O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que as presas transexuais femininas sejam transferidas para presídios femininos. A decisão cautelar foi tomada na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527, em que a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) questiona decisões judiciais contraditórias na aplicação da Resolução Conjunta da Presidência da República e do Conselho de Combate à Discriminação 1/2014. A liminar, no entanto, não alcança as travestis, pois, segundo o ministro, ainda não há informações que permitam reconhecer, com segurança, à luz da Constituição Federal, qual é o tratamento adequado a ser conferido a este grupo.
O artigo 1º resolução conjunta prevê a oferta de espaços de vivências específicos às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, considerando a sua segurança e sua especial vulnerabilidade. O artigo 4º estabelece que as pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades prisionais femininas, garantindo tratamento isonômico entre as mulheres trans e as demais mulheres que se encontrarem em privação de liberdade. No entanto, segundo a ABGLT, alguns juízos de execução penal têm interpretado a norma de forma a frustrar a efetivação dos direitos desses grupos a tratamento adequado no âmbito do sistema carcerário, resultando em violação aos preceitos fundamentais da dignidade humana, da proibição de tratamento degradante ou desumano e do direito à saúde de tais grupos.
Vulnerabilidade
Em sua decisão, o ministro Barroso explicou que transexuais são as pessoas que se identificam com o gênero oposto ao seu sexo biológico. “São, portanto, aquelas que têm uma percepção de que seu corpo é inadequado à forma como se sentem, e buscam ajustá-lo à imagem de gênero que têm de si”, afirmou. As travestis, embora se apresentem para o mundo com o gênero oposto àquele correspondente a seu sexo biológico, não percebem seu corpo como inadequado. “Elas não têm aversão a seus órgãos sexuais e, portanto, não querem modificá-los”, ressaltou.
Segundo o relator, transexuais e travestis têm em comum o pertencimento “a um grupo extremamente estigmatizado”, com dificuldade de permanecer na escola, de obter emprego e de receber atendimento médico em hospitais públicos. Em relação ao contexto carcerário, Barroso observa que o grupo sofre dupla vulnerabilidade, e sua necessidade de proteção é reconhecida e amparada nos Princípios de Yogyakarta, aprovados em 2007 pela comunidade internacional. “Trata-se, ademais, de um grupo exposto a graves situações de violência, que colocam em risco a sua integridade física e psíquica e a sua própria vida. Basta lembrar que o Brasil lidera o ranking mundial de violência contra transgêneros, cuja expectativa média de vida, no país, gira em torno de 30 anos, contra os quase 75 anos de vida do brasileiro médio”, apontou.
No âmbito do direito constitucional brasileiro, o ministro enfatizou que o direito à não discriminação e à proteção física e mental das pessoas LGBTI tem amparo no princípio da dignidade humana, no direito à não discriminação em razão da identidade de gênero ou em razão da orientação sexual, no direito à vida e à integridade física, no direito à saúde, na vedação à tortura e ao tratamento desumano ou cruel.
Medidas
Em relação ao tratamento conferido às transexuais, o relator destacou que não há divergência sobre os estabelecimentos em que devem cumprir pena e lembrou que a Advocacia Geral da União (AGU), ao se manifestar nos autos, reconheceu que as transexuais femininas devem ser acolhidas em presídios femininos e que tal previsão já consta da resolução conjunta. “Não há, no caso, uma opção aberta ao Poder Público sobre como tratar esse grupo, mas uma imposição”, enfatizou.
Sobre as travestis, contudo, Barroso ressaltou que não há na resolução a determinação de que cumpram prisão em estabelecimentos femininos, mas a indicação de que podem optar por “espaços de vivência específicos”, compartilhados com homossexuais. Lembrou, ainda, que houve hesitação da ABGLT sobre tratamento mais adequado a ser conferido a esse grupo, inclusive com aditamento à petição inicial quanto a esse ponto. Segundo o ministro, o direito de travestis de serem encaminhados às unidades prisionais de acordo com sua identidade de gênero ainda está em discussão no âmbito do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (CNCD/LGBT). “Fica claro que o tratamento a ser conferido às travestis está sendo objeto de reflexão e de amadurecimento pelos órgãos especializados na matéria”.
Na ausência de elementos que apontem para uma solução unívoca quanto aos travestis, o ministro deferiu a liminar apenas para que transexuais femininas sejam transferidas para presídios femininos. A decisão será submetida a referendo do Plenário.
Leia a íntegra da decisão.
Leia mais:
03/07/2018 – Ação pede que STF afirme direito de transexuais de cumprir pena em presídio feminino