AUSÊNCIA DE RACIONALIDADE NA POLÍTICA CRIMINAL NO BRASIL

Por Chiavelli Facenda Falavigno -  

Alice pergunta para o gato: “que caminho devo seguir?” Ao que este responde: “isso depende de onde você quer chegar. Se você não sabe para onde quer ir, qualquer caminho serve”.

O excerto acima, da obra Alice no país das Maravilhas, remete perfeitamente ao que se pode observar hoje em termos de Política Criminal no Brasil: uma verdadeira indefinição de objetivos a serem alcançados, o que provoca o trâmite e a aprovação de concomitantes e sucessivas reformas parciais na legislação penal e processual penal, sendo, muitas vezes, uma em contradição a outra. 

O que queremos? Quais os objetivos da política criminal brasileira? Para além de discursos inflamados — e eleitoreiros — de redução da criminalidade, não se observa a definição de objetivos claros, ou mesmo a escolha de um projeto, seja ele ressocializador, conforme a Lei de Execução Penal, ou retributivo, conforme o Código Penal.

A ausência de racionalidade na política legislativa é ainda mais evidente, pois grande parte dos projetos carecem de justificativa, não sendo possível sequer avaliar os intentos abstratos do legislador. Estudos de impacto prévios ou posteriores também não fazem parte do processo legiferante, o que é até compreensível diante da total ausência de uma finalidade clara a ser alcançada por meio dos projetos de lei. Ou seja, da inexistência (ou da não declaração) de um projeto político criminal com fim definido.

Recentemente, aprovou-se o dito Pacote Anticrime — Lei 13.964, em vigor desde o dia 24.1 — , para fins de “aperfeiçoamento” da legislação penal e processual penal. Dita lei compilou diversos projetos legais, contendo ela própria contradições, pois enquanto expande possibilidades de acordos de não persecução penal, aumenta o tempo de cumprimento de pena. O objetivo é encarcerar ou desencarcerar? Ainda, cria hipóteses de prisão preventiva obrigatória, em contradição aos objetivos da recente Lei 12.403 de 2011 — que criou as medidas cautelares alternativas e sequer foi implementada como deveria — e da recentíssima audiência de custódia — também prevista expressamente no próprio Pacote!

Ainda: uma das mais festejadas inovações de dita lei, qual seja, o juiz das garantias, acaba de ser suspensa por tempo indeterminado devido à alegação de falta de verbas (frise-se que previsão orçamentária deveria fazer parte de um procedimento legiferante minimamente racional), a qual não atingiu outras medidas punitivas como o já referido aumento de penas, que necessitará, indubitavelmente, de verbas para construção de presídios — tendo em vista as taxas atuais de superlotação. Ou seja, qual o objetivo da criação do juiz das garantias? Se a mesma lei traz expressa a acusatoriedade do sistema, como pode o juiz de garantias ser suspenso por tempo indeterminado? Está o Judiciário consciente e em consonância com (alguma) política criminal, ou para além da indefinição dos rumos desta, ainda teremos de observar a contradição na atuação entre os Poderes?

A má notícia é que, sem dúvida, acabar com a criminalidade é impossível, uma vez que a tipificação penal é também ato político, e nenhuma sociedade esteve, até hoje, isenta de alguma forma de violência. Contudo, estabelecendo objetivos claros, como reduzir o número de processos, reduzir a superpopulação carcerária, diminuir as taxas de letalidade policial ou de ocorrência de determinados tipos de crime, é possível pensar, com a ajuda de cientistas do direito, em medidas penais e não penais que possam de fato concretizar essas metas — a serem comprovadas ou não por estudos empíricos posteriores.

O que se observa hoje é a proliferação de leis sem qualquer racionalidade em uma plano de política criminal perverso (não declarado), acéfalo (sem objetivos claros ou possíveis) ou inexistente (sem qualquer objetivo ou estrutura lógica), que adota qualquer meio (legal), pois sequer tem definido o que pretende alcançar. A verdade é inescapável: não estamos caminhando para a diminuição da criminalidade, da violência ou do uso das prisões. Aliás, não estamos caminhando para lugar algum.

O legislador brasileiro parece tal qual Alice, porém em um país cada vez menos maravilhoso, ouvindo conselhos aleatórios que pode leva-lo ao encontro de sua própria Rainha de Copas, conhecida por simplesmente cortar a cabeça daqueles que discordam de suas ordens sem sentido.

 

 

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