A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, nesta terça-feira (22), por maioria, o Habeas Corpus (HC) 102354, em que o servidor do Tribunal de Justiça do Estado do Pará (TJ-PA) Mário Tasso Ribeiro Serra Júnior, condenado à pena de 22 anos de reclusão, em regime inicialmente fechado, pelo assassinato de sua ex-namorada, pedia o direito de recorrer da condenação em liberdade.
O juízo de primeiro grau, ao mantê-lo em prisão preventiva por ocasião da condenação, alegou periculosidade de Mário – ele matou a ex-namorada, por ciúmes, com 3 tiros de revólver, e a abandonou, ferida, dentro do carro, em via pública – e fuga após o crime, para se eximir da responsabilidade pelo ato. Invocou, também, entre os motivos, a comoção social e o clamor público que o crime provocou na sociedade de Belém.
Alegações
No HC impetrado no STF e em sustentação oral feita durante o julgamento de hoje, a defesa alegou que o acusado não fugiu. Transtornado com o crime, ele teria se abrigado na chácara de um tio-avô, nas proximidades da capital paraense. Lá, ele foi preso no dia seguinte, conforme a defesa, semidopado. Esse fato e o de ter sido encontrado em endereço conhecido anulariam, segundo ela, o argumento de fuga.
Além disso, a alegada periculosidade dele seria presumida, uma vez que se tratou de crime passional, cujos autores não costumariam oferecer risco à sociedade. Além disso, ele seria primário, filho de boa família, com ocupação lícita – Mário seria um dos criadores do sistema de informática do TJ-PA, onde trabalha há 20 anos – e endereço fixo.
A defesa alegou, ainda, excesso de prazo na tramitação do processo. Lembrou que Mário foi preso em 06 de julho de 2007 e, após ser condenado por tribunal do júri e ver confirmada a sentença pelo TJ-PA, interpôs Recurso Especial no Superior Tribunal de Justiça. Esse recurso foi protocolado no TJ em 29 de junho de 2009. Encaminhado ao Ministério Público estadual, este somente o devolveu em março de 2010. Depois disso, o presidente do TJ-PA teria levado mais cinco meses para dar despacho pela inadmissibilidade do recurso e não encaminhá-lo ao STJ. Contra essa decisão, há um recurso de agravo de instrumento em curso na Corte Superior.
Portanto, conforme alegou a defesa, Mário está cumprindo pena antecipadamente, quando cumpriria todos os pressupostos para responder ao processo em liberdade: tem família, trabalho e residência em Belém, além do que apresentaria, conforme certificado da direção do presídio em que cumpre pena, “excelente comportamento carcerário” – ele trabalha na cozinha do estabelecimento prisional. Assim, tampouco se justificaria a presunção de possível fuga, se solto.
Em apoio de sua tese, a defesa citou decisões da Suprema Corte nos HCs 80919 e 92751, relatados pelo ministro Celso de Mello, que em ambos repeliu a presunção de fuga. Relacionou, ainda, os HCs 80719, em que também o ministro Celso de Mello repeliu o argumento de clamor público para manter réu preso, e o HC 86371, no qual o ministro Cezar Peluso rechaçou a alegação de periculosidade para manter réu preso.
PGR
A Procuradoria-Geral da República interveio no debate para observar que há, no caso, razões fáticas de relevância suficiente para manter o réu preso. Segundo a PGR, a defesa não discute a existência do fato, uma vez que Mário é réu confesso. Portanto, não existe no caso, como em muitos outros, dúvida quanto à autoria, e o réu se evadiu do local do crime. Além disso, Mário está cumprindo pena em função de condenação. Assim, “postergar o início da execução só traz prejuízo ao réu”. Isto porque, segundo a PGR, ele só tem a ganhar com o término antecipado do pagamento que deve à sociedade.
Decisão
Em seu voto pela denegação do pedido, o ministro Joaquim Barbosa observou que o reexame de provas é inviável em HC, referindo-se ao argumento da defesa de que Mário foi preso na casa do tio-avô, o que seria uma prova de que não pretenderia evadir-se do distrito da culpa.
Por outro lado, ponderou que o fato de réu ser primário não impede sua prisão preventiva, desde que preencha os pressupostos do artigo 312 do Código de Processo Penal (CPP), e estes estão presentes. Não cabe, ademais, a alegação de cumprimento antecipado da pena, visto que ela decorre de condenação judicial. Além disso, não se configura excesso de prazo no julgamento, porquanto ele já foi julgado em primeiro e segundo graus, estando em curso um recurso de agravo de instrumento (AI) interposto no STJ contra a decisão do TJ-PA que confirmou sua condenação.
Divergência
Voto vencido, o ministro Celso de Mello reportou-se a jurisprudência da Suprema Corte para dar provimento ao HC. Entre tais precedentes está o de que a fuga do local do crime para evitar flagrante não constitui motivo para prisão preventiva.
Ele também afastou a alegação de antecedentes criminais, invocada pelo TJ-PA para manter a condenação de primeiro grau. Por outro lado, rechaçou a decretação de prisão preventiva a partir de elementos concernentes ao próprio tipo penal que tenha motivado a instauração do processo (gravidade objetiva, periculosidade), antes do trânsito em julgado da condenação.
“O que não me parece adequado é apoiar a decisão sobre a prisão cautelar ou a recusa a recorrer em liberdade em dados pertinentes ao próprio fato delituoso”, afirmou o ministro, que votou no sentido de a Corte superar os obstáculos da Súmula 691 – que veda a concessão de liminar em HC quando relator de igual recurso em tribunal superior o tiver denegado – e propôs a concessão, de ofício, do HC impetrado.
Segundo o ministro, o clamor público ou a comoção social são, de acordo com jurisprudência do STF, motivos para determinar a prisão cautelar.
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