RELATOR: DES. FED. FAUSTO DE SANCTIS -
PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO FISCAL. ARTIGO 1º, INCISO I, DA LEI N.º 8.137/1990. RETROATIVIDADE DA SÚMULA N.º 24 DO STF. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. NÃO OCORRÊNCIA. MATERIALIDADE COMPROVADA EM RELAÇÃO A APENAS UM ANO-CALENDÁRIO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE POR PAGAMENTO NÃO CONFIGURADA. DOSIMETRIA. REDUÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E DA PENA DE MULTA. ESPECIFICAÇÃO, DE OFÍCIO, DO VALOR DA PRESTAÇÃO PECUNIÁRIA. APELAÇÃO PROVIDA EM PARTE.1. A perfectibilização do crime previsto no artigo 1º, incisos I a IV, da Lei n.º 8.137/1990, não depende de qualquer norma integrativa, bastando supressão ou redução do tributo, de modo que haja efetiva ofensa ao bem jurídico tutelado, com prejuízo patrimonial ao erário público, bem como o lançamento definitivo do crédito tributário, nos termos da Súmula Vinculante n.º 24, cuja retroatividade restou pacificada pelo STF, considerando que não se está diante de norma mais gravosa, mas de consolidação de interpretação judicial, não havendo que se falar em retroatividade in malam partem.2. Inocorrência da prescrição retroativa. A pena aplicada na r. sentença em face do acusado foi de 03 (três) anos de reclusão (já descontado o acréscimo decorrente da continuidade delitiva) e, nos termos do artigo 109, inciso IV, do Código Penal, a prescrição ocorrerá após o decurso de 08 (oito) anos entre os marcos interruptivos. Nesse contexto, não transcorreu lapso superior entre a data dos fatos (12.07.2007) e o recebimento da denúncia (25.10.2010), ou entre esta e a publicação da sentença (19.08.2013), tampouco entre este marco interruptivo e a presente data, subsistindo integralmente o direito estatal de punir.3. De acordo com a exordial, nos anos-calendários de 1998 e 1999 (exercícios de 1999 e 2000, respectivamente), o acusado CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA, em conluio com Edmo Dias Pinheiro, reduziu e suprimiu imposto de renda pessoa física ao prestar declaração falsa às autoridades fazendárias, informando falsa operação de compra e venda de gado, mediante o uso de notas fiscais, objetivando deduzir o resultado da atividade rural no referido período. Os fatos foram apurados em fiscalização realizada pela Receita Federal, na qual se constatou que na DIRPF/1999 o réu informou que teve apenas rendimentos de atividade rural, cujo lucro foi de R$ 9.861,26. Na DIRPF/2000 ele declarou que sofreu prejuízo no exercício dessa atividade, correspondente a R$ 2.259,49. Para tal, o acusado apresentou notas fiscais de compra e venda de gado, emitidas por Edmo Dias Pinheiro em 1999. No curso da fiscalização e da instrução probatória não foram comprovadas referidas operações, restando configurada a conduta fraudulenta narrada na exordial no que tange ao ano-calendário de 1999 (exercício de 2000).4. A fraude narrada na exordial de que o réu CASIMIRO JOSÉ AVELAR VILELA também teria se utilizado no ano-calendário de 1998 de notas fiscais emitidas por Edmo Dias Pinheiro para fraudar o Fisco não restou comprovada, pois, em consulta aos autos, não se identificou a existência desses documentos já que as notas fiscais apresentadas fazem alusão ao ano de 1999. Neste segmento, tem-se que somente se verifica a comprovação da materialidade no que diz respeito à sonegação de imposto de renda pessoa física do ano-calendário de 1999, devendo o réu ser absolvido em relação à conduta que se refere ao ano-calendário de 1998 por não existir prova suficiente para a condenação, nos termos do artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal.5. O crédito tributário foi definitivamente constituído em 12.07.2007, restando cumpridos os requisitos da Súmula Vinculante n.º 24 do STF.6. Em se tratando de crime de sonegação fiscal, a materialidade do crime acaba sendo comprovada por meio da constituição definitiva do crédito tributário e da cópia do Procedimento Administrativo Fiscal, os quais gozam de presunção de legitimidade e veracidade, porquanto se cuidam de atos administrativos.7. - Refutada a tese acerca da impossibilidade de lesão ao erário por força de penhora em sede de execução fiscal. É certo que o débito está sendo cobrado mediante a Execução Fiscal n.º 2007.61.07.011020-3, havendo notícia de que houve a Penhora de imóvel rural para garantia daquela ação. Note-se, todavia, que o fato de a Administração Pública possuir meios de cobrar o que lhe é devido não retira o caráter penal da conduta do réu, pois houve lesão ao Fisco.8. As alterações decorrentes do artigo 6º da Lei n. 12.382/2011 (que deu nova redação ao artigo 83 da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996), não se aplicam ao caso em concreto uma vez que não se comprovou o pagamento integral do débito apurado pela Receita Federal, condição exigida pela lei para que haja extinção da punibilidade. A penhora de bem valioso, que supostamente será capaz de quitar a dívida adquirida com o Fisco, configura mera expectativa e não gera, por si só, a extinção da obrigação tributária, menos ainda da punibilidade do réu.9. A autoria não foi questionada e