Negada Liminar Em Hc Que Questiona Delação Anônima

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello indeferiu pedido de liminar formulado no Habeas Corpus (HC) 106664 por O.N.F. e O.S., que, submetidos a monitoramento telefônico após denúncia anônima, respondem a ação penal pelos crimes de lavagem de dinheiro e formação de quadrilha ou bando.

A defesa pede trancamento da ação, em curso na 2ª Vara Criminal Federal em São Paulo, alegando inexistência de justa causa que autorize a adoção de medidas de persecução penal contra eles, tendo em vista que a investigação criminal de que foram objeto se teria originado, unicamente, por delação anônima.

No HC impetrado no Supremo, os acusados contestam decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que indeferiu pedido semelhante, também em HC, após concluir que o monitoramento telefônico a que foram submetidos não se baseou apenas em denúncia anônima. Recurso de embargos de declaração interposto contra tal decisão foi indeferido pelo STJ, que entendeu não haver, na decisão impugnada, omissão apontada pela defesa.

Decisão

Ao julgar “insuscetível de acolhimento” o pedido de liminar formulado no HC, o ministro Celso de Mello lembrou que a Suprema Corte vedou expressamente, na Resolução STF nº 290/2004, que instituiu o serviço de Ouvidoria na Corte, a possibilidade de formulação de reclamações, críticas ou denúncias de caráter anônimo, sob pena de liminar rejeição.

Entretanto, segundo ele, essa diretriz tem que ser interpretada em termos, ou seja: o escrito anônimo não justifica, por si só, desde que isoladamente considerado, a imediata instauração da persecução criminal, porquanto peças apócrifas não podem ser incorporadas formalmente ao processo, salvo quando forem produzidas pelo acusado, ou quando constituírem, eles próprios, o corpo de delito. Isto ocorre, por exemplo, com bilhetes de resgate no delito de extorsão mediante sequestro, ou com cartas que evidenciem a prática de crimes contra a honra, ou que corporifiquem delito de ameaça ou materializem crime de falso.

Mas, ainda conforme o ministro, “nada impede que o Poder Público, provocado por delação anônima, adote medidas informais, destinadas a apurar, previamente, em averiguação sumária, com prudência e discrição, a possível ocorrência de eventual situação de ilicitude penal, desde que o faça com objetivo de conferir a verossimilhança dos fatos nela denunciados, em ordem a promover, então, em caso positivo, a formal instauração da persecução criminal, mantendo-se, assim, completa desvinculação desse procedimento estatal em relação às peças apócrifas”.

“O Ministério Público (MP), de outro lado, independentemente da prévia instauração de inquérito policial, também pode formar a sua opinio delicti (opinião sobre o delito) com apoio de outros elementos de convicção que evidenciem a materialidade do fato delituoso e a existência de indícios suficientes de autoria, desde que os dados informativos que dão suporte à acusação penal não derivem de documento ou de escritos anônimos, nem os tenham como único fundamento causal”.

Em apoio a esse entendimento, o ministro citou doutrina do criminalista italiano Giovanni Leone e do brasileiro José Frederico Marques, assim como dos também brasileiros Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, professor da Faculdade de Direito da Universidade do Distrito Federal (UDF), e Júlio Fabbrini Mirabete, penalista e ex-professor de Direito Penal em várias universidades paulistas.

Segundo eles, a autoridades pública, especialmente a policial, tem o dever inderrogável de investigar, ao receber denúncia anônima; de efetuar uma investigação preambular para apurar a verossimilhança da informação. Porém, deve fazê-lo com a máxima cautela e discrição, preservando a proteção à incolumidade moral das pessoas, prevista no artigo 5º, inciso X, da Constituição Federal (CF).

O ministro Celso de Mello citou manifestação feita por ele próprio no mesmo sentido, por ocasião do julgamento do Mandado de Segurança (MS) 24369. E disse que, além do STF, também o STJ tem jurisprudência no mesmo sentido (RHC 7363).

O caso

“O caso dos autos parece evidenciar que a diretriz jurisprudencial consolidada no âmbito desta Corte teria sido observada na espécie ora em exame”, observou o ministro em sua decisão. Isso porque, conforme lembrou, o STJ ao negar o HC, enfatizou, a partir dos elementos que lhe foram propiciados, que o monitoramento telefônico “não teria sido autorizado com base somente na denúncia anônima, mas, ao contrário, teria sido também motivado por dados informativos resultantes de prévia apuração realizada por autoridade policial”.

“Tudo parece indicar, considerados os fundamentos que dão suporte ao acórdão (decisão colegiada do STJ) ora impugnado, que o Departamento de Polícia Federal apenas teria postulado autorização judicial para a questionada interceptação telefônica, depois de haver diligenciado a adoção de medidas destinadas a conferir a verossimilhança dos dados que lhe foram transmitidos mediante comunicação anônima”, observou.

E tais dados, que precederam o pedido de interceptação telefônica, teriam sido obtidos em levantamento preliminar junto ao Banco Central e à Receita Federal.

O HC ainda será julgado no mérito pelo STF.

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