RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO -
PENAL. PROCESSUAL PENAL. MEDIDA DE BUSCA E APREENSÃO ANTECEDIDA DE DECISÃO JUDICIAL. EXTENSÃO DA MEDIDA PARA OUTROS ANDARES DO PRÉDIO TAMBÉM REQUERIDA E DEFERIDA JUDICIALMENTE. EMPRESA INVESTIGADA INTEGRANTE DE GRUPO DO QUAL É A PRINCIPAL EMPRESA. AUSÊNCIA DE NULIDADE. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa da empresa OAS. S.A. em face de decisão proferida pelo juízo da 38ª Vara Federal/PE, que cuidou de indeferir pedido de restituição de material apreendido resultante da decretação de extensão de busca e apreensão para o 10º andar do edifício situado na Av. Angélica, n. 2330, 2346/2346, Consolação, São Paulo/SP. 2. O pleito foi formulado em sede de ação de restituição de coisa apreendida, sob os fundamentos adiante resumidos: A) Segundo a defesa, no dia 27/02/2014, fora instaurado inquérito policial, cuja finalidade seria a apuração de supostos desvios de recursos públicos através de superfaturamento nas obras de integração do rio São Francisco com a Bacia do Nordeste Setentrional executadas pelo consórcio formado pelas seguintes empresas: COESA ENGENHARIA LTDA., CONSTRUTORA OAS S.A., GALVÃO ENGENHARIA S.A. e BARBOSA MELO S.A. B) Durante as investigações, com a finalidade de angariar provas, a autoridade policial teria requerido medida de busca e apreensão, a qual fora deferida pelo juízo para ser efetivada na Av. Angélica, n. 2330, 2346/2364 - 7º andar, Consolação, São Paulo/SP na sala das seguintes empresas, segundo a defesa: CONSTRUTORA OAS S.A., Consórcio Viário São Bernardo e COESA ENGENHARIA LTDA, todas investigadas no inquérito comentado. C) Ocorreu que, ao longo do cumprimento da medida, a autoridade policial vislumbrou a necessidade de pleitear a extensão de sua realização, motivo pelo qual pugnou, por meio de ofício, que o juízo autorizasse a entrada também no 8º, 9º e 10º andares do mesmo edifício. D) Todavia, segundo os advogados que lá se encontravam, o 9º e o 10º andares não fariam parte da empresa CONSTRUTORA OAS. S.A, mas de pessoa jurídica diversa, qual seja, a OAS S.A. (ora apelante), motivo pelo qual os policiais foram informados de que não poderiam ter acesso à localidade. E) Apesar disso, segundo a apelante, os policiais - autorizados por decisão judicial - teriam entrado e realizado buscas e apreensões também no 10º andar, pertencente a empresa diversa da que estava sendo investigada: a OAS S.A. 3. Diante do panorama, sustentando a ilegalidade da extensão requerida pela polícia e deferida pelo juízo, a apelante requereu a devolução imediata dos bens apreendidos no 10º andar. Em sede liminar, requereu ainda a suspensão da abertura e análise do material respectivo. 4. O juízo, diante do pleito, após ouvir a autoridade policial e o MPF, proferiu decisão, no seguinte sentido: A) Quanto ao pedido liminar no sentido de suspender a abertura e análise do material apreendido - considerando o longo decurso de tempo entre o ajuizamento da ação e a data da decisão sem que houvesse reiteração do pleito -, entendeu, o juízo, como não demonstrado o perigo da demora. B) Quanto ao mérito, por seu turno, entendeu, o magistrado, que: 1) o deferimento da medida de busca e apreensão nos termos originários, bem como o deferimento da extensão da área à qual tal medida se destinava, foram exarados de maneira fundamentada, legal e legítima, mediante decisão judicial, sem macular qualquer direito da requerente; 2) a OAS. S.A., apesar de possuir CNPJ próprio, seria holding à qual a empresa CONSTRUTORA OAS S.A. estaria subordinada, inclusive conforme estampado em organograma das empresas mencionadas, o que só tornaria mais visível a relação e até confusão entre ambas ; 3) o objeto investigado era, em verdade, o serviço de engenharia de integração do rio São Francisco e as buscas e apreensões autorizadas tinham por objetivo colher provas referentes a tal serviço, de modo que, sendo vislumbrada a existência de bens/materiais/provas em andares diversos, ainda mais sendo estes pertencentes a empresa controladora da CONSTRUTURA OAS S.A., não haveria ilegalidade alguma na medida, até porque procedida com prévia autorização judicial. Por tais motivos, o pleito fora indeferido. 5. Irresignada com a decisão, a defesa da OAS. S.A. apresentou apelação. Na ocasião, aduziu, resumidamente, que: A) a extensão deferida seria ilegal, na medida em que atingida pessoa jurídica que não estava sendo investigada, o que violaria a intimidade, a propriedade e a inviabilidade das sedes das empresas; B) a decisão que deferira a extensão não teria sido devidamente fundamentada, o que a tornaria nula; C) os argumentos trazidos na sentença seriam "imprestáveis" e claramente inaptos a afastarem a flagrante nulidade do procedimento. 