Por Luísa Fernandes B. Netto -
O presente artigo tem por objetivo traçar linhas gerais acerca da doutrina do chamado "direito ao esquecimento", que, aqui, preferimos denominar o "direito de se libertar de recordações opressivas" [1].
O tema é importante, tendo em vista vivermos em uma sociedade extremamente dinâmica, em que o pluralismo e a desconstrução de conceitos, percepções e comportamentos cada vez tem mais espaço, ao mesmo tempo em que se tem uma onipresença de informações ao simples toque de uma tela de celular, com a possibilidade de buscas a respeito de um indivíduo cujos resultados nem sempre serão reais ou fidedignos à sua identidade pessoal no presente.
Chegou a nosso conhecimento caso concreto de um funcionário público de alto escalão, com carreira consolidada em funções de confiança junto à Administração Pública, em razão de sua expertise e credibilidade, que havia sido vítima de fake news, provavelmente motivadas por questões políticas. Respondeu a processos administrativos, disciplinares e judiciais, todos eles com decisões absolutórias, negando qualquer envolvimento com os fatos.
Esse servidor buscou socorro ao Judiciário para obter decisão que ordenasse que o principal site de buscas online retirasse dos seus bancos de dados resultados que interligassem seu nome ao escândalo de propina em que havia sido, de forma comprovada, injustamente envolvido.
O caso tem motivação semelhante a um dos primeiros julgamentos enfrentados pelo Superior Tribunal de Justiça com a temática do direito ao esquecimento, no Recurso Especial nº1.334.097/RJ [2], em que se reconheceu o direito de um dos policiais indiciados pelo triste episódio da "chacina da Candelária", ao final inocentado, de ter seu nome excluído de programa televisivo reconstituindo o crime.
Isso porque, apesar de ter sua inocência reconhecida em esfera judicial, a mera associação ao evento trazia ao agente a pecha da desconfiança, bem como lembranças de tempos de incerteza. Assim, com toda razão, queria o policial deixar o fato no passado.
Em seu voto, consignou o relator, ministro Luis Felipe Salomão, que, embora o programa intencionasse reconstituir de forma fidedigna os fatos, a menção ao nome de um agente público que havia sido absolvido iria perpetuar um estigma de indiciado, e não de inocentado, relacionado a seu nome. Ademais, a menção a esse sujeito não era imprescindível à reconstituição histórica e à memória dos ocorridos, nem crucial à liberdade de informação.
Assim, já em um de seus primeiros julgamentos sobre inovadora matéria, o Superior Tribunal de Justiça assentou o que é indiscutível: fatos históricos e pessoas notórias não são passíveis de esquecimento. É evidente que mesmo os mais dolorosos e vergonhosos episódios e personagens históricos devem ser lembrados.
Por outro lado, reconheceu-se a tutela a direitos que dizem respeito a vida privada, intimidade, autoimagem e estima dos indivíduos, que, em análises casuísticas, merecem tanta proteção quanto as liberdades de informação e expressão. Parece-nos adequada a posição de nossos tribunais pátrios, que não decidem de forma automática para nenhum dos direitos em discussão nesses casos.
Como se libertar de traços do passado que não mais correspondem à representação que determinado indivíduo tem de sua própria personalidade e manifestações, quando o frutífero campo da internet relaciona, nos motores de busca, resultados de nem sempre de agradável lembrança?
Na sociedade contemporânea, é comum que os indivíduos evoluam, mudem de posições políticas e religiosas, de escolhas pessoais de como conduzir suas vidas, ideologias e crenças e não mais se sintam identificados com ações e fatos pretéritos a eles relacionados.
Como diria Belchior, "o passado é uma roupa que não nos serve mais" [3].