O governo da Itália impetrou Mandado de Segurança (MS 27875), no Supremo Tribunal Federal, contra ato do ministro da Justiça, Tarso Genro, que deferiu a condição de refugiado a Cesare Battisti, no dia 13 de janeiro. Autor do pedido de Extradição (Ext 1085) de Battisti, em curso no STF, o governo italiano pede no MS a suspensão liminar do ato que resultou no refúgio, sob a alegação de que contraria a Convenção de 1951 e a Declaração Universal dos Direitos Humanos. No mérito, o MS pede a anulação da decisão do ministro da Justiça.
Cesare Battisti foi condenado na Justiça italiana por homicídio premeditado do agente penitenciário Antonio Santoro e de Pierluigi Torregiani, Lino Sabbadin e Andréa Campagna. Ele está preso no Brasil desde março de 2007.
No MS, a Itália alega que Battisti não participou apenas de crimes políticos – ainda que militasse na base da organização política denominada “Proletários Armados para o Comunismo (PAC)“ – mas que foi condenado por crimes comuns. “Não se trata de perseguição política, mas de legítima persecução judicial para execução de penas criminais decorrentes de bárbaros crimes comuns, absolutamente desvinculados de qualquer base político-ideológica”, afirma o advogado que representa o governo italiano.
Segundo ele, crimes comuns não justificariam a concessão de refúgio. Nesse sentido, o advogado cita a Convenção de 1951 (art. 1, F, b e c) e a Lei nº 9.474/97 (art. 3º, III: “Não se beneficiarão da condição de refugiado os indivíduos que tenham cometido crime contra a paz, crime de guerra, crime contra a humanidade, crime hediondo, participado de atos terroristas ou tráfico de drogas”). “Não há dúvida de que os crimes de homicídio qualificado perpetrados pelo extraditando configuram crimes hediondos”, afirma.
O MS ressalta, por fim, que a Corte Europeia de Direitos Humanos não apontou a ocorrência de violação dos direitos humanos e das liberdades fundamentais de Cesare Battisti, nem mesmo perseguição contra o extraditando, na Itália ou na França, para onde fugiu antes de ser preso no Brasil. O pedido de suspensão do refúgio será distribuído a ministro do STF nesta terça-feira.
Competência
Segundo a defesa do governo italiano, é de competência originária do STF processar e julgar o Mandado de Segurança em questão, “dado que as questões relacionadas com a extradição são de sua competência, independentemente da qualidade da autoridade apontada coatora, tratando-se de habeas corpus e de mandado de segurança”. Para fundamentar o cabimento do pedido, os advogados citaram a decisão do Plenário do Tribunal na Reclamação 2069, onde, conforme apontado no Mandado de Segurança, “mais do que relação de conexidade entre esta ação e a extradição, tem-se verdadeira relação de prejudicialidade, porquanto eventual decisão suspendendo os efeitos do ato concessivo do refúgio e eventual decisão consequente desconstituindo-o, ou não, terão inequívoca repercussão sobre a jurisdição da Suprema Corte na apreciação e julgamento do processo de extradição“. Essa seria a justificativa para que a defesa entrasse com o mandado de segurança no STF, em vez de fazê-lo no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que, conforme preceitua o artigo 105, inciso I, “b“, da Constituição Federal, é a Corte competente para processar e julgar, originariamente, os mandados de segurança contra ato de ministro de Estado.
Manifestação da Itália
Nas informações encaminhadas ao STF nesta segunda-feira, o governo da Itália aponta que a defesa de Battisti destaca haver diferenças na causa de pedir tanto no processo administrativo de refúgio quanto no processo administrativo de extradição. “O extraditando requereu ao CONARE/MJ o reconhecimento da condição de refugiado com base no art. 1º, I, da Lei nº 9.474/97 (...), enquanto na extradição se pediu a entrega do cidadão italiano Cesare Battisti à Justiça italiana para cumprimento de sentenças condenatórias transitadas em julgado pelo cometimento de crimes de homicídio qualificado -- cabendo privativamente à Suprema Corte se manifestar sobre se tais infrações consubstanciam, ou não, crimes de natureza política”, salientam os advogados.
Segundo a manifestação do governo italiano, “em consequência, o pedido de refúgio foi deferido com base em alegado fundado temor de perseguição por motivo de opiniões políticas (esses os fatos que fundamentaram a concessão do refúgio), restando ao Supremo Tribunal Federal, no exercício daquela sua competência privativa (art. 102, I, g, da CF), versar, no julgamento da extradição, coisa diversa -- se os delitos pelos quais o extraditando foi condenado e pelos quais a República Italiana requereu a sua extradição configuram ou não, a teor dos arts. 5º, LII, da CF, e 77, VII, e §§ 1º e 2º, da Lei nº 6.815/80 -- matéria que não está em causa no julgamento do pedido de refúgio, por isso que a decisão que o concedeu teve como base ‘fatos que, segundo o Recorrente, fundamentam seu temor de perseguição’, consubstanciados no ‘art. 1º, inc. I, da Lei nº 9.474/97’, conforme parte dispositiva da decisão do Senhor Ministro da Justiça”.
Prisão
O governo italiano defende ainda a permanência de Battisti na prisão, uma vez que “o extraditando fugiu da Itália para se livrar dos processos pelos quais veio a ser condenado com trânsito em julgado e, homiziado na França, de lá também fugiu para o Brasil quando se encontrava em liberdade condicionada, na pendência de julgamento de recurso perante o Conselho de Estado da República Francesa contra decisão que deferira a sua extradição para a Itália”. Para ele, a questão da liberdade de Battisti deve ser analisada e deliberada pelo STF dentro do processo de extradição em curso.
EH/AM