A pronúncia – responsável por submeter o acusado do Tribunal do Júri – tem natureza decisória e, portanto, deve ser proferida por juiz competente e imparcial. Com este fundamento, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu Habeas Corpus (HC 104629) impetrado pela defesa de José Carlos de Jesus Rocha, ex-detetive da Polícia Civil do Rio, e estendeu à pronúncia a nulidade do processo reconhecida pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, conforme o voto do relator, ministro Gilmar Mendes.
Jesus Rocha foi denunciado em 2000 pelo homicídio duplamente qualificado de um informante da polícia. O Juízo da Vara Única da Comarca de Piraí (RJ) pronunciou-o e manteve sua prisão preventiva para garantir sua presença “no julgamento pelo Conselho de Sentença, sem a qual não é possível a realização do Júri”. Submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, foi condenado a 18 anos de reclusão em regime fechado. No julgamento de apelação, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro acolheu preliminar de suspeição/impedimento da juíza presidente do Júri e anulou o processo a partir da pronúncia, revogando a prisão do réu. Para o TJ/RJ, a nulidade não atingia a pronúncia, considerada “mero juízo de admissibilidade”. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar habeas corpus, manteve este entendimento.
Ao apresentar o HC, a defesa alegou que o aproveitamento da pronúncia proferida por juízo suspeito comprometeria a análise imparcial dos autos. Afirmou, ainda, que, sendo o único ato fundamentado da juíza nos feitos do Tribunal do Júri, a pronúncia prolatada por magistrado suspeito influencia o julgamento pelos jurados.
O ministro Gilmar Mendes, em seu voto, explicou que a pronúncia tem natureza de decisão interlocutória mista: ela encerra uma fase do procedimento sem encerrar o processo penal, na medida em que não há, nessa etapa, julgamento de mérito da ação. “Se o acórdão do TJ/RJ reconheceu a nulidade absoluta do processo, por ser presidido por juíza suspeita, é coerente concluir que a pronúncia também deveria ter sido anulada para que outra fosse proferida”, assinalou. O relator lembrou ainda que o STF tem reconhecido que a nulidade dos feitos criminais tem como consectário lógico a anulação de todos os atos decisórios.