6. Antes de adentrar ao caso em concreto, todavia, cumpre trazer algumas considerações teóricas sobre a medida de busca e apreensão. 7. DA MEDIDA DE BUSCA E APREENSÃO 8. O diploma processual penal, ao tratar das circunstâncias que autorizariam a busca e apreensão domiciliar - o que também pode se aplicar às buscas e apreensões realizadas em sede de pessoas jurídicas, escritórios de advocacia, etc. -, assim dispôs (destaques nossos): Art. 240 - A busca será domiciliar ou pessoal. § 1º - Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para: (...) d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; (...).9. Da leitura do dispositivo acima reproduzido, facilmente se denota que, apesar de constitucionalmente assegurados, os direitos à privacidade e à inviolabilidade de domicílio - conceito que também se abarca às sedes de empresas, escritórios de advocacia e afins - não se revestem de caráter absoluto, mas sim relativo. 10. Assim sendo, em situações excepcionais, onde se mostra patente a relevância e proeminência do interesse social em relação ao particular, tais direitos não apenas podem, mas devem sofrer restrições. 11. Nesta senda e especificamente no que toca à medida de busca e apreensão, enquanto as circunstâncias autorizadoras da medida em comento se mostram como hipóteses de excepcionalidade nos termos acima referidos, a própria medida se configura como uma das restrições aos direitos fundamentais legalmente consignada. 12. EM PRIMEIRO LUGAR: DO VERDADEIRO OBJETO DA DECISÃO JUDICIAL E DO RESPECTIVO MANDADO DE BUSCA E APREESÃO. 13. Sem maiores delongas, compulsando os autos, máxime os documentos acostados pela própria defesa, dando enfoque à decisão judicial que originariamente determinou a busca e apreensão (fls. 155/173), bem como ao mandado de busca e apreensão correlato (fls. 175/166), é de ver-se que ambos os documentos - decisão judicial e mandado -, diversamente do que quis fazer crer a defesa, não se referem à CONSTRUTORA OAS S.A, mas sim à OAS. 14. Diante de tal constatação, num vocabulário coloquial, poderíamos dizer que "já cairiam por terra" todos os argumentos sustentados no sentido de que: A) O cumprimento de mandado de busca e apreensão teria sido nulo, na medida em que executado contra pessoa jurídica diversa da investigada e consignada na decisão que autorizou a medida e mesmo no mandado. B) O pedido de extensão da medida seria igualmente inválido, já que realizado "contra" pessoa jurídica que não vinha sendo investigada e tendo por foco endereço diverso do mandado. C) A decisão judicial que autorizara a extensão seria nula, por ausência de fundamentação. 15. Do exposto, viu-se, isto sim: A) Que o cumprimento de mandado de busca e apreensão fora executado justamente contra a pessoa jurídica investigada e consignada na decisão que autorizou a medida e mesmo no mandado, qual seja, a OAS. B) O pedido de extensão da medida, no mesmo compasso, só teria, em verdade, ampliado o local para a realização da busca e apreensão - o qual, originariamente, apontava apenas o 7º andar -, fazendo com que tivesse por foco outros andares - inclusive o 10º andar - onde a OAS S.A. também tinha funcionamento, isto justamente por levar em consideração o objeto da medida: buscar a apreender elementos de provas para a elucidação do antevisto ilícito. C) A decisão judicial que autorizara a extensão - do 7º andar, para abranger o 8º, o 9º e o 10º andares - seria plenamente legítima, legal e cabível, já que, em verdade, respaldara-se na própria fundamentação proferida na decisão original, cuja validade, em momento algum, fora refutada pela defesa. 16. Em suma, com essas breves considerações e constatações, a apelação já poderia ser dada como improvida. Apesar disso, apenas por apego ao debate, seguiremos fazendo outras pontuações. 17. DA INDISCUTIBILIDADE ACERCA DA INVESTIGAÇÃO REALIZADA TENDO POR ALVO A EMPRESA OAS. 18. É fato incontroverso que não apenas a empresa CONSTRUTORA OAS. S.A. - mas sim todo o grupo empresarial OAS - era alvo de investigação policial encetada no apropriado inquérito policial, qual seja, o de n.093/2014, que tem por objeto apurar eventuais desvios de recursos públicos através de superfaturamento nas obras de engenharia de Integração do rio São Francisco com a Bacia do Nordeste Setentrional. 