RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL NÉVITON GUEDES -
PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. ART. 183 DA LEI 9.472/1997. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. DESCLASSIFICAÇÃO PARA O TIPO DO ART. 70 DA LEI 4.117/1962. IMPOSSIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. DELITO FORMAL E DE PERIGO ABSTRATO. APELAÇÕES PARCIALMENTE PROVIDAS. 1. Apelações interpostas pelos réus contra a sentença que julgou procedente a denúncia para condená-los pela prática do crime do art. 183, caput, da Lei nº 9.472/97, em razão de, terem desenvolvido atividades clandestinas de telecomunicações explorando estação de radiodifusão em FM, sem autorização da autoridade competente, entre os anos de 2007 e 2011, nas frequências FM 100,9 MHz e FM 102 MHz. 2. A materialidade e autoria ficaram devidamente comprovadas pelo termo de representação da ANATEL, pelo auto de exibição e apreensão, boletim de ocorrência, laudo de exame em material audiovisual, laudo pericial, bem como pelo pelos depoimentos das testemunhas que identificaram Júlio Sérgio Pereira de Souza como proprietário e Carlos Antônio e Edson Ângelo como diretores da radio. No laudo pericial ficou consignado a potência do equipamento apreendido (30 Watts) e sua frequência (102,9 MHz), com a possibilidade de causar interferências em outros equipamentos de ondas eletromagnéticas. 3. Não prospera a alegação de que se aplica ao caso concreto a tipificação constante no art. 70 da Lei 4.117/1962, pois o referido dispositivo visa punir o agente que, de posse da devida outorga expedida pelo Poder Público, atua de forma contrária às regras de exploração do serviço de telecomunicações. Já o artigo da Lei 9.472/1997 objetiva punir o agente que desenvolva, sem autorização, o serviço de telecomunicação, que é o caso dos autos. 4. A jurisprudência do STJ já assentou que a instalação de estação de radiodifusão clandestina é delito de natureza formal de perigo abstrato que, por si só, é suficiente para comprometer a segurança, a regularidade e a operabilidade do sistema de telecomunicações do país, não tendo aplicação o princípio da insignificância mesmo que se trate de serviço de baixa potência (AgRg no AREsp 1064266/SP, Rel. Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 27/06/2017, DJe 01/08/2017; AgRg no REsp 1566462/SC, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Sexta Turma, julgado em 15/03/2016, DJe 28/03/2016). 5. Para a consumação do delito previsto no art. 183 da Lei 9.472/1997, basta que alguém desenvolva atividades de telecomunicações de forma irregular, ou clandestinamente, ainda que não se concretize, ou não se apure prejuízo concreto para as telecomunicações, para terceiros ou para a segurança em geral. É que o fim visado pela lei consiste em evitar o perigo de serem utilizadas as instalações irregulares ou clandestinas contra interesses nacionais, além dos inconvenientes decorrentes do uso de frequências, sistemas ou processos não autorizados. 6. Dosimetria. Réu Júlio Sérgio Pereira de Souza. O magistrado analisando as circunstâncias previstas no art. 59 do CP, asseverou que a culpabilidade do réu revelar-se-ia acentuada, “na medida em que insistiu no desenvolvimento da atividade clandestina mesmo após a primeira fiscalização da ANATEL, no ano de 2007”. A “culpabilidade”, não pode ser considerada desfavorável por este elemento, pois tal circunstância é inerente ao crime, se o réu não tivesse insistido na ilegalidade não teria ocorrido o próprio crime. Assim, fixa-se a pena-base no mínimo legal, em 02 (dois) anos de detenção, que ausentes agravantes, atenuantes, ou causas de aumento e diminuição de pena, fica definitiva em 02 (dois) anos de detenção. 7. Em relação à pena de multa, também deve ser reformada para guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, desse modo fixa-se em 10 (dez) dias-multa. A pena foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública, pelo tempo igual ao da pena privativa de liberdade, a ser definida pelo Juízo da execução. Contudo, o magistrado fixou a prestação pecuniária em 02 (dois) salários-mínimos vigentes à época do pagamento, em favor de entidade também a ser definida pelo juízo de execução. No caso, a substituição a prestação pecuniária deve ser reduzida para 01 (um) salário-mínimo vigente à época do pagamento. 8. Réu Carlos Antônio Martins. Da mesma forma o magistrado analisando as circunstâncias previstas no art. 59 do CP, asseverou que a culpabilidade do réu revelar-se-ia acentuada, “na medida em que insistiu no desenvolvimento da atividade clandestina mesmo após a primeira fiscalização da ANATEL, no ano de 2007”. Aqui também não pode ser considerada desfavorável a “culpabilidade”, em razão de o réu ter insistido no desenvolvimento da atividade clandestina mesmo após a primeira fiscalização da ANATEL, mantendo-se na ilegalidade, pois tal circunstância é inerente ao crime. Assim, fixa-se a pena-base no mínimo legal, em 02 (dois) anos de detenção. 9. Em relação à pena de multa, também deve ser reformada para guardar proporcionalidade com a pena privativa de liberdade, desse modo fixa-se em 10 (dez) dias-multa. Considerando que o réu é reincidente em crime doloso, tendo sido condenado pelo crime de furto qualificado, com trânsito em julgado em 27/07/2009, antes, portanto, da última autuação da ANATEL (2011), que deu azo a presente ação penal, correto o aumento da pena-base em razão da reincidência, que agora fixo em 04 (quatro) meses. Ausentes atenuantes, bem como causas de aumento ou diminuição, a pena fica definitiva em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 14 dias-multas. 10. Em razão da reincidência, o magistrado não procedeu a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. No caso, entretanto, o crime é apenado com detenção e, muito embora o réu seja reincidente, a reincidência não é específica. Além disso, o crime pelo qual foi condenado o réu foi praticado em 2007 e a sentença prolatada em 2009, portanto há dez anos, não tendo o réu se envolvido em outras práticas delituosas. Assim, mostra-se socialmente recomendável que a substituição da pena privativa de liberdade. 11. Desse modo, substitui-se a pena privativa de liberdade por duas restritivas de diretos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública, pelo tempo igual ao da pena privativa de liberdade, a ser definida pelo Juízo da execução. Fixando desde já a prestação pecuniária em 01 (um) salário-mínimo vigente à época do pagamento. 12. Réu Edson Ângelo de Melo Júnior. O magistrado fixou a pena-base do réu no mínimo legal, em 02 (dois) anos de detenção. Ausentes agravantes, atenuantes, bem como causas de aumento e diminuição de pena, ficou a pena privativa de liberdade consolidada em 02 (dois) anos de detenção. A pena de multa foi fixada em 10 (dez) dias-multa. A pena privativa de liberdade foi substituída por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviço à comunidade ou a entidade pública. Fixando a prestação pecuniária em 1 (um) salário-mínimo vigente à época do pagamento. Quanto a este réu não há reformas a fazer na dosimetria. 13. Apelações a que se dá parcial provimento para: i) deferir a Justiça Gratuita; ii) ) fixar a pena do réu Julio Sérgio Pereira de Souza em 02 (dois) anos de detenção e 10 (dez) dias-multa, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviço à comunidade. A prestação pecuniária foi fixada em 01 (um) salário-mínimo vigente à época do pagamento; iii) fixar a pena do réu Carlos Antônio Martins em 02 (dois) anos e 04 (quatro) meses de detenção e 14 (quatorze) dias-multa, substituindo a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, consistentes em prestação pecuniária e prestação de serviço à comunidade. A prestação pecuniária foi fixada em 01 (um) salário-mínimo vigente à época do pagamento.
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