RELATOR: DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS -
REVISÃO CRIMINAL. PROTEÇÃO À COISA JULGADA E HIPÓTESES DE CABIMENTO. CASO CONCRETO. DELITO DE ROUBO CIRCUNSTANCIADO (ART. 157, § 2º, DO CÓDIGO PENAL). PLEITO DE RECONHECIMENTO DE VIOLAÇÃO AO ENTENDIMENTO CONSTANTE NA SÚM. 443/STJ COM A NECESSIDADE DE APLICAÇÃO DA FRAÇÃO MAJORANTE NO MÍNIMO LEGAL – PRETENSÃO FUNDADA EM ALTERAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL SOBRE A MATÉRIA AO LONGO DOS ANOS – IMPOSSIBILIDADE DO MANEJO DA VIA EXCEPCIONAL REVISIONAL COM O ESCOPO DE QUE PREVALEÇA NOVEL INTERPRETAÇÃO PRETORIANA A SITUAÇÃO JULGADA COM DEFINITIVIDADE. PLEITO DE INAPLICABILIDADE DO CONCURSO FORMAL DE CRIMES – REFUTAMENTO. DELITO DE QUADRILHA ARMADA (ART. 288, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO PENAL). PLEITO DE REDUÇÃO DA PENA-BASE PARA O MÍNIMO LEGAL – INDEFERIMENTO. PLEITO DE RECONHECIMENTO DE NOVATIO LEGIS IN MELLIUS EM RELAÇÃO AO PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 288 DO CÓDIGO PENAL DECORRENTE DA EDIÇÃO DA LEI Nº 12.850/2013 – COMPETÊNCIA DO MM. JUÍZO DAS EXECUÇÕES CRIMINAIS – SÚM. 611/STF. POSTULAÇÃO REVISIONAL JULGADA IMPROCEDENTE. - O Ordenamento Constitucional de 1988 elencou a coisa julgada como direito fundamental do cidadão (art. 5º, XXXVI), conferindo indispensável proteção ao valor segurança jurídica com o escopo de que as relações sociais fossem pacificadas após a exaração de provimento judicial dotado de imutabilidade. Sobrevindo a impossibilidade de apresentação de recurso em face de uma decisão judicial, há que ser reconhecida a imutabilidade do provimento tendo como base a formação tanto de coisa julgada formal (esgotamento da instância) como de coisa julgada material (predicado que torna imutável o que restou decidido pelo Poder Judiciário, prestigiando, assim, a justiça e a ordem social).- Situações excepcionais, fundadas na ponderação de interesses de assento constitucional, permitem o afastamento de tal característica da imutabilidade das decisões exaradas pelo Poder Judiciário a fim de que prevaleça outro interesse (também tutelado constitucionalmente), sendo justamente neste panorama que nosso sistema jurídico prevê a existência de ação rescisória (a permitir o afastamento da coisa julgada no âmbito do Processo Civil) e de revisão criminal (a possibilitar referido afastamento na senda do Processo Penal).- No âmbito do Processo Penal, para que seja possível a reconsideração do que restou decidido sob o manto da coisa julgada, deve ocorrer no caso concreto uma das situações previstas para tanto no ordenamento jurídico como hipótese de cabimento da revisão criminal nos termos do art. 621, do Código de Processo Penal. Assim, permite-se o ajuizamento de revisão criminal fundada em argumentação no sentido de que (a) a sentença proferida encontra-se contrária a texto expresso de lei ou a evidência dos autos; (b) a sentença exarada fundou-se em prova comprovadamente falsa; e (c) houve o surgimento de prova nova, posterior à sentença, de que o condenado seria inocente ou de circunstância que permitiria a diminuição da reprimenda então imposta.- A Revisão Criminal não se mostra como via adequada para que haja um rejulgamento do conjunto fático-probatório constante da relação processual originária, razão pela qual impertinente a formulação de argumentação que já foi apreciada e rechaçada pelo juízo condenatório. Sequer a existência de interpretação controvertida permite a propositura do expediente em tela, pois tal situação (controvérsia de tema na jurisprudência) não se enquadra na ideia necessária para que o instrumento tenha fundamento de validade no inciso I do art. 621 do Código de Processo Penal.- Vindica o revisionando o reconhecimento de violação ao entendimento plasmado na Súm. 443/STJ a culminar na incidência da fração majorante contida no art. 157, § 2º, do Código Penal, em seu patamar mínimo.- Todavia, prevalece desde há muito tempo na jurisprudência pátria (C. Supremo Tribunal Federal, E. Superior Tribunal de Justiça e C. Corte Regional da 3ª Região) entendimento segundo o qual a via estreita da Revisão Criminal não pode ser manejada com o intuito de que prevaleça, nos dias presentes, novel e ulterior posicionamento jurisprudencial que se mostraria benéfico ao revisionando acaso comparada sua situação jurídica em face do r. provimento judicial transitado em julgado – em outras palavras, não é porque a jurisprudência mudou de orientação acerca de dado instituto jurídico ou de dada situação concreta que tal alteração tem o condão de permitir o ajuizamento de ação impugnativa autônoma com o fito de afastar a coisa julgada material, ainda mais quando a interpretação prevalente no caso concreto subjacente se alinhava ao posicionamento àquela época vigente, sob pena de, em última análise, se eternizar as questões (decididas com o devido manto protetivo da definitividade) ao sabor de influxos pretorianos de acordo com o momento em que formados. - Adentrando à situação subjacente, verifica-se que o entendimento esboçado no Verbete nº 443 da Súmula do C. Superior Tribunal de Justiça veio pacificar questão controvertida nos Tribunais (relativa ao modo de como deveria ser reconhecida a majorante disposta no § 2º do art. 157 do Código Penal) nos idos de 2010, o que tem o condão de indicar que anteriormente a tal ano o assunto era decidido das mais variadas formas pelos magistrados oficiantes em jurisdição penal (dentre elas, aquela constante do édito penal condenatório transitado em julgado, que se mostrava plenamente razoável e defensável à época), de molde que ulterior consolidação de posicionamento em sentido oposto não permite a desconstituição da garantia fundamental da coisa julgada. - Aduz o