código penal comentado. 4.ed. São Paulo. Saraiva, 2013, pgs. 67/68). Portanto, eventual demonstração de que o réu não teria agido de maneira dolosa, por acreditar que já não preenchia o cargo na Prefeitura de Extremoz/RN, deveria decorrer da incidência do instituto do erro de tipo (art. 20 do CP), com o consequente reconhecimento da atipicidade formal da conduta. 07. Com a devida vênia, é exatamente esse o caso em análise, porquanto o documento em que o réu teria praticado, supostamente, a falsidade ideológica, foi assinado em 20/02/2009 (fl. 285 do IPL e fl. 46 da AP), posteriormente, portanto, à notícia de que o seu nome já tinha sido excluído do quadro de funcionários da administração municipal e do CNES (datada de 22/09/2008), cuja autenticidade não foi questionada pela acusação. Portanto, ao assinar a declaração de que não exercia qualquer outro cargo público, é perfeitamente razoável a tese de que o réu acreditava, de fato, que tal informação fosse verdadeira, incidindo em erro quanto a elemento do tipo penal imputado (a falsidade da informação). 08. Admitindo-se que o réu agiu com erro de tipo, somado ao fato de que o delito imputado não prevê modalidade culposa, deve-se reconhecer a atipicidade formal da conduta, mantendo-se a absolvição, nos termos do art. 386, VI, do CPP, em consonância ao parecer da PRR5. 09. Apelação improvida.
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