Por Pedro Estevam Serrano -
Há sentido em se conceder, como o faz a Constituição de 88, garantias ao Ministério Público, análogas às da magistratura (vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos), garantias aos procuradores e promotores iguais às dos juízes, se é para o membro do parquet atuar como mero "advogado de acusação" na Justiça Penal?
A pergunta é evidentemente retórica, a resposta esta intuída, num sentido obviamente negativo.
A proteção constitucional conferida aos magistrados ecoa, em alguma medida, o sistema da Constituição de Weimar, estabelecendo garantias protetivas aos juízes face à política, impedindo que os ventos constantes da mudança do agir político atingissem a atividade jurisdicional, mas tendo como contrapartida dos juízes um agir imparcial, técnico e objetivo.
Por isso as tais garantias judiciais não são conferidas em caráter pessoal, como privilégios aristocráticos, mas como prerrogativas republicanas de caráter funcional, visando proteger a independência do Judiciário como condição de possibilidade de seu agir imparcial, intangível por manipulações políticas e ideológicas, um agir por razões de Justiça, não de Poder!
Nossa Constituição de 88, ao estender tais garantias aos membros do MP, procura assegurar que esta instituição atue com a imparcialidade própria de uma forma ativa de magistratura como quem promove a Justiça e não uma mera parcialidade acusatória.
Nesse sentido, muito feliz e bem-vindo o projeto de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), inspirado em artigos do professor Lenio Streck, introduzindo dois novos parágrafos no artigo 156 de nosso Código de Processo Penal (vide esta reportagem).
Em essência tal dispositivo do projeto torna claro algo já implícito em nossa Constituição, qual seja o dever do Ministério Público de, ao investigar na área penal, o faça buscando a demonstração da verdade, buscando provas tanto em circunstancias favoráveis à acusação quanto à defesa.
Ou seja, vedando ao MP ocultar provas favoráveis ou que demonstrem a inocência do réu, sob pena de nulidade do processo.
Dispositivos ou jurisprudências semelhantes são comuns em outros países, como Alemanha, Itália e EUA.
A razoabilidade da propositura é cristalina. Qual o sentido jurídico e justo em manter-se um processo contra réu ou investigado que se sabe inocente ou manter oculta prova que de alguma forma o beneficie perante a lei?
O processo penal deve ser um instrumento de Justiça, e não de mero debate egocêntrico entre partes litigantes que querem, infantilmente, se demonstrar superiores uma a outra, muito menos ser veículo de crenças ideológicas ou interesses políticos particularistas, como , infelizmente, temos assistido recentemente em alguns casos relevantes
Sempre correto lembrar a corajosa e exemplar atuação do promotor paulista Eduardo Araújo da Silva, no histórico "caso do Bar Bodega”. Na ocasião, o promotor, recusando-se a denunciar investigados apontados como culpados, levou ao reconhecimento da inocência de jovens presos por terem confessado a pratica de duplo latrocínio. Posteriormente os verdadeiros culpados foram identificados. Por vezes, condenar o inocente leva a ocultação do verdadeiro culpado
O projeto tem ainda a qualidade de lembrar a sociedade que num sistema de Constituição democrática, liberal e rígida, como a nossa, típica do pós-guerra, não apenas os juízes são agentes garantidores dos direitos nela consagrados, mas, em verdade, todos os agentes públicos do sistema de Justiça o são. Todo agente público deve ser um agente da Constituição.
De fato, no constitucionalismo democrático não há oposição jurídica entre o Poder estatal e os direitos, pois estes últimos são fronteira de sentido do primeiro. Logo, determinam o “que é” o Poder estatal no sistema; ao limitá-lo, o constituem e determinam.
A propositura ressalta a dignidade axiológica-humanista do Ministério Público ao realçar sua função de promover a Justiça, e não apenas a condenação. Um agente da Constituição e do justo, não do Poder e seus interesses.