Acusado de manter uma emissora de rádio clandestina no Rio Grande do Sul, M.A.M. teve pedido de Habeas Corpus (HC 104530) concedido pelos ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). A Defensoria Pública da União (DPU) questionava decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que afastou o reconhecimento do princípio de bagatela e determinou o prosseguimento de uma ação penal em trâmite contra ele.
M.A. foi acusado pelo Ministério Público Federal (MPF) por desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação, delito previsto no artigo 183 da Lei 9.472/97. Ao analisar a denúncia, o juiz de primeiro grau absolveu o acusado, exatamente com base no princípio da insignificância. Esse entendimento foi mantido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que levou em conta a baixa potência dos equipamentos utilizados na rádio.
Excepcionalidade do caso
O ministro Ricardo Lewandowski (relator) concedeu a ordem ao entender que o crime é de bagatela e que, nessa hipótese, tal princípio pode ser aplicado “quando a conduta do agente é minimamente ofensiva, quando há ausência de risco social da ação, quando há reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e quando a lesão jurídica é inexpressiva”. O relator também observou que a emissora tinha alcance de 30 metros e utilizava transmissor de 25 watts, considerado de baixa potência.
Ponderou que o caso é excepcional diante das circunstâncias, uma vez que a rádio era operada no município de Inhacorá, pequena cidade localizada no interior gaúcho, na qual habitam cerca de duas mil pessoas. O município é distante de outras emissoras de rádio e televisão, bem como de aeroportos, “o que demonstra ser remota, se não impossível, a hipótese de interferência, de a rádio causar algum prejuízo para outros meios de comunicação”.
O relator acrescentou que “em comunidade localizada no interior de tão vasto país, nas quais o acesso à informação certamente não é tão amplo como nos grandes centros, as rádios comunitárias surgem como importante meio de divulgação de notícias de interesse local, de modo que não se vislumbra na espécie a reprovabilidade social da ação dos pacientes”. Ele ressaltou que a rádio comunitária é um meio “preciosíssimo de comunicação”, pois pede ambulância para membros da comunidade, relata acidentes, previne incêndios, transmite mensagem de utilidade pública, entre outros.
Segundo o ministro, em 2003, foi solicitada ao Ministério das Comunicações a autorização para a execução do serviço de rádio-difusão em favor da rádio comunitária de Inhacorá. Lewandowski concedeu o pedido, ao observar que a decisão do Supremo não impede ações administrativas das agências reguladoras, tendo em vista a independência das esferas. Ele foi acompanhado pelo ministro Dias Toffoli.
Sem licença
Divergiram os ministros Cármen Lúcia Antunes Rocha e Marco Aurélio. Para a ministra, o funcionamento da rádio pode interferir em outras frequências, como as de aeronave. Além disso, observou que “a rádio comunitária presta um desserviço enorme quando é utilizada, por exemplo, por facções criminosas, por isso a necessidade da licença”.
Também contrário ao voto do relator, o ministro Marco Aurélio salientou a importância das rádios comunitárias, mas avaliou que o problema, no caso, é a falta do licenciamento exigido. “Passou-se a atuar independentemente da licença”, destacou. Ele disse ter ficado preocupado com aspecto ressaltado pelo MPF segundo o qual laudo pericial indicaria a possibilidade de interferência em serviço de telecomunicações.
Diante do empate, o acusado foi favorecido, conforme estabelece o artigo 150, parágrafo 3º do Regimento Interno do STF.