SOBRE A PERDA DO FORO ANTES DA HOMOLOGAÇÃO DA COLABORAÇÃO PREMIADA

Por Galtiênio da Cruz Paulino -  

O juízo competente para a homologação de um acordo de colaboração premiada é fixado de acordo com as regras processuais penais de definição da competência [1]. Quando, entre os relatos delitivos, há referência a atuação delitiva de autoridades dotadas de foro por prerrogativa de função, será competente para a análise e para a eventual homologação do acordo de colaboração premiada o juízo que a investigação inerente a autoridade com foro seguirá vinculada. Nesse cenário, na hipótese de eventos da competência do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal, as negociações e tratativas do acordo serão da atribuição do procurador-geral da República.

Observa-se, portanto, que, não apenas a competência para homologação dos acordos segue as regras de competência da investigação, o órgão ministerial dotado de atribuição será determinado de acordo com a vinculação ao futuro juízo de homologação.

Diante da referida regra de competência e atribuição ministerial, como fica a hipótese de um acordo celebrado pelo procurador-geral da República e, antes de o pacto ser homologado pelo tribunal superior, a autoridade responsável pela fixação da competência/atribuição perde a prerrogativa de foro?

A colaboração premiada possui a natureza jurídica de negócio processual, conforme previsão do artigo 3º-A da Lei nº 12.850/2013. Por conseguinte, o acordo de colaboração, como todo negócio jurídico, existirá, ou seja, estará constituído, quando estiverem presentes os seguintes elementos: manifestação de vontade das partes, presença de agentes emissores da vontade, objeto e forma. Em um acordo de colaboração, os referidos elementos se perfazem presentes no momento em que as partes (colaborador e Ministério Público ou polícia) manifestam a concordância quanto ao objeto pactuado em consonância com os requisitos (forma) previstos em lei.

Outrossim, para que o acordo de colaboração premiada (negócio jurídico) seja válido, a manifestação da vontade deve ser livre e de boa-fé, os agentes devem ser capazes e legitimados para celebrarem o pacto, que deve abarcar um objeto lícito, possível e determinado (ou determinável), bem como observar a forma adequada livremente adotada pelas partes ou prescrita em lei. Após essa etapa, por meio da observância dos requisitos expostos, o acordo de colaboração, já devidamente constituído, passa a ser válido.

Ocorre que um negócio jurídico devidamente constituído (plano da existência) e válido (plano da validade) muitas vezes só produzirá efeitos se observado, em determinados casos, um elemento acidental. Os mais comuns, no capo do Direito Civil, são o termo, a condição e o modo ou encargo. Nos acordos de colaboração premiada, a lei condiciona a produção de efeitos (plano da eficácia) do pacto celebrado à homologação pelo juízo, que não participa das negociações e não adentra no mérito do acordo (plano da existência), realizando apenas uma análise de legalidade e constitucionalidade da colaboração.

Desse modo, a decisão de homologação de um acordo de colaboração premiada possui natureza declaratória, pois se apresenta como uma condição imposta pela lei que deverá ser observada para que o acordo, constituído no momento da convergência de vontades entre o Estado (órgão de persecução penal) e o colaborador, possa vir a produzir efeitos (plano da eficácia).

A natureza declaratória da decisão de homologação está de acordo com a natureza de negócio jurídico processual do acordo de colaboração, bem como com o enquadramento do instituto como de Justiça negocial, que se apresenta como um mecanismo de solução de conflitos por meio de um acordo entre as partes envolvidas, cabendo ao julgador apenas aferir se a ordem jurídica foi respeitada.

Diante da natureza jurídico do acordo de colaboração premiada e da regra de competência/atribuição expostas, ocorrendo, antes da celebração do acordo entre as partes (plano da existência), a perda do foro por parte da autoridade que justificou o deslocamento do caso, por exemplo, para a Procuradoria-Geral da República/tribunal superior, as tratativas inerentes ao caso será deslocada para a nova esfera ministerial dotada de atribuição, em consonância com a regra de competência para homologação, visto que o negócio jurídico não existe, não havendo, portanto, vínculo (direitos e obrigações) entabulado entre as partes. O órgão ministerial que receber o caso poderá reiniciar ou dar continuidade às tratativas, caso ainda seja do interesse do pretenso colaborador.

Quando a perda do foro ocorre após a celebração entre as partes (plano de existência) de um acordo válido (plano de validade) e antes da homologação (plano da eficácia), algumas consequências advirão.

Com a perda do foro, o juízo que inicialmente seria o competente para a homologação perderá imediatamente essa prerrogativa, devendo o caso ser direcionado para a nova esfera jurisdicional competente. Ocorre que, caso o acordo já tenha sido celebrado, ele existe. Desse modo, mesmo o pacto sendo enviado para o novo órgão ministerial dotado de atribuição (exemplo: acordo celebrado pelo procurador-geral da República enviado para uma determinada Procuradoria da República), o acordo continuará sendo existente e válido, devendo, por conseguinte, ser encaminhado ao novo juízo para homologação. No momento em que as partes celebraram o acordo, houve a observância das regras de existência e validade, entre as quais está a legitimidade para a avença, devendo o acordo, portanto, ser respeitado, sob pena de violação à regra do "juízo aparente" e aos princípios da lealdade e boa-fé. Após a celebração do acordo (assinatura das partes), ao Ministério Público caberá apenas a rescisão, desde que justificada, não sendo admitido nem ao menos a retratação/desistência, mesmo diante da previsão do artigo 4º, §10 da Lei n° 12.850/2013 [2], em razão do interesse público e social que representa, estando impossibilitado de adotar, por conseguinte, uma das referidas atitudes.

 

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