Apelação Criminal Nº 5004024-77.2019.4.04.7208/SC

RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI -  

DIREITO PENAL. USO DE DOCUMENTO PÚBLICO IDEOLOGICAMENTE FALSO. ARTIGO 304 C/C ARTIGO 299 DO CÓDIGO PENAL. APRESENTAÇÃO DE DOCUMENTOS INIDÔNEOS PARA EMISSÃO DE PASSAPORTE. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. FLAGRANTE PREPARADO. CRIME IMPOSSÍVEL. INOCORRÊNCIA. DELITO DE FALSIDADE IDEOLÓGICA NA FORMA TENTADA afastado. EXAURIMENTO DO CRIME ANTERIOR. CONDENAÇÃO PELO DELITO DE USO de documento falso. DOSIMETRIA. PENA-BASE. MAJORAÇÃO APLICÁVEL. discricionariedade do julgador. ausência de desproporcionalidade. AGRAVANTE DO ARTIGO 61, INCISO II, ALÍNEA b, DO CÓDIGO PENAL AFASTADA. PENA DE MULTA. REDUÇÃO DO VALOR UNITÁRIO. REGIME INICIAL FECHADO. REINCIDÊNCIA E CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. prisão preventiva MANTIDA.1. Comete o crime de uso de documento falso quem apresenta documentos ideologicamente inautênticos em situação juridicamente relevante.(artigo 304 c/c 299 do Código Penal). 2. A materialidade está comprovada pelos documentos constantes no inquérito policial; quanto à autoria, o réu admitiu ter apresentado, para o fim de obtenção de passaporte, no Posto de Emissão de Passaporte da Delegacia de Polícia Federal, Documento de Identidade, Título de Eleitor e CPF ideologicamente falsos, em nome de terceira pessoa, ressaindo, no caso, ainda, sua prisão em flagrante. 3. O dolo, no delito do artigo 304 do Código Penal, é genérico, consubstanciando-se na conduta voluntária de usar a documentação com a ciência de que esta é inidônea. Basta, para a subsunção do fato à norma, a vontade de usar o documento em situação juridicamente relevante, com consciência da sua falsidade, o que foi demonstrado na espécie. 4. O dolo no caso é inequívoco, pois o réu admitiu, em juízo, ter feito uso de documento sabidamente falso. 5. Não há falar, no caso, em flagrante preparado, mas sim em flagrante esperado, que é plenamente válido. Da análise dos fatos, vê-se que o réu não foi atraído para o Posto de Emissão de Passaporte pela Polícia, mas sim por ato próprio e com documentos que indicavam sua intenção ilícita. Na espécie, o reforço da segurança do local deu-se em razão da possibilidade de o réu reagir à voz de prisão, ou fazer parte de alguma organização criminosa ou quadrilha. Por ocasião da segunda visita do acusado no local, após apresentar o documento ideologicamente falso (CNH) para retirar o passaporte, ele foi preso em flagrante. Assim, não houve flagrante preparado, mas sim esperado, uma vez que os policiais, sabendo que a conduta criminosa poderia ocorrer, apenas aguardaram a possível prática delituosa, sem qualquer induzimento ou instigação. 6. Excluído da condenação o crime de falsidade ideológica na forma tentada, pois, no caso, trata-se de crime único. O uso de documento ideologicamente falso pelo réu tinha como fim específico a obtenção do passaporte, pelo que se verifica que o delito de falsidade ideológica na forma tentada configura exaurimento do delito de uso de documento falso, submetendo-se o réu apenas às penas cominadas ao crime do artigo 304 do Código Penal. 7. A dosimetria da pena reveste-se de certa discricionariedade, porquanto o Código Penal não imprime regras absolutamente objetivas para sua fixação, podendo a Corte de Apelação, todavia, diante de particularidades, rever os critérios utilizados e, ponderando-os, retificar as discrepâncias porventura existentes. 8. Não se verificando desproporcionalidade ou falta de razoabilidade na sua fixação, cabível a intervenção desta Corte somente em casos de flagrante ilegalidade ou arbitrariedade, hipóteses inocorrentes no caso, em que a pena-base foi elevada em 6 (seis) meses em razão da existência de duas circunstâncias judiciais negativas, não merecendo ser corrigida pelo Tribunal. 9. Não é dado ao Tribunal rever o percentual aplicável às variáveis do artigo 59 do Código Penal quando fixadas em primeiro grau em parâmetros legais, razoáveis e adequados, segundo a discricionariedade do julgador. 10. Afastada do cálculo da pena, de ofício, a agravante do artigo 61, II, 'b', do CP, uma vez que o pressuposto de sua aplicação é que o crime em relação ao qual o agente pretenda ficar impune seja ainda desconhecido, ou seu autor ignorado, não se aplicando nos casos em que o agente usa documento falso para acobertar a sua situação de foragido. Isso porque tal hipótese de agravamento da pena diz respeito à ocultação do crime em si, e não da qualidade de foragido do agente, não podendo ser interpretada em desfavor do réu. 11. A pena de multa deve guardar simetria com a pena privativa de liberdade concretamente imposta. Já o valor do dia-multa deve ser fixado de acordo com as condições financeiras do condenado. 12. Segundo artigo 49, § 1º, do Código Penal, "o valor do dia-multa será fixado pelo juiz não podendo ser inferior a um trigésimo do maior salário mínimo mensal vigente ao tempo do fato, nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário". Redução, no caso, do valor unitário do dia-multa para quantia suficiente à prevenção e reprovação do delito em questão, e de acordo com a jurisprudência desta Corte. 13. Tratando-se de réu reincidente, e cuja análise das circunstâncias judiciais não se mostra favorável, mostra-se adequada a fixação de regime prisional fechado, em observância ao artigo 33, §§ 2º e 3º, do Código Penal. 14. Verifica-se, na espécie, a presença dos requisitos elencados no artigo 312 do CPP, restando a custódia cautelar devidamente justificada. Não tendo havido alteração na situação fática que deu ensejo à decretação da prisão preventiva, deve ser indeferido o pleito do réu de concessão de liberdade provisória.

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