RELATOR: DESEMBARGADOR JOSÉ LUNARDELLI -
APELAÇÃO CRIMINAL. CONTRABANDO DE CIGARROS. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. RÁDIO TRANSCEPTOR. INCIDÊNCIA DO ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. MATERIALIDADE E AUTORIA DEMONSTRADAS. CONCURSO MATERIAL. RECEPTAÇÃO. ABSOLVIÇÃO MANTIDA. DOSIMETRIA DA PENA. CONTRABANDO. QUANTIDADE DE CIGARROS. COMPENSAÇÃO DA ATENUANTE DA CONFISSÃO ESPONTÂNEA COM A AGRAVANTE DO ARTIGO 62, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. AGRAVANTE DO ARTIGO 61, INCISO II, ALÍNEA "G", DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. AGRAVANTES DOS ARTIGOS 61, INCISO II, ALÍNEA "G" E 62, INCISO IV, DO CÓDIGO PENAL. INAPLICABILIDADE. CONCURSO MATERIAL. SOMATÓRIA DAS PENAS PARA A DETERMINAÇÃO DO REGIME INICIAL. FIXAÇÃO DE REGIME SEMIABERTO. APLICAÇÃO DA PENA DE INABILITAÇÃO PARA DIRIGIR VEÍCULOS. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Os réus Marcelo e Jeferson foram condenados pela prática, em concurso material, dos delitos do artigo 334-A, §1º, inciso I, do Código Penal, c/c artigos 2º e 3º do Decreto-Lei nº 399/68 e do artigo 70 da Lei nº 4.117/62; e absolvidos da prática do crime previsto no artigo 180, caput, do Código Penal.2. A materialidade de todos os crimes foi demonstrada pelos Auto de Apresentação e Apreensão (fls. 12/14), Termo de Apreensão (fl. 47), Laudo Documentoscópico (fls. 149/160), Laudo Pericial em Veículos (fls. 174/179 e 196/201), Laudo Pericial em Equipamentos Eletroeletrônicos (fls. 180/186 e 187/203) e Auto de Infração e Apreensão de Mercadorias e Veículos (fls. 203/204 e 205/206).3. A autoria dos delitos de contrabando e contra as telecomunicações foi comprovada pelo auto de prisão em flagrante, corroborado pelas provas amealhadas em juízo.4. O uso dos rádios transceptores apreendidos subsomem-se ao tipo penal do artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97. Não se olvida que a conduta típica descrita no artigo 70 da Lei nº 4.117/62, com redação mantida pelo Decreto-Lei nº 236 de 28/02/1967, não se encontra revogada. Todavia, enquanto o delito da Lei nº 4.117/62 incrimina o desenvolvimento de telecomunicação, em desacordo com os regulamentos, embora com a devida autorização para funcionar, o delito insculpido no artigo 183, caput, da Lei nº 9.472/97 tipifica a operação clandestina de tal atividade, ou seja, sem a devida autorização, como no caso dos autos, em que se mantinha em funcionamento rádio transceptor, sem autorização da ANATEL.5. Tratando-se de emendatio libelli, pode-se proceder a ela em segundo grau, ainda que em exame de recurso exclusivo da defesa, desde que respeitado o montante final da pena fixada no édito recorrido, sob pena de inaceitável ofensa ao princípio do ne reformatio in pejus, e em linha com a prescrição do artigo 617 do Código de Processo Penal.6. Em que pese estar comprovada a materialidade delitiva do crime de receptação, a autoria não se mostra certa. O ônus da prova, para fins de condenação na seara penal, é incumbência do órgão acusatório, devendo se operar a absolvição quando não houver, entre outros, prova suficiente de que o acusado perpetrou os fatos elencados na denúncia - como no caso em apreço - especialmente em respeito à presunção de inocência, sendo imperiosa manter a absolvição dos réus, com base no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.7. Perfilho do entendimento de que a excessiva quantidade de cigarros apreendidos em poder dos réus constitui fator apto a elevar a pena-base. Precedentes.8. A confissão espontânea e a paga ou promessa de recompensa são, igualmente, circunstâncias preponderantes, que resultam da personalidade do agente e dos motivos determinantes do crime, nos moldes do artigo 67 do Código Penal, razão pela qual deve ser operada a compensação de ambas.9. Inaplicável a agravante do artigo 61, inciso II, alínea "g", do Código Penal. Não há elementos indicativos do dever inerente à profissão que foi infringido pelos réus, já que motoristas profissionais carecem da obrigação específica de não transportar mercadorias ditas ilegais, visto que tal incumbência é imposta a todos. Some-se a isso que os cigarros de origem estrangeira apreendidos em poder dos apelados compõem a própria tipicidade da conduta examinada, ou seja, mero elemento fático que constitui elementar do próprio tipo de contrabando, configurando bis in idem a majoração da pena nesses moldes.10. Inaplicáveis as agravantes dos artigos 61, inciso II, alínea "g" e 62, inciso IV, do Código Penal ao crime contra as telecomunicações. Não há elementos indicativos do dever inerente à profissão que foi infringido pelos réus, já que motoristas profissionais carecem da obrigação específica de não transportar mercadorias ditas ilegais, visto que tal incumbência é imposta a todos. E o uso do rádio transceptor se destinava a promover a comunicação dos réus com terceiros unicamente para a perpetração do crime de contrabando, infração pela qual foram processados e condenados. No mesmo sentido, a agravante da paga ou promessa de recompensa não tem incidência, pois o pagamento percebido pelos réus objetivava a perpetração do crime de contrabando, e não a operação de rádio de comunicação.11. No caso em apreço, em virtude da aplicação cumulativa de penas de reclusão e detenção, a regra é que deve ser executada primeiro aquela, consoante preceitua a parte final do referido artigo 69. Entretanto, para a determinação do regime inicial de cumprimento da pena devem ser somadas as reprimendas - ainda que concorrendo penas de reclusão e detenção - dos crimes praticados. Fixação de regime inicial semiaberto aos réus.12. A inabilitação para conduzir veículo automotor do artigo 92, inciso III, do Código Penal é efeito secundário da condenação, exigindo-se para a sua aplicação apenas que o veículo tenha sido utilizado como meio para a prática de crime doloso, como no caso em tela, em que o veículo foi empregado, de forma dolosa, para o transporte de cigarros de procedência estrangeira, de internação proibida no território nacional.13. Apelo do Ministério Público Federal parcialmente provido.
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