ACR – 15288/CE – 0006527-48.2014.4.05.8100

RELATOR: DESEMBARGADOR ROBERTO MACHADO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO MAJORADO (ART. 171, § 3º, DO CP). CONTRATO DE MÚTUO COM A CEF GARANTIDO POR CHEQUES FRAUDADOS. DEVOLUÇÃO POR CONTRAORDEM. PREJUÍZO DEMONSTRADO À EMPRESA PÚBLICA. AUTORIA, MATERIALIDADE E DOLO. COMPROVAÇÃO. CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. DOSIMETRIA. PENA-BASE. REDUÇÃO. REGIME INICIAL ABERTO.  SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. VALOR UNITÁRIO DO DIA MULTA FIXADO. DESPROPORCIONALIDADE. REDUÇÃO. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Apelação interposta por JAS e HFS contra sentença que, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, condenou: a) JAS à pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além de 50 (cinquenta) dias-multa no valor de 5 (cinco) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º do CP; b) HFS à pena privativa de liberdade de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, além de 50 (cinquenta) dias-multa no valor de 5 (cinco) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º do CP, absolvendo-os da acusação da prática crime previsto no artigo 180, § 1º do CP. 2. Embora não tenham sido objeto de impugnação, destaque-se que a materialidade e a autoria delitivas restaram devidamente comprovadas nos autos. Quanto à materialidade, consta do Inquérito o contrato de antecipação de crédito firmado com a CEF (fls. 63/79 do IPL), assinado pelos réus (fl. 79 do IPL), celebrado mediante a apresentação em garantia de diversos cheques provenientes de furtos ou roubos (cópias dos títulos de crédito devolvidos às fls.80/89v do IPL), de modo a induzir e manter a referida empresa pública em erro, ocasionando prejuízo de R$ 157.701,56 (cento e cinquenta e sete mil, setecentos e um reais e cinquenta e seis centavos) (fl. 99 do IPL).  A autoria restou igualmente demonstrada, porquanto os réus, comprovadamente, eram sócios da empresa FEMINY INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE CONFECÇÕES LTDA - ME, conforme se depreende do contrato social acostado aos autos (fls. 06/16 do IPL), havendo comparecido pessoalmente à CEF para a celebração do contrato de antecipação de crédito junto à instituição financeira (fl. fl. 79 do IPL), apresentando, por diversas ocasiões, durante a vigência do contrato, cheques provenientes de talões furtados, conforme atestado pelos funcionários do banco (cf. depoimento de Renato Salmito Rodrigues, fls. 156/157 do IPL, corroborado em juízo, fls. 94 e 109). 3. Razão não assiste à defesa no que toca à primeira alegação formulada no apelo (ausência de comprovação de dolo na conduta dos agentes). Com efeito, a tese de que todos os cheques apresentados à CEF foram recebidos de clientes e posteriormente repassados, de boa-fé, ao banco contratado, é carente de verossimilhança. Em verdade, todos os legítimos titulares das cártulas, ouvidos na Polícia Federal e em Juízo, afirmaram que sequer conheciam a empresa gerida pelos acusados, não mantendo com eles qualquer relação. Pelo contrário, quase todos relataram episódios recentes de extravio, roubos ou furtos dos seus respectivos talões (cf. mídia digital de fl. 94). Além disso, só quando se iniciaram as devoluções, por contraordem, foi possível constatar que a empresa contratante havia desaparecido, consoante atestado pelo gerente da CEF e corroborado pelo próprio réu JAS em interrogatório (mídias digitais de fls. 94 e 109, bem como fl. 156 do IPL), o que denota a intenção deliberada de causar o prejuízo à empresa pública. 4. Relativamente à alegação de que a CEF dispõe de instrumentos técnicos suficientes para identificar se os cheques eram, ou não, emitidos validamente, antes mesmo de admiti-los como garantia (argumento da ocorrência de crime impossível, por ineficácia absoluta do meio), tampouco merece prosperar a pretensão defensiva. Destaque-se, nesse sentido, que o gerente empresarial da CEF, responsável pela antecipação do crédito, adotou todas as medidas de cautela exigíveis para a liberação dos valores, mediante prévia análise de toda a documentação apresentada, havendo respeitado, também, o limite indicado pelo sistema da instituição financeira. Vale destacar, ainda, que o gerente vistoriou o estabelecimento comercial antes mesmo da concessão do crédito (fl. 156 do IPL e mídia digital de fl. 94), fato confirmado pelo acusado JAS (fls. 186/187 do IPL e mídia digital de fl. 109), ocasião em que comprovou o funcionamento regular da empresa à época. 