Negado Reingresso De Naturalizado Francês Expulso Do Brasil Em 2003

O belga-libanês naturalizado francês Charbel Chafica Rajha teve negado, nesta quinta-feira (6), pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), pedido para retornar ao Brasil, após ter sido expulso em 2003, por ato do Presidente da República, depois de ser condenado e cumprir pena por tráfico internacional de entorpecentes.

A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus (HC) 85203. A defesa alegava ofensa aos princípios da dignidade da pessoa humana e de proteção à família, “por ser o paciente casado com mulher de nacionalidade boliviana, radicada neste País, e ter filha brasileira que depende de assistência material”.

Revogação da expulsão

A maioria dos ministros entendeu que, por ser o ato de expulsão discricionário e de competência exclusiva do Presidente da República (artigo 66 da Lei 6.815/80 – Estatuto do Estrangeiro), não há ilegalidade nem abuso de poder a serem questionados e, portanto, o HC seria incabível.

Ainda segundo os ministros, a única possibilidade de Rajha reingressar no país seria por meio de um pedido ao Presidente da República, vez que o mesmo artigo 66 do Estatuto do Estrangeiro também dispõe ser de exclusiva competência dele a revogação do ato de expulsão.

Assim, não seria necessário pedir, pela via judicial, o seu direito de reingressar no país. Tal pedido pode ser feito ou por via diplomática (embaixada ou consulados brasileiros na França), ou por um representante legal a ser constituído no Brasil para isso.

A maioria entendeu, também, que o naturalizado francês, preso em flagrante em junho de 1996 no Aeroporto de Guarulhos portando 5 quilos e 350 gramas de cocaína e posteriormente condenado à pena de cinco anos de reclusão, teve garantido pleno direito de defesa, embora fosse julgado em processo sumário, conforme previsto pelo artigo 71 da Lei 6.815/80.

Entendeu, ainda, que qualquer pedido de reconsideração do ato de expulsão deveria ter sido feito tempestivamente, logo após o ato presidencial, enquanto ele ainda se encontrava no Brasil.

Por outro lado, alguns ministros partidários dessa linha lembraram que, por ocasião da instrução primária do processo penal, o naturalizado francês afirmou não ter mulher nem filhos brasileiros, não tendo havido, tampouco, nenhuma prova de que algum filho brasileiro dele dependia para seu sustento. Observaram que sua filha nasceu depois de ele ter cumprido a pena, de um relacionamento iniciado quando ele se encontrava preso, e depois de ter sido baixado o ato de sua expulsão.

Divergência

O HC foi impetrado em dezembro de 2004 e distribuído ao ministro Eros Grau, que negou pedido de liminar, no dia 7 daquele mês. Levado a julgamento em março de 2008, o ministro Carlos Ayres Britto pediu vista, quando o relator e os ministros Cármen Lúcia Antunes Rocha e Ricardo Lewandowski já haviam votado contra a concessão do HC. Hoje, eles foram acompanhados pelos votos dos ministros Joaquim Barbosa, Cezar Peluso, Ellen Gracie, Marco Aurélio e Celso de Mello.

Deles divergiram o ministro Carlos Britto, que trouxe, hoje, o processo de volta a julgamento pelo Plenário, e o presidente da Suprema Corte, ministro Gilmar Mendes.

Ayres Britto fez uma ponderação entre diversos valores constitucionais em causa, optando por priorizar o do respeito aos direitos da pessoa humana, inscritos no artigo 5º da Constituição Federal (CF), e de proteção da família (artigos 226 e 227 da CF). Lembrou, a propósito, que a CF qualifica a família como “base da sociedade” e merecedora da proteção do Estado.

Ele defendeu, portanto, o direito de o pai ver a filha e desta de conviver com ele e com sua família, contrapondo ao rigor da legislação brasileira contra o crime de tráfico de entorpecentes a prevalência do princípio da dignidade da pessoa humana. Até mesmo porque a pena imposta a Rajha já foi cumprida.

Observou, ademais, que a doutrina não admite consequência jurídica indelével de delito, ou seja, a perpetuidade da pena. Por outro lado, segundo ele, a legislação brasileira proíbe a transcendência da pena, com isso significando que a filha não pode ser punida por um crime cometido pelo pai e já pago por ele.

Usurpação

Ao votar pela denegação da ordem, o ministro Joaquim Barbosa afirmou que autorizar o reingresso de expulso em território brasileiro seria usurpação de competência pelo STF, visto constituírem a expulsão ou a revogação dessa medida atribuições exclusivas do Presidente da República.

Em seu voto, o ministro Cezar Peluso afirmou que a expulsão foi uma opção político-administrativa do Presidente da República, tendo em vista a proteção da coletividade brasileira e, nele, não houve nenhuma ilegalidade ou abuso de poder a serem questionados. “É como jogo de futebol: está expulso, não volta a campo”, comparou. Além disso, segundo ele, o retorno de Rajha ao país não garante que ele não venha a reincidir.

O ministro Celso de Mello observou que expulsão não é pena, mas proteção da sociedade brasileira contra estrangeiro que não se adaptou às regras do país, sendo um ato discricionário do presidente da República, avaliadas as conveniências e os interesses nacionais.

Reflexão

Ao acompanhar o voto do ministro Carlos Britto, o ministro Gilmar Mendes disse que o rito sumário (prazo de 15 dias) do inquérito para expulsão de estrangeiros que cometem crimes como o de tráfico de drogas (artigo 71 da 6.815) e o prazo de apenas dez dias para pedir reconsideração (artigo 72 da mesma lei) merecem reflexão e poderão ser objeto de futuros julgamentos do STF, sob a ótica do direito constitucional do contraditório e da ampla defesa (artigo 5ª, inciso LV,d a CF).

O ministro Carlos Britto lembrou, neste contexto, que a Procuradoria Geral da República se manifestou pela concessão do HC, observando que, neste caso, “salta aos olhos o desrespeito do princípio do contraditório e da ampla defesa”.

FK/LF

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