RELATOR :MIN. LUIZ FUX -
RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA E SONEGAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. ARTIGOS 168-A, § 1º, I, E 337-A, III, DO CÓDIGO PENAL. ALEGADA VIOLAÇÃO AO ARTIGO 5º, XXXIX, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGADA OFENSA AO ARTIGO 5º, XLVI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DOSIMETRIA DA PENA. MATÉRIA DE ÍNDOLE INFRACONSTITUCIONAL. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279 DO STF. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 93, IX, DA CONSTITUIÇÃO. INEXISTÊNCIA. AGRAVO DESPROVIDO. DECISÃO: Trata-se de agravo nos próprios autos objetivando a reforma de decisão que inadmitiu recurso extraordinário, manejado com arrimo na alínea a do permissivo constitucional, contra acórdão que proferiu a seguinte decisão: “Sentença condenatória. Recursos de apelação interpostos pela defesa e pelo Ministério Público Federal. Apropriação indébita previdenciária. Art. 168-A, § 1°, 1, CP. Sonegação de contribuições previdenciárias. Art. 337A, III, CP. I - Verificação da tipicidade de ambos os delitos. Dolos evidenciados. II - Não se vislumbra a aplicação da excludente de culpabilidade decorrente da inexigibilidade de conduta diversa. Defesa não se incumbiu do ônus de provar a aludida excludente. III - Condutas autônomas e independentes entre si, não sendo possível a aplicação da pena de apenas um dos crimes, com a causa de aumento da continuidade delitiva. IV - Necessidade de exasperação da pena-base. Culpabilidade e consequências delitivas demasiadamente desfavoráveis ao réu. V- Necessidade de majoração da pena de multa, ante as condições financeiras do réu. Pelo provimento do recurso ministerial e pelo não provimento da apelação do réu”. (Doc. 7, fl. 15) Nas razões do apelo extremo, a parte recorrente sustenta preliminar de repercussão geral e, no mérito, aponta violação aos artigos 5º, XXXIX, XLVI e 93, IX, da Constituição Federal. (Doc. 7, fls. 129-147) O Tribunal a quo negou seguimento ao recurso extraordinário, por entender que as alegações encontram óbice nas Súmulas 279 e 282 do STF e que a matéria apresenta índole infraconstitucional. (Doc. 7, fls. 211-215) É o relatório. DECIDO. O agravo não merece prosperar. Ab initio, a jurisprudência desta Corte é uníssona no sentido de que a verificação de ofensa aos princípios da legalidade, do livre acesso à justiça, do devido processo legal, da ampla defesa, do contraditório e da motivação das decisões judiciais, bem como aos limites da coisa julgada, quando dependente do reexame prévio de normas infraconstitucionais, revela ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal, o que, por si só, não desafia a instância extraordinária. Nesse sentido, os seguintes julgados: “Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Constitucional. Processual Penal. Indeferimento de diligência probatória. Cerceamento de defesa (CF, art. 5º, incisos LIV e LV). Ofensa indireta ou reflexa à Constituição Federal. Ausência de repercussão geral reconhecida. Precedentes. Agravo regimental não provido. 1. Está consolidado na Corte o entendimento de que ‘não apresenta repercussão geral recurso extraordinário que, tendo por objeto a obrigatoriedade de observância dos princípios do contraditório e da ampla defesa, nos casos de indeferimento de pedido de produção de provas em processo judicial, versa sobre tema infraconstitucional. 2. Agravo regimental a que se nega provimento.” (ARE 830.699-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 12/2/2015) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO CRIMINAL. APELAÇÃO. IMPEDIMENTO DE UM DOS INTEGRANTES DA CORTE. DECLARAÇÃO DE NULIDADE TÃO SÓ DO JULGAMENTO. CONVALIDAÇÃO DOS ATOS INSTRUTÓRIOS. MATÉRIA AFETA À INTERPRETAÇÃO DE DISPOSITIVOS DO PROCESSO PENAL. MILITAR. OFENSA INDIRETA A PRECEITO CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I – É inadmissível o recurso extraordinário quando sua análise implica rever a interpretação de normas infraconstitucionais que fundamentam a decisão a quo. A afronta à Constituição, se ocorrente, seria indireta. II – A alegada afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, da motivação dos atos decisórios, dos limites da coisa julgada e da prestação jurisdicional, se dependente de reexame prévio de normas infraconstitucionais, seria indireta ou reflexa. III – Agravo regimental a que se nega provimento.” (RE 669.427-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe de 9/12/2013) “DIREITO PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, II, LIV E LV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. LEGALIDADE, DEVIDO PROCESSO LEGAL, CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA Nº 279/STF. EVENTUAL OFENSA REFLEXA NÃO VIABILIZA O MANEJO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECISÃO AGRAVADA. CONSONÂNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/1973. 