5. Ademais, os meios empregados para a consecução da fraude (cheques provenientes de furtos e roubos) não apenas eram eficazes, como, de fato, geraram prejuízos concretos à CEF, no montante de R$ 157.701,56 (cento e cinquenta e sete mil, setecentos e um reais e cinquenta e seis centavos) (fl. 99 do IPL). Inviável, portanto, o reconhecimento de crime impossível, porquanto o meio utilizado tanto era idôneo para a consumação do delito, que serviu, efetivamente, à sua consumação - não podendo ser considerado, destarte, absolutamente ineficaz. Nesse sentido, o seguinte precedente do TRF3: "se há possibilidade de obtenção do resultado típico, mesmo que ínfima, não se pode cogitar em tentativa inidônea ou crime impossível" (ACR 051854, Rel. Des. Federal LUIZ STEFANINI, TRF3 - Quinta Turma, e-DJF3 Judicial 1: 14/04/2014). 6. Dosimetria. Primeira fase. Razão assiste aos recorrentes quanto à impossibilidade de valorar negativamente a circunstância judicial da culpabilidade. Em verdade, o fato de a operação de crédito ter-se efetivado unicamente por conta da atuação dos réus não pode, por si só, fundamentar o juízo negativo da culpabilidade dos agentes, tendo em vista que a conduta do sujeito ativo é pressuposto da própria consumação do delito (autoria delitiva), sendo, portanto, ínsita ao tipo penal. 7. De igual modo, deve-se reformar a sentença quanto à valoração negativa da circunstância judicial dos motivos do crime, tendo em vista que o desejo de obter lucro fácil integra o dolo do agente (elemento subjetivo do tipo), sendo inerente ao tipo penal de estelionato, não podendo ser utilizado, portanto, para a exasperação da pena-base. Precedentes desta Primeira Turma: ACR 15191, Rel. Des. Federal Roberto Machado, TRF5, DJE: 19/04/2018; ACR 13880, Rel. Des. Federal Alexandre Costa de Luna Freire, TRF5, DJE: 25/04/2018. 8. Também merece acolhimento a tese sustentada pela defesa em relação à circunstância judicial dos maus antecedentes, tendo em vista o entendimento pacificado dos Tribunais Superiores no sentido de ser vedada a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base do agente (Súmula do STJ nº 444). 9. Contudo, quanto à valoração negativa das consequências do crime, andou bem o douto magistrado a quo. Na realidade, restou comprovado o elevado prejuízo financeiro ocasionado pelos réus, no valor total de R$ 157.701,56 (cento e cinquenta e sete mil, setecentos e um reais e cinquenta e seis centavos). Nesse sentido, vale destacar que a jurisprudência do STJ é firme quanto à possibilidade de valorar negativamente as consequências do crime quando os prejuízos gerados pelo ilícito penal forem exorbitantes. Precedente do STJ: REsp 1565024/SP, Rel. Min. ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, Sexta Turma, DJe: 06/06/2018. 10. Logo, considerando que apenas uma circunstância judicial é desfavorável aos agentes, reconheço a necessidade de reformar a sentença para reduzir as penas-bases, fixadas em 3 (três) anos de reclusão, para 1 (um) ano e 6 (seis) meses de reclusão. 11. Segunda fase. Inexistem circunstâncias agravantes ou atenuantes aplicáveis ao caso. Terceira fase. Deve-se aplicar a causa de aumento prevista no § 3º do art. 171 do CP, aumentando-se as penas em 1/3 (um terço), para 2 (dois) anos de reclusão. Outrossim, consoante destacado pelo juízo de origem, é cabível a majorante da continuidade delitiva, vez que as condutas criminosas (apresentação reiterada, por seis meses, dos cheques provenientes de crimes à CEF) deram-se nas mesmas condições de tempo, lugar e modo de execução, razão pela qual elevo as penas em mais 1/6 (um sexto), restando as penas privativas de liberdade dos réus fixadas definitivamente em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime (art. 33, § 2º, c e § 3º do CP). Reconhecendo o preenchimento de todos os requisitos previstos no art. 44 do CP, substitui-se a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos (parte final do § 2º do art. 44 do CP), a serem fixadas pelo juízo da execução. 12. Por fim, embora tal matéria não tenha sido levantada pela defesa, em respeito ao princípio da proporcionalidade, bem como ao efeito devolutivo integral das apelações criminais, impende reconhecer a necessidade de reduzir a quantum de cada dia multa fixado na sentença. Apesar de o montante de 50 (cento e quinze) dias-multa, fixado para ambos os réus, mostrar-se proporcional em relação às penas-bases dos agentes, o valor estabelecido para cada dia multa, de 5 (cinco) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos (patamar máximo previsto no art. 49, § 1º do CP), mostra-se excessivo, devendo ser reduzido, diante da ausência de notícia sobre a atual condição financeira do acusados - os quais, inclusive, são assistidos pela DPU - para o patamar de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época dos fatos. 13. Apelação parcialmente provida, para reduzir as penas privativas de liberdade de ambos os réus para 2 (dois) anos e 4 (meses) de reclusão, em regime aberto, substituídas por duas sanções restritivas de direitos, a serem definidas pelo juízo da execução, reduzindo, ainda, o valor do dia-multa para 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos.

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