Por Jônatan Dias -
O presente artigo tem por objetivo traçar um panorama sobre a possibilidade de detração penal sobre medidas cautelares diversas da prisão.
Apesar de sua importância, o tema é ainda pouco discutido, por ausência de previsão legal específica. Contudo, tendo em vista que as medidas cautelares diversas da prisão também cerceiam a liberdade do réu, não há motivos que impeçam a aplicação da detração penal no caso.
A detração penal compete ao juiz da execução penal [1], após a prolação de sentença condenatória [2]. Em linhas gerais, computa-se o tempo já cumprido em medida cautelar consistente em prisão, para definição do regime inicial de pena e tempo restante a cumprir.
Da leitura do artigo 42, do Código Penal [3], depreende-se que não há previsão de cômputo, como pena cumprida, do tempo em que o réu esteve submetido às medidas cautelares diversas da prisão.
Entre tais medidas, destacam-se o monitoramento eletrônico, o comparecimento periódico em juízo e o recolhimento domiciliar em período noturno, que envolvem privação de liberdade de quem está sendo processado.
Aliás, o cerceamento da liberdade é tão evidente que a jurisprudência reconhece o cabimento de Habeas Corpus contra a decisão que aplica as medidas cautelares diversas da prisão. Esse entendimento merece ser considerado, haja vista a admissibilidade restrita da ação constitucional.
Dessa forma, deixar de aplicar a detração da pena em caso de medida cautelar gera situação de imposição de dupla restrição da liberdade pelo mesmo fato criminoso: a primeira restrição, a medida propriamente dita; a segunda, com a imposição da pena que desconsidera o período da medida.
Imaginemos um exemplo. Um indivíduo é preso em flagrante por determinado crime, mas o juiz não converte em prisão preventiva, entendendo suficiente a imposição do monitoramento eletrônico e do recolhimento noturno.
Durante o processo, o acusado tem a sua liberdade restringida pela aplicação dessas medidas. Ao final, depois de dois anos de processo, transita em julgado a sua condenação a uma pena de três anos (não substituída por restritiva de direitos).
Caso o período de aplicação da medida cautelar não seja considerado para a detração, o apenado sofrerá uma pena integral de três anos, além dos dois anos de monitoramento eletrônico e recolhimento noturno. Dessa forma, ao final, terá sofrido uma restrição da liberdade pelo total de cinco anos (período muito superior ao determinado na sentença e quiçá maior que a pena em abstrato para o referido crime).
Atenta a essa questão que, com a tendência de diminuição do encarceramento como forma de exercício do direito de punir, a jurisprudência já acena, timidamente, para a autorização da detração de período de prisão domiciliar anterior ao trânsito em julgado, como ocorreu no Acórdão nº1027586, nos autos do Processo nº 20170020116363, julgado em 22/6/2017 pela 2ª Turma Criminal do TJ-DFT.
Vale dizer que a ausência de previsão sobre a detração em caso de medida cautelar é fruto de uma omissão legislativa quando foi editada a Lei nº 12.403/11, que modificou o Código de Processo Penal, inclusive com a previsão de tais medidas, sem o consequente ajuste do já mencionado artigo 42 do Código Penal, de forma a incorporar as medidas.
É muito necessário que seja feita uma inovação legislativa que preveja o instituto de forma condizente com o grau de restrição de liberdade de cada medida, operando-se a detração não necessariamente em dias inteiros, quando se tratar de medida cautelar menos gravosa.
No entanto, a pendência de previsão específica não pode ser óbice à aplicação do instituto, por se tratar do direito fundamental à liberdade em jogo. É imprescindível que os advogados atuem ativamente e com zelo a seus clientes, postulando pela detração pelo tempo de aplicação das medidas cautelares, seja em memoriais e apelação (para que a sentença condenatória efetive a detração e defina o regime inicial correto), seja na execução penal.