Por Renato Stanziola Vieira -
Com a conclusão do julgamento, pela 2ª Turma do STF, do Habeas Corpus 164.493, aqui nos propomos a resgatar algo que merece atenção de toda a comunidade: o tratamento conferido às provas, particularmente um rigor quanto ao controle de sua admissibilidade. O julgamento tem o traço forte de resgate ao Estado de Direito, pedagógico como se espera de julgamentos da Suprema Corte, impositivo institucionalmente e inclusive pela densidade dos argumentos ali contidos. É um alento, a todos e todas, a percepção de controle quanto aos limites na atuação judicial de qualquer magistrado. Mas isso não impede que se toque no ponto específico que é objeto desse texto.
As provas obtidas pela operação "spoofing", que investigou a invasão de celulares de autoridades, são aceitáveis e lícitas, no processo penal brasileiro, diante da regra de proibição probatória escolhida pelo Constituinte? Uma coisa é, naquela operação, tais informações virem a constituir o próprio corpo do delito indicativo de hackeamento e tudo o mais que pode ter havido em prejuízo dos vitimados, que tiveram conversas e diálogos captados, ao que parece, à margem da lei. Outra é a consideração se aqueles diálogos e mensagens, após autorização do STF no Agravo Regimental da Reclamação 43.007, podem ser usados pela defesa de algum investigado ou réu que pretenda utilizar em sua defesa possivelmente escandalosos comportamentos de juiz e procuradores da República, com vistas a anular persecuções penais injustas.
Só se admitirá a expressão "prova" se estivermos além da plano da discussão sobre licitude ou ilicitude, ou seja: a prova ilícita, para o processo penal, é uma contradição em termos. Por ser ilícita, não é prova; e pela já aludida proscrição constitucional, não pode ser admitida. Prova, por definição, é conhecimento licitamente produzido, o que naturalmente supõe que algum juiz a admita, ou seja, a tome como válida.
Um passo além: se estivermos no terreno da licitude e, portanto, pudermos discutir de que prova estamos falando, só então seguiremos para o plano da valoração: o STF validou as informações que, a conta-gotas estratégico, têm sido vazadas na imprensa, para então aludir a elas no referido julgamento? Não se perca de vista a motivação da pergunta: o STF atestou a validade das informações, para só assim num passo lógico-jurídico subsequente as valorar, ou valorou as informações à margem de considerar a informação válida?
No referido julgamento, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Ferreira Mendes, malgrado tenham concluído em sentido semelhante ao reconhecer a suspeição do coach de procuradores da República oficiantes em alguns casos, assumiram perspectivas radicalmente dissonantes. Enquanto o primeiro deles encampou o entendimento de que as tais conversas contidas na chamada operação "vaza jato" não se consideram ilícitas em princípio, o segundo escapou — em parte — dessa abordagem.
Lewandowski se posicionou a favor da admissibilidade de prova que seria originariamente ilícita — e portanto inadmissível, e uma não prova — ao assumir a estreita utilização das informações questionadas em prol do direito de defesa. Gilmar Mendes não adotou como razão de decidir, e nem mesmo para justificar as longas e pesadas considerações valorativas sobre tais informações, aquelas indicadas por Lewandowski. Ainda assim, levou em consideração, amplamente, as próprias informações ao longo de seu voto.
Diante do grave problema em discussão, no âmbito do STF, deve ser considerada, com a devida importância, a observância à necessidade de prévio reconhecimento da licitude de qualquer informação do processo penal, para só em um segundo momento valorar essa mesma informação. O ponto para o debate é a necessidade de escrupuloso controle na obtenção e na admissibilidade de qualquer informação no processo penal, como fases necessariamente prévias à sua valoração. Não é possível se valorar alguma informação, sem antes atestar sua regularidade para fins de qualquer consideração dentro de um caso penal.