revisionando que o r. provimento judicial transitado em julgado aplicou regra afeta ao concurso formal de crimes (a culminar em incremento de sua reprimenda em 1/6) em decorrência do reconhecimento de roubos levados a efeito em detrimento da Caixa Econômica Federal – CEF e da respectiva empresa de segurança privada que estava no momento do assalto defendendo os interesses da instituição bancária. Salienta que, para que seja possível tal regra de unificação de penas, não seria suficiente a diversidade de vítimas, mas sim que o agente tivesse consciência de tal fato, o que não se verificaria no caso subjacente, uma vez que, a despeito das subtrações terem ocorrido no mesmo contexto, não constaria prova alguma no sentido de que o revisionando soubesse que os desfalques pertenceriam a pessoas jurídicas distintas (sequer havendo elemento a indicar sua intenção em lesar ambas). - A questão anteriormente descrita foi efetivamente enfrentada e resolvida quando da formação do édito penal condenatório, não podendo ser admitido o uso da via excepcional da Revisão Criminal como se fosse uma nova oportunidade para se reavivar temas já pacificados sob o manto da coisa julgada material – em outras palavras, impossível conceber-se a via processual eleita pelo revisionando como uma nova oportunidade para se manejar um recurso de Apelação (com a devolutividade ínsita a tal expediente). - Sem prejuízo do exposto, ainda que fosse possível a superação do óbice apontado, melhor sorte não o colheria, uma vez que suas ilações no sentido de ausência de dolo a abarcar o despojo patrimonial dos vigilantes que guarneciam a agência bancária assaltada soam desarrazoadas. Isso porque não é possível conceber que, em um roubo a mão armada à instituição financeira, os agentes que o perpetram não tenham planejado previamente (portanto, já configurada atuação livre e dolosa) o desarme dos guardas privados que ali se encontravam justamente com o objetivo de impedir uma ação delitiva (quiçá por meio do revide, que consistiria exatamente no desferimento de projéteis de arma de fogo contra os meliantes). Desta forma, é óbvia a presença de dolo no atuar de todos os agentes que buscam assaltar um banco a abarcar desde sempre a rendição dos guardas privados (com a nítida necessidade de apreender e de levar consigo as armas por eles portadas) até mesmo para que nenhum desses infratores seja baleado (frustrando o intento delitivo que estava em curso). - Objetiva o revisionando a alteração da pena-base fixada pela perpetração do crime de quadrilha armada. Para tanto, declina que não procedem as conclusões levadas em consideração para tal mister (consistentes em que a organização criminosa seria bem estruturada e voltada à perpetração de delitos patrimoniais, sendo composta por inúmeros integrantes, muitos dos quais ainda não identificados), tendo em vista que seriam genéricas e sem respaldo nas evidências dos autos. - Imperioso destacar, a teor de precedentes do C. Superior Tribunal de Justiça, que somente se mostra possível o manejo de Revisão Criminal com o objetivo de se alterar a reprimenda quando constatada prima facie a ocorrência de flagrante ilegalidade ou de manifesto abuso de poder no proceder por meio do qual se levou em consideração para fixa-la. E, dentro de tal contexto, compulsando os autos, não se vislumbra do caso subjacente a ocorrência de tais aspectos, pois a fundamentação empregada quando do cálculo da primeira etapa da dosimetria penal relativa ao crime de quadrilha armada perpetrado pelo revisionando não se mostra genérica tal qual argumentada, devendo ser levados em consideração principalmente os fundamentos declinados pelo magistrado sentenciante (decotados os maus antecedentes afastados pelo v. acórdão) com o intuito de bem delimitar o potencial ofensivo daquela organização criminosa descoberta – assim, a indicação de que a quadrilha era minuciosamente organizada, sendo formada por vários integrantes (muitos dos quais ainda não tinham sido identificados) e com o potencial de permitir o conluio de muitos outros criminosos para a execução de infrações penais futuras (nos termos em que foi possível inferir das interceptações telefônicas então levadas a efeito) mostra-se como fundamento apto a supedanear de forma concreta (e não com base na mera gravidade abstrata da infração) o incremento de pena-base executado. - Requer o revisionando o reconhecimento de que a Lei nº 12.850, de 02 de agosto de 2013, especificamente no que concerne à alteração promovida no parágrafo único do art. 288 do Código Penal, seria novatio legis in mellius a permitir que o recrudescimento de pena levado a efeito na terceira etapa de sua dosimetria penal seja graduado até a metade (nos termos da novel legislação mais benéfica) e não mais necessariamente em metade (a teor da vetusta redação do preceito indicado). - Entretanto, o acolhimento da pretensão encontra óbice na via processual escolhida para a sua formulação, haja vista que a postulação de aplicação da lei nova mais beneficia ao condenado é atribuição imposta, por força de lei (art. 66, I, da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 – Lei de Execução Penal), ao magistrado que atua na execução criminal. Aliás, como se não bastasse a literalidade expressa da legislação mencionada, o C. Supremo Tribunal Federal teve a oportunidade de se debruçar sobre o tema tendo consolidado seu entendimento, nos idos de 1984, por meio da edição da Súm. 611, segundo a qual, transitada em julgado a sentença condenatória, compete ao Juízo das execuções a aplicação de lei mais benigna, verbete sumular este aplicado até os dias presentes. Precedentes. - Revisão Criminal julgada improcedente.
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