19. Bem por isto, fora exarada decisão judicial deferindo medida de busca e apreensão tendo por objeto justamente buscar e apreender eventuais materiais/provas que pudessem desvendar a materialidade e autoria delitivas referentes ao crime em espeque, qual seja, o desvio de recursos públicos relacionados com superfaturamento de obras de engenharia na localidade já mencionada. 20. Por razões óbvias, de início, a decisão judicial e o respectivo mandado de busca e apreensão indicaram como endereço o que estava patente, leia-se, o consignado no contrato social e onde deveriam estar sediada - e, portanto, onde potencialmente deveriam estar armazenadas as provas do vislumbrado ilícito -, qual seja, Av. Angélica, n. 2330, 2346/2364 - 7º andar, Consolação, São Paulo/SP, a sala da OAS S.A. 21. Ocorreu que, quando do cumprimento da medida, os policiais verificaram que, no aludido andar - 7º andar - não estavam todas as provas que poderiam - e deveriam - ser recolhidas. 22. Assim, requereram ao Poder Judiciário que franqueasse o acesso ao 8º, 9º e 10 º andares, todos pertencentes ao grupo empresarial OAS, inclusive à CONSTRUTORA OAS S.A. 23. Em suma, como já pincelado, não fora incluída pessoa jurídica diversa da investigada no bojo da medida, tampouco a busca e apreensão fora realizada sem respaldo legal e jurídico, quiçá à mingua de decisão judicial. 24. Aliás, a existência de holding e efetiva "confusão" entre as empresas investigadas (OAS, OAS S.A e CONSTRUTORA OAS S.A) - já que todas faziam parte de um mesmo grupo empresarial - resta evidenciada pela própria fotografia colacionada pela defesa às fls. 178. Na imagem, dormita a indicação de cada andar e empresa ocupante do locar, vendo-se, de pronto, que o emblema de todos os andares, objeto de busca e apreensão, contam com o símbolo "OAS". 25. Nesse diapasão, cumpre rememorar que a decisão judicial e o respectivo mandado de busca e apreensão se referem à OAS - que é a registrada justamente no 10º andar, bem como no 14º - e não à CONSTRUTORA OAS S.A. - registrada no 4º, 6º, 7º, 8º e 9º andares. 26. Em suma: A) A decisão judicial, o mandado de busca e apreensão, a decisão que deferiu a extensão e a própria investigação tinham por objeto a OAS, complexo de empresas do mesmo grupo, o que é inegável. B) Tanto as decisões judiciais, quando o cumprimento das medidas de busca e apreensão, portanto, foram realizados nos termos previstos pela legislação, sem que se possa falar em ausência de fundamentação, tampouco em invasão de domicílio, privacidade ou outro tipo qualquer de ilegalidade ou inconstitucionalidade. 27. No mais, como se sabe, ainda que assim nem fosse, uma coisa é fato: caso os policiais, ao chegarem no andar indicado pela decisão e mandado correlato, verificassem que existiam provas em outro local, poderiam perfeitamente, desde que autorizados por decisão judicial - como fora o caso -, adentrar ao recinto e coletar o que havia sido determinado, isto em face de princípio que vigora no Direito Penal, qual seja, o da busca da verdade real. Nesse sentido, segue posicionamento jurisprudencial: Habeas corpus. Constitucional e processual penal. Desentranhamento das provas coligidas e apreendidas no escritório de advocacia do paciente. Extensão da empresa investigada. Mandado de busca e apreensão expedido por autoridade judicial competente. Possibilidade. 1. Restou demonstrado nos autos que o escritório de advocacia onde foram encontrados os documentos que ora se pretende o desentranhamento era utilizado pelo paciente, também, para o gerenciamento dos seus negócios comerciais. O sucesso da busca no escritório de advocacia comprova que, de fato, aquele local era utilizado como sede de negócios outros, além das atividades advocatícias. 2. É adequada a conduta dos policiais federais que estavam autorizados a cumprir os mandados de busca e apreensão, expedidos por autoridade judicial competente, "nas sedes das empresas", com a finalidade de coletar provas relativas aos crimes investigados no inquérito. 3. Habeas corpus denegado. (STF. HC 96407, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 06/04/2010, DJe-096 DIVULG 2705-2010 PUBLIC 28-05-2010 EMENT VOL-02403-02 PP-00830 RTJ VOL-00215-01 PP-00623). 28. Por fim, apenas a título de registro e para pavimentar com vigas ainda mais robustas as conclusões até então tecidas, é de ver-se que o mandado de busca e apreensão (fls. 175/176) foi por demais preciso ao discriminar todos os materiais/elementos/provas a serem coletados, mas não só: o auto de busca e apreensão (fls. 181/184) dele advindo também demonstra que a ordem esculpida no mandado fora cumprida em sua exata extensão, sem em nada, dela, afastar-se. 29. Apelação improvida.
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