1. Cristalizada a jurisprudência desta Suprema Corte, a teor das Súmulas 282 e 356/STF: ‘Inadmissível o recurso extraordinário, quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada’, bem como ‘O ponto omisso da decisão, sobre o qual não foram opostos embargos declaratórios, não pode ser objeto de recurso extraordinário, por faltar o requisito do prequestionamento’. 2. O entendimento consignado na decisão agravada reproduz a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. Obstada a análise da suposta afronta aos incisos II, LIV e LV do art. 5º da Carta Magna, porquanto dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, procedimento que refoge à competência jurisdicional extraordinária desta Corte Suprema, a teor do art. 102 da Magna Carta. 3. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo regimental conhecido e não provido.” (ARE 773.355-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 25/8/2017) Demais disso, a matéria relativa à dosimetria da pena demanda a análise da legislação infraconstitucional aplicável à espécie (Código Penal), bem como do conjunto fático-probatório dos autos. Nesse sentido, AI 772.308AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, DJe de 13/8/2010, o qual possui a seguinte ementa: “PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ALEGADA OFENSA AO ART. 5º, XLVI, DA CF. OFENSA REFLEXA. SÚMULA 283 DO STF. REEXAME DE PROVA. SÚMULA 279 DO STF. INCIDÊNCIA. AGRAVO IMPROVIDO. I - A jurisprudência da Corte é no sentido de que a alegada violação ao art. 5º, XLVI da Constituição, pode configurar, em regra, situação de ofensa reflexa ao texto constitucional, por demandar prévia análise de legislação processual ordinária. Precedentes. II - Com a negativa de provimento ao recurso especial pelo Superior Tribunal de Justiça, os fundamentos infraconstitucionais que amparam o acórdão recorrido tornaram-se definitivos (Súmula 283 do STF). III - Para se chegar à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, necessário seria o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai a incidência da Súmula 279 do STF. IV - Agravo regimental improvido.” E, ainda: “DIREITO PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO INTERPOSTO SOB A ÉGIDE DO CPC/1973. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 5º, XLVI E LIV, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. DEVIDO PROCESSO LEGAL. CONTRADITÓRIO E AMPLA DEFESA. INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. AUSÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DO ART. 97 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E DA SÚMULA VINCULANTE Nº 10. INOVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO MANEJADO SOB A VIGÊNCIA DO CPC/2015. 1. O entendimento adotado na decisão agravada reproduz a jurisprudência firmada no Supremo Tribunal Federal. O exame da alegada ofensa ao art. 5º, XLVI e LIV, da Lei Maior, observada a estreita moldura com que devolvida a matéria à apreciação desta Suprema Corte, dependeria de prévia análise da legislação infraconstitucional aplicada à espécie, bem como do revolvimento do quadro fático delineado na origem, o que refoge à competência jurisdicional extraordinária prevista no art. 102 da Magna Carta. 2. A alegada violação do art. 97 da Constituição Federal e da Súmula Vinculante nº 10 não foi arguida nas razões do recurso extraordinário, sendo vedado ao agravante inovar no agravo interno. 3. As razões do agravo não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 4. Agravo interno conhecido e não provido.” (ARE 1.089.098-AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe de 21/2/2018) “AGRAVO INTERNO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ALEGADA AFRONTA AO ART. 5º, XLVI e XLVIII, DA MAGNA CARTA. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA. REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA REPRIMENDA. TEMAS SITUADOS NO CONTEXTO NORMATIVO INFRACONSTITUCIONAL. INVIABILIDADE DE REEXAME PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279 DO STF. 1. Nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a alegação de afronta ao princípio da individualização das penas configura matéria situada no contexto normativo infraconstitucional, de forma que as ofensas à Constituição indicadas no recurso extraordinário são meramente indiretas (ou mediatas), o que inviabiliza o conhecimento do referido apelo. Precedentes. 