Por Fernando da Silva Comin -
Imagine políticos ou pessoas poderosas com influência política praticando um crime ou um ato ilegal contra o consumidor, contra a saúde pública ou até mesmo violência doméstica. Agora imagine se, além de praticar esses crimes, esses poderosos pudessem interferir na investigação contra eles ou, até mesmo, anulá-la. O que você acha que aconteceria?
A resposta a essa pergunta pode deixar de ser um exercício de imaginação e se tornar concreta com a aprovação da PEC 005/2021, que a Câmara dos Deputados deve colocar em votação nesta terça-feira (19/10). Essa proposta de emenda à Constituição vem sendo chamada de "PEC da vingança", um apelido que traduz o objetivo dessa proposta que fere de morte a independência funcional dos que atuam na linha de frente no combate à corrupção, à criminalidade e em áreas como saúde, consumidor, segurança pública e violência doméstica.
A PEC 005/2021 altera a composição do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), órgão de controle e de fiscalização do MP brasileiro. O CNMP ficará nas mãos do Congresso Nacional, especialmente o corregedor nacional, responsável pela condução de processos disciplinares, envolvendo a atuação de promotores de Justiça e procuradores de Justiça e da República no exercício da função.
Por que razão idêntica mudança não está sendo proposta em relação ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ)?
O Ministério Público não quer privilégios e nem está acima da lei. Como é da essência do regime democrático, as instituições e os poderes de Estado já são fiscalizados entre si e pela própria sociedade. Ocorre que, submetido ao controle político, o Congresso poderá amordaçar o Ministério Público por meio do CNMP.
Se a "PEC da vingança" for aprovada, veremos no país o mesmo que aconteceu na Itália após a "operação mãos limpas", onde, com o fim da força-tarefa que investigou e condenou políticos e empresários, os parlamentares aprovaram leis de autoproteção.
Não é restringindo a atuação do Ministério Público que a Câmara dos Deputados vai aperfeiçoar as instituições. A independência funcional protege o Ministério Público da ingerência política e das ordens dos poderosos de plantão. E é justamente isso que vai deixar de existir com a aprovação da PEC 005/2021.
Infelizmente uma parcela do Congresso quer impedir a investigação dos crimes de colarinho branco; quer a volta do tempo em que só ladrões de galinha eram processados e condenados. Não podemos nos calar. Esse é o momento de lutar pela democracia, para que o Ministério Público continue sendo o defensor da sociedade.