Um pedido de vista do ministro Ayres Britto suspendeu, na tarde de hoje (02), o julgamento de um Recurso Extraordinário (RE 596152) que envolve tema de repercussão geral. No processo se discute a possibilidade de se aplicar aos crimes praticados por pequenos traficantes na vigência da antiga Lei de Drogas (Lei nº 6.368/1976) a causa especial de diminuição de pena introduzida no ordenamento jurídico pela Nova Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006). O parágrafo 4º do artigo 33 da Lei nº 11.343/2006 permite que a pena seja reduzida de um sexto a dois terços nos casos em que o condenado seja primário, tenha bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
O recurso foi interposto pelo Ministério Público Federal (MPF) contra decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que aplicou de forma retroativa a causa de diminuição de pena contida na nova lei de drogas, em respeito ao princípio constitucional que permite a retroatividade da lei penal mais benéfica ao réu. O relator do RE, ministro Ricardo Lewandowski, acolheu o recurso do MPF sob o argumento de que não se pode, a pretexto de favorecer o condenado, “pinçar dispositivos de leis diversas” para aplicar o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, sob pena de o Poder Judiciário criar uma terceira lei. O relator afirmou que o princípio constitucional deve ser aplicado em caso de confronto de duas leis, devendo-se então aplicar-se a lei mais benéfica por inteiro.
“Com a devida vênia daqueles que entendem de modo contrário e fiel à jurisprudência desta Corte, penso que a aplicação do princípio da retroatividade não autoriza a combinação de leis, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio. Dessa forma, entendo que não é possível a conjugação de partes mais benéficas de diferentes normas para criar-se uma terceira lei, sob pena de violação aos princípios da legalidade e da separação dos Poderes. Não vejo, com efeito, como possa o julgador transcender o seu papel de intérprete e, com base em argumentos meramente doutrinários, fragmentar leis a ponto de recortar delas frases, palavras, incisos e artigos a pretexto de favorecer o acusado”, afirmou o relator. A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Joaquim Barbosa acompanharam o voto do relator.
Divergência
Logo após o voto do relator, o presidente do STF, ministro Cezar Peluso, abriu divergência. Para ele, não há obstáculo legal à aplicação da causa especial de diminuição da pena porque ela exige a presença de determinadas condutas e características do condenado (ser primário, ter bons antecedentes, não se dedicar a atividades criminosas) que estavam presentes na lei revogada. Citando parecer do deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que foi relator do projeto de lei que deu origem à Lei nº 11.343/2006 na CCJ, Peluso afirmou que uma das finalidades da lei foi fazer uma distinção entre pequenos e grandes traficantes, por isso foi inserida uma causa especial de diminuição da pena para réus primários que não atuem de forma profissional no tráfico.
“Daí se vê que não há como repudiar a aplicabilidade da causa de diminuição da pena também a situações anteriores, pois foi esta a nova valoração da conduta menos perigosa daquele que se convencionou chamar de ‘pequeno traficante’ em oposição ao ‘grande traficante’, que motivou a previsão legal. O propósito claro da lei foi punir de maneira menos severa pessoas nas condições nela disciplinada sem nenhuma correlação, por si, com as novas penas aplicáveis ou aplicadas”, salientou o ministro presidente. Ao mesmo tempo em que introduziu a causa especial de diminuição da pena, a nova lei de drogas elevou a pena mínima de três para cinco anos (nas duas leis a pena máxima é de 15 anos).
Votos seguintes
A divergência aberta pelo ministro Peluso foi acompanhada pelo ministro Dias Toffoli, que modificou o entendimento que vinha adotando na Primeira Turma do STF. “A teoria e a jurisprudência firmadas no sentido de ser impossível, em toda e qualquer hipótese, a junção de duas leis parece não ser a melhor diante da racionalidade dos ensinamentos da teoria geral do Direito, porque o ordenamento jurídico é um só”, afirmou.
A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha e o ministro Joaquim Barbosa acompanharam o relator. Para ela, se o STF permitir a aplicação da causa especial de diminuição da pena aos crimes de tráfico praticados na vigência de Lei nº 6.368/76 (cuja pena mínima era de 3 anos), poderemos chegar, na prática, à situação em que o delito de tráfico de droga será punido com uma pena de até um ano de reclusão, semelhante às sanções previstas para os crimes de menor potencial ofensivo. Para o ministro Joaquim Barbosa, “trata-se de um conflito de leis no tempo do qual resulta amálgama que não foi aquilo que o legislador preconizou”.
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