restou comprovada pelo conjunto probatório, sobretudo pela prova oral.10. Nos crimes contra a ordem tributária, ao contrário do alegado pela Defesa, basta o dolo genérico, consubstanciado na supressão voluntária de tributos federais mediante a omissão de informação ao Fisco, não havendo se comprovar que houve intenção em sua conduta. Embora também não tenha sido questionado, o elemento anímico restou comprovado pela própria conduta fraudulenta do réu, o qual se valeu de notas fiscais de operação de compra e venda de gado simuladas para fazer deduções indevidas em sua Declaração de Imposto de Renda Pessoa Física de 2000 (ano-calendário 1999) e, assim, suprimir e reduzir tributo federal.11. DOSIMETRIA: Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa, o fundamento do crime perpetrado, a fonte propulsora da vontade criminosa. No caso em análise, conforme argumentado pela Defesa, os fundamentos utilizados na sentença como hábeis a exasperar a pena-base em razão dos motivos do crime confunde-se com a própria essência do delito de sonegação fiscal, que é obter vantagem em detrimento do erário, devendo ser excluída referida circunstância, por ser ínsita ao próprio tipo penal. Seria possível a revaloração de outras circunstâncias judiciais, conforme entendimento do STJ, sobretudo em razão do valor originário dos tributos (R$ 145.622,43), capaz de justificar a elevação da pena acima do mínimo legal em razão das consequências do delito. Todavia, pela análise dos documentos inseridos aos autos, notadamente do auto de infração, não é possível aferir o quantum que foi suprimido ou reduzido a título de imposto de renda pessoa física relativa à DIRF de 2000, considerando a absolvição do réu no que tange à competência de 1998, restando inviabilizada a avaliação precisa do julgador acerca do patamar de elevação da pena-base. Incumbiria à acusação tal detalhamento, mas não o fez. Nesse contexto, a pena-base deve ser reduzida para o mínimo legal, atendendo-se ao pleito defensivo.12. Na segunda fase da dosimetria o r. Juízo a quo reconheceu a inexistência de circunstâncias agravantes e atenuantes.13. Na terceira fase não foram sopesadas causas de diminuição, tendo a sentença considerado como causa de aumento de pena a continuidade delitiva. No entanto, o concurso de crimes não integra o sistema trifásico da pena, devendo a eventual majoração pela sua ocorrência ser aplicada após o encerramento da última fase da dosimetria, notadamente porque só há que se falar em sua aplicação após conhecidos todos os delitos sancionados pelo julgador. Note-se que a exasperação decorrente da continuidade delitiva não se opera como uma causa de aumento qualquer, na terceira fase da dosimetria penal, mas constitui técnica de unificação de penas aplicada separadamente para preservar a disposição do art. 119 do Código Penal, que estabelece a extinção da punibilidade em separado para cada crime isoladamente considerado. Sob esse espeque, resta fixada a pena privativa de liberdade em 02 (dois) anos de reclusão até a terceira fase.14. No que tange ao concurso de crimes, em razão da absolvição do réu em relação ao ano-calendário 1998, não mais se verifica a prática delitiva continuada, devendo ser afastada a incidência do artigo 71 do Código Penal, tornando-se definitiva a pena acima imposta.15. Reflexamente, a pena de multa deve ser reduzida para 10 (dez) dias-multa. À míngua de recurso acerca do tema e por estar em consonância com a situação financeira do réu, deve ser mantido o valor unitário do dia-multa estabelecido em três salários mínimos vigentes à época da sentença.16. Mantido o regime inicial de cumprimento ABERTO, nos termos do artigo 33, § 2º, "c", do Código Penal.17. Presentes os requisitos dos incisos I e II do art. 44 do Código Penal (pena privativa de liberdade aplicada não superior a quatro anos, crime praticado sem violência ou grave ameaça e réu não reincidente em crime doloso), e sendo a medida suficiente (art. 44, inciso III, do Código Penal), a pena privativa de liberdade foi substituída por duas penas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviço à comunidade ou ente público, pelo mesmo período da condenação, a ser escolhida pelo Juízo da Execução Penal, e prestação pecuniária cuja destinação também deverá ser definida pelo Juízo da Execução Penal.18. No que tange à prestação pecuniária é necessária a especificação do seu valor por este Juízo diante da omissão da sentença. Nesse contexto, deve-se observar que o artigo 45, §1º, do Código Penal, dispõe que a prestação pecuniária consiste no pagamento em dinheiro à vítima, a seus dependentes ou a entidade pública ou privada com destinação social, de importância fixada pelo juiz, não inferior a 01 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. Considerando o valor iludido e as condições socioeconômicas do réu, a prestação pecuniária deveria ser fixada em 20 (vinte) salários mínimos, no entanto, diante da omissão da sentença, deve ser estabelecida no mínimo legal (01 salário mínimo) vigente à época do último crime (exercício de 2000).19. Apelação do réu parcialmente provida.
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