Por Marco Antônio Ferreira Lima -
O instituto da suspeição, previsto em nosso ordenamento jurídico nos termos do artigo 254 do CPP, reflete na possibilidade de interferência na imparcialidade da prestação jurisdicional.
A garantia do acesso à Justiça exige a imparcialidade dentro do contraditório pelo livre convencimento, que se atinge pela persuasão racional que se delimita pelos contornos da estrita legalidade.
Enquanto o impedimento se dá por meio de uma situação concreta — juiz e promotor tendo parentesco entre si ou com uma das partes —, a suspeição exige um juízo valorativo. Por isso seu caráter incidental, porquanto a suspeição parte de algo subjetivo, que exige interpretação, fazendo com que o processo fique suspenso até que se julgue a arguida suspeição.
Institutos distintos que, por seus efeitos, nos termos do artigo 263 do CPP, devem gerar efeitos igualmente distintos quanto à nulidade processual.
Observando-se o princípio contido de que pas de nullité sans grief (não há nulidade sem prejuízo), somente é devida a nulidade dos atos processuais que estejam aptos a causar prejuízo aos envolvidos. E esse prejuízo compete a quem o alega demonstrar, nos termos do artigo 156 do CPP.
Pois bem: fato superveniente à sentença que poderia macular a imparcialidade, antes de tudo, deve ser apreciado nos termos do artigo 157 do mesmo diploma.
Prova ilícita não é prova. Deve ser destruída e não poderá atingir a convicção jurisdicional. Entretanto, o próprio artigo 157, quanto à prova derivada, a excetua nas situações em que o mesmo fato possa ser demonstrado por outros meios lícitos de prova.
O que não é possível, nem por suposição, é desconstituir sentença com base em suspeição sugerida por meio de prova obtida por meio ilícito. Inconveniência ou impropriedade não são fatores que interferem em todo um processo e de forma extensiva a outros, especialmente por algo subjetivo de efeito relativo como é a suspeição.
Não é incomum o trânsito de advogados nos tribunais para apresentar memoriais escritos antes de um julgamento. Não é usual essa mesma conduta, repita-se lícita, por membros do Ministério Público.
Lembrando-se que o juiz natural, enquanto princípio, não se confunde com o da identidade física e, sempre sob a possibilidade de relativização por critérios lineares de competência, atua juntamente com a polícia judiciária e com o Ministério Público durante a investigação e mesmo no curso do devido processo legal.
E isso de maneira alguma traz suspeição ou parcialidade. Muito menos atinge o contraditório.
A autoridade policial preside as investigações. O sistema acusatório diferido rege o devido processo legal. Se a autoridade policial, no curso das investigações, necessitar de produção de fato que interfira em preceito fundamental, a intervenção do Ministério Público e do Judiciário é obrigatória.
Censura fiscal, telefônica, restrição de liberdade serão representadas pela autoridade policial ao juiz de Direito, devidamente fundamentadas e, ouvido o Ministério Público, deferidas ou não. E o contraditório? No caso é diferido ou impróprio.
Por questões óbvias, até porque restaria prejudicada a prova se não preservado o sigilo, permite-se a intervenção da defesa técnica após a produção dessa prova. Não se pode determinar a censura telefônica permitindo se tenha a defesa conhecimento prévio do ato, o que a tornaria inócua.
Esse prévio conhecimento pelo juiz natural vicia sua imparcialidade? Por mais que perfeita seja essa prova, o juiz está a ela vinculado? Não. Para isso o contraditório e a persuasão racional para atingir o livre convencimento.
Ainda que demonstrado eventual prejuízo pela suspeição — o que não pode partir de modo unilateral —, o meio restrito para se desconstituir sentença proferida é o instituto da revisão criminal.
Essa não tem natureza de recurso, mas, sim, de ação, e não permite produção de prova, mas admite a apresentação de prova superveniente que possa ter interferido na prestação jurisdicional.
A revisão dos processos findos será admitida quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos, quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos ou quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Todavia, falta o principal requisito para se cogitar a rescisória: o trânsito em julgado.
O Habeas Corpus não tem a elasticidade para rescindir sentença como meio substitutivo à revisão criminal e com efeito de repercussão geral. Outrossim, a revisão criminal, quando se pautar em fato que exija contraditório, exige a justificação criminal.
Feitas essas observações, não há como se destruir um fluxo de investigações e processos findos ou não com fatos ilícitos e que aparentemente não tenham relevância no contexto probatório.
Em investigações que envolvem juízes e promotores como investigados, por exemplo, a troca de informações é comum. Mesmo porque ambas as corregedorias estão investigando prováveis crimes.
Delegados de polícia conversam diariamente com promotores e juízes sobre investigações, até mesmo para apurar conveniência de prova.
Aqui há um único problema: o sigilo, a intimidade, a vida privada atingida legalmente, por legítima, de alguns? É crime! De outros? São necessários à investigação.
Não vejo crime nem irregularidades nos trechos das conversas travadas entre o ex-juiz Sergio Moro e o procurador Deltan Dallagnol, inclusive sobre a conveniência de prova.
Crime há em invadir privacidade e divulgar fato — que não é — como se crime fosse. Não há nada que justifique uma revisão criminal, mesmo porque não há trânsito em julgado e está muito distante um Habeas Corpus substitutivo, como as próprias cortes superiores têm decidido.
Que se apure nas devidas esferas, preservando-se especialmente a imagem dos investigados, inclusive do responsável pela invasão telemática e quem a divulgou.
Que diga o Direito.