1ª Turma Discute Possibilidade De Condenação Com Base Em Depoimento Na Fase De Inquérito

A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) analisará a possibilidade de uma pessoa ser condenada com base em depoimentos prestados apenas na fase de inquérito e não confirmados em juízo. A apreciação do tema, pela Turma, foi iniciada hoje no julgamento do Habeas Corpus (HC) 96356 em favor de J.C.M.B., condenado a 27 anos de reclusão por latrocínio. Pedido de vista do ministro Dias Toffoli adiou a discussão.

Consta do HC que os depoimentos prestados por testemunhas perante autoridade policial, durante inquérito “e sem o indispensável contraditório”, não foram confirmadas na fase judicial. Assim, J.C.M.B. foi condenado a 27 anos de reclusão mesmo sem apresentação em juízo, contra ele, de prova da prática do ato criminoso.

As testemunhas teriam reconhecido o acusado e fizerem relato detalhado sobre o ocorrido no local do evento que resultou na morte da vítima. Entretanto, o promotor de justiça mostrou-se preocupado com o enfraquecimento do quadro probatório, uma vez que as testemunhas, com medo de ameaças, negaram em juízo o reconhecimento.

A defesa busca anular condenação imposta pelo Tribunal de Justiça do estado do Rio Grande do Sul (TJ-RS) e, portanto, restabelecer sentença de primeiro grau que absolveu seu cliente. Questiona, ainda, decisão da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que julgou inadequado pedido feito em habeas corpus lá impetrado com o mesmo objetivo.

Em síntese, alegam os advogados que, embora as provas produzidas em juízo tenham indicado a absolvição do acusado, o TJ-RS, em recurso de apelação, o condenou com base, exclusivamente, em provas colhidas durante a fase pré-processual (inquérito policial), as quais não foram confirmadas na fase judicial. Asseveram, ainda, que, existindo duas versões no processo (a do inquérito policial e a do processo judicial), deve prevalecer aquela que beneficia o réu, em homenagem ao princípio do in dubio pro reo, segundo o qual na dúvida, a decisão deve ser a mais benéfica para o réu.

Voto

“Emblemático é o caso”, disse o relator da matéria, ministro Marco Aurélio, ao conceder a ordem para restabelecer a decisão que absolveu o acusado. “Não se trata de valorar depoimentos prestados durante o inquérito e a posterior retratação em juízo. Busca-se saber se depoimentos colhidos durante o inquérito sem o contraditório, refutados por sinal em juízo, servem ou não à condenação”, explicou.

Segundo ele, o STF vem reiteradamente proclamado que “o que coligido na fase de inquérito não serve a respaldar decisão condenatória”. Dessa forma, seria indispensável a demonstração da culpa em juízo, sob o ângulo do contraditório. Ele citou como precedentes o Recurso Extraordinário (RE) 287658 e HC 82622.

O ministro Marco Aurélio considerou que quanto mais grave a imputação “maior a necessidade de observarem-se as franquias constitucionais”, competindo ao Ministério Público demonstrar “de forma robusta” a culpa do acusado. Por fim, conforme o relator, “não está em jogo apenas a situação do paciente (acusado), mas princípios caros em um estado que se tenha como estado democrático”.

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