O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes, decidiu, na noite desta sexta-feira (29,) conceder pedido de liminar no Habeas Corpus (HC 102176) impetrado em favor de Jacques Bernardo Liederman que, em 26 de agosto do ano passado, teve sua prisão preventiva decretada sob a acusação de práticas de operação de câmbio não autorizada, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Esse foi o primeiro Habeas Corpus a ter toda sua tramitação realizada por meio eletrônico no STF.
A prisão foi determinada pelo Juízo da 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Valores do Estado de São Paulo.
A defesa de Liederman pede que seja afastada a incidência da Súmula 691 do STF*, sustentando que o decreto prisional tem fundamento genérico, baseando-se na existência de processo diverso em que o paciente (Liederman) consta como réu e que está em tramitação perante a 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo “no qual não se tem qualquer decisão condenatória”. Afirma, ainda, que o acusado não pertence ao grupo criminoso e que eventualmente mantinha contato com os investigados para a troca de moeda estrangeira.
Em seu pedido inicial, Liederman aponta que o juiz que decretou sua prisão preventiva fundamentou sua decisão no fato dele (Liederman) ter sido “preso anteriormente e está sendo processado perante a 2ª Vara Criminal Federal, pela suposta prática de idêntico crime. Também teria ressaltado “que a reiteração da conduta delitiva revela que o investigado reveste-se de ‘verdadeiro destemor e descaso com os órgãos repressivos estatais’ e, em permanecendo solto, evidenciaria ‘verdadeira ameaça à ordem pública e ao sistema econômico-financeiro’“.
O pedido de liminar foi acatado pelo ministro Gilmar Mendes, que lembrou que o rigor na aplicação da Súmula nº 691/STF “tem sido abrandado por julgados desta Corte em hipóteses excepcionais em que: a) seja premente a necessidade de concessão do provimento cautelar para evitar flagrante constrangimento ilegal; ou b) a negativa de decisão concessiva de medida liminar pelo tribunal superior apontado como coator importe a caracterização ou a manutenção de situação que seja manifestamente contrária à jurisprudência do STF”.
Para o presidente do STF, o Juízo da 6ª Vara Criminal não fundamentou adequadamente o decreto de prisão provisória do acusado, infringindo, para além do art. 312 do Código de Processo Penal, o próprio artigo 93, IX, da CF.
“A ideia do Estado de Direito também imputa ao Poder Judiciário o papel de garante dos direitos fundamentais. Por consequência, é necessário ter muita cautela para que esse instrumento excepcional de constrição da liberdade não seja utilizado como pretexto para a massificação de prisões provisórias”, disse o ministro em sua decisão.
Segundo Gilmar Mendes: “Os trechos transcritos revelam mera opinião pessoal do magistrado, demonstrando maior preocupação com o que possam pensar do Judiciário do que em analisar, com a necessária serenidade, a efetiva incidência de algum dos fundamentos da prisão preventiva, não se admitindo nesta Corte argumentos relativos à credibilidade do Judiciário como justificativa ao encarceramento provisório”.
Mendes também foi crítico à decisão da primeira instância, quando destaca que esta teria feito “longas considerações sobre a gravidade do próprio fato investigado, também repisando a tese de que, não obstante investigado em procedimento distinto em curso perante a 2ª Vara Criminal Federal de São Paulo, a prática delituosa persistiria”.
Para o ministro, “é remansosa a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sobre não se admitir juízo de valor sobre o mesmo fato investigado como justificativa à prisão preventiva, o que não é diferente no que diz com o fato de figurar o paciente [Liederman] como investigado em outro inquisitório, pois quanto a este, a exemplo do aqui discutido, não existe sentença condenatória que permita a certeza sobre o que se alega”.
Assim, a tese de violação a direitos individuais, arguida pela defesa do acusado, foi admitida pelo ministro Gilmar Mendes, que não vislumbrou justificativa para a prisão preventiva.
Ao conceder a liminar, o presidente do STF salientou que é possível a concessão de medida cautelar em habeas corpus “em hipóteses excepcionais nas quais seja patente o constrangimento ilegal alegado, como é o caso destes autos”.
Por fim, determinou que seja comunicado com urgência o Juízo Federal da 6ª Vara Federal Criminal Especializada em Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional e em Lavagem de Valores, Seção Judiciária do Estado de São Paulo, ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região e ao Superior Tribunal de Justiça, para que seja o acusado posto em liberdade, “caso por outro motivo não esteja preso”. Após, deve ser aberta vista do processo ao procurador-geral da República.
Como o Habeas Corpus 102176 deu entrada em meio eletrônico e foi assinado digitalmente conforme MP n° 2.200-2/2001 de 24/08/2001, que institui a Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira - ICP-Brasil, ele pode ser acessado no endereço eletrônico http://www.stf.jus.br/portal/autenticacao/ sob o número 468166.
AM
* Súmula 691, do STF: “Não compete ao Supremo Tribunal Federal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão do Relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere a liminar“.