Por unanimidade, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu hoje (9) Habeas Corpus (HC 94397) para extinguir a possibilidade de se punir um acusado de comercializar frascos de lança-perfume em 1998, no estado da Bahia. A decisão seguiu voto do relator do processo, ministro Cezar Peluso.
Ele explicou que, por oito dias, o lança-perfume foi retirado do rol de substâncias de uso proscrito, editada pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), passando a figurar na lista de insumos, chamada D2. Somente oito dias depois essa resolução foi reeditada para incluir novamente o lança-perfume no rol de substâncias entorpecentes.
Para o ministro, o efeito concreto da primeira Resolução 104 da Anvisa foi retirar o consumo, porte e tráfico do lança-perfume do rol de substâncias alcançadas pela antiga lei de drogas (Lei 6.368/76). Assim, pelo princípio constitucional da retroatividade da lei penal mais benéfica (artigo XL), há que se considerar extinta a punibilidade dos acusados de consumo, porte ou tráfico de lança-perfume até a data da edição da segunda Resolução 104 da Anvisa, em 15 de dezembro de 2000.
No caso, a substância com a qual se produz o lança-perfume, o cloreto de etila, ficou fora da lista das chamadas “substâncias de uso proscrito”, editada pela agência. Isso ocorreu quando a Resolução 104, publicada em 7 de dezembro de 2000 pelo então diretor-presidente da Anvisa, não trouxe o cloreto de etila entre as substâncias entorpecentes proibidas. Oito dias depois, a diretoria colegiada da Anvisa reeditou a resolução para novamente incluir o cloreto de etila na lista de substâncias proscritas.
“A questão, portanto, é saber se a primeira edição da Resolução Anvisa 104 produziu ou não efeitos legais até a reedição, oito dias depois. Eu tenho que a resposta é positiva”, afirmou o ministro Peluso.
Segundo ele, o regimento da Anvisa confere a seu diretor-presidente a competência para editar atos normativos ad referendum da diretoria colegiada. Por isso, afirmou ele, “o fato de a primeira versão da Resolução 104 não ter sido posteriormente referendada pelo órgão colegiado não lhe afasta a vigência entre sua publicação no Diário Oficial da União e a realização da sessão plenária que negou o referendo”.
Ele acrescentou que, no caso, não se trata de ato administrativo complexo, mas de ato simples. “O ato administrativo ad referendum, neste caso, é ato simples, decorrendo da vontade de um único órgão, a diretoria da Anvisa, representada, excepcionalmente, por seu diretor-presidente, mas, com caráter precário, podendo ser alterado ou revogado pelo órgão colegiado.”
Conforme explicou Peluso, o propósito de a norma conferir ao diretor-presidente da Anvisa a competência para editar resoluções urgentes é precisamente assegurar a vigência imediata dessas resoluções nos casos em que se tem de aguardar a reunião do órgão colegiado. Ele acrescentou que a nova resolução editada pelo órgão colegiado da Anvisa não questionou a urgência da matéria e da primeira Resolução 104, o que tornaria ilegal o ato do diretor-presidente, mas apenas lhe alterou substancialmente o conteúdo material.
“Sendo formalmente válida a resolução editada pelo diretor-presidente, [ela] produziu efeitos até a republicação com texto absolutamente diverso, oito dias depois. Não vejo como reconhecer nulidade à primeira decisão da Resolução 104 sem incorrer em indevida apreciação do mérito do ato administrativo, que produziu efeito durante sua curta vigência”, disse o ministro.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de extinção da punibilidade do crime por considerar que a primeira resolução foi um ato “manifestamente inválido, carecendo, portanto, de eficácia”.
RR/LF