2. Há precedentes de ambas as Turmas desta Corte no sentido de que a revisão dos critérios utilizados para a fixação do regime inicial de cumprimento da pena exige o incursionamento nos fatos e provas concernentes à causa, o que encontra óbice na Súmula 279 do STF. 3. Agravo interno a que se nega provimento.” (ARE 1.055.410-AgR, Rel. Min. Alexandre de Moraes, Primeira Turma, DJe de 21/11/2017, grifei) De igual modo, o artigo 93, IX, da Constituição Federal resta incólume quando o Tribunal de origem, embora sucintamente, pronuncia-se de forma clara e suficiente sobre a questão posta nos autos, máxime o magistrado não estar obrigado a rebater, um a um, os argumentos trazidos pela parte, quando já tiver fundamentado sua decisão de maneira suficiente e fornecido a prestação jurisdicional nos limites da lide proposta. Nesse sentido, aliás, é a jurisprudência desta Corte, como se infere dos seguintes julgados: “Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Alegada violação do art. 93, IX, da CF/88. Não ocorrência. Ausência de impugnação de todos os fundamentos da decisão agravada. Súmula nº 287/STF. 1. O art. 93, IX, da Constituição Federal não determina que o órgão judicante se manifeste sobre todos os argumentos de defesa apresentados, mas, sim, que ele explicite as razões que entendeu suficientes à formação de seu convencimento. 2. A jurisprudência de ambas as Turmas deste Tribunal é no sentido de que se deve negar provimento ao agravo quando, como no caso, não são impugnados todos os fundamentos da decisão agravada. Incidência da Súmula nº 287 da Corte. 3. Agravo regimental não provido.” (AI 783.503AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 16/9/2014) “AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. 1. ALEGADA CONTRARIEDADE AO ART. 93, INC. IX, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA: INOCORRÊNCIA. FUNDAMENTAÇÃO ADEQUADA AINDA QUE NÃO ANALISADOS TODOS OS ARGUMENTOS DA PARTE. PRECEDENTES. 2. MILITAR. PROVENTOS DO GRAU HIERARQUICAMENTE SUPERIOR. ANÁLISE PRÉVIA DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA CONSTITUCIONAL INDIRETA. 3. RECURSO INCABÍVEL PELAS ALINEAS C E D DO INC. III DO ART. 102 DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. AUSÊNCIA DAS CIRCUNSTÂNCIAS NECESSÁRIAS. AGRAVO REGIMENTAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.” (RE 724.151-AgR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 28/10/2013) Nesse contexto, não prospera o argumento de que o acórdão recorrido não está devidamente fundamentado, tendo em vista que o juízo de origem apreciou as provas apresentadas nos autos, embora de forma contrária aos interesses dos agravantes. Nesse sentido, ARE 740.877-AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJe de 4/6/2013, o qual possui a seguinte ementa: “Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Administrativo. 3. Alegação de ausência de prestação jurisdicional. Decisão fundamentada, embora contrária aos interesses da parte, não configura negativa de prestação jurisdicional. Precedente: AI-QO-RG 791.292 de minha relatoria, DJe 13.8.2010. 4. Afronta aos princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório, se dependente do reexame prévio de normas infraconstitucionais, configura ofensa reflexa à Constituição Federal, o que inviabiliza o processamento do recurso extraordinário. 5. Alegação de ofensa ao princípio da legalidade. Enunciado 636 da Súmula desta Corte. 6. Ausência de argumentos suficientes para infirmar a decisão recorrida. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” Por fim, o Plenário deste Tribunal reconheceu a repercussão geral da matéria para reafirmar a jurisprudência da Corte no sentido de que a decisão judicial tem que ser fundamentada, ainda que sucintamente, sendo prescindível que se funde na tese suscitada pela parte. O julgado restou assim ementado: “Questão de ordem. Agravo de Instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral.” (AI-QO-RG 791.292, Rel. Min. Gilmar Mendes, Tribunal Pleno, DJe de 13/8/2010) Ex positis, DESPROVEJO o agravo, com fundamento no disposto no artigo 21, § 1º, do RISTF. Brasília, 27 de fevereiro de 2019. Ministro LUIZ FUX Relator.