Por votação unânime, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou, nesta terça-feira (7), o trânsito em julgado (término do processo, sem possibilidade de recurso) de decisão do Superior Tribunal Militar (STM) que condenou o militar do Exército brasileiro V.N.R. à pena de 2 anos e 8 meses de reclusão, em regime aberto, pelo crime de maus tratos resultante em morte (artigo 213, cabeça e parágrafo 2º, do Código Penal Militar – CPM).
A decisão foi tomada no julgamento do Habeas Corpus (HC) 96975. Em seu voto, o relator do processo, ministro Gilmar Mendes, acompanhado dos demais ministros presentes à sessão, acolheu o argumento da defesa de que foi violado o disposto no artigo 537 do Código de Processo Penal Militar (CPPM), que determina a intimação tanto do advogado quanto do réu, relativamente à decisão condenatória da Justiça Militar.
Dispõe o artigo 537 do CPPM que “o diretor-geral da Secretaria do Tribunal remeterá ao auditor cópia do acórdão condenatório para que ao réu, seu advogado ou curador, conforme o caso, sejam feitas as devidas intimações”.
O caso
Inicialmente, V.N.R. foi condenado pela Auditoria da 1ª Circunscrição da Justiça Militar no Rio de Janeiro à pena de 10 meses de reclusão em regime aberto. Entretanto, o Ministério Público Militar (MPM) interpôs recurso de apelação junto ao Superior Tribunal Militar (STM), que lhe deu parcial acolhimento para aumentar a pena para dois anos e 8 meses, também em regime aberto.
O advogado de V.N.R. foi intimado da decisão em 9 de setembro de 2008, mas o réu não. O acórdão (decisão colegiada) transitou em julgado para o Ministério Público Militar em 28.08.2008 e, para a defesa, em 24.09.2008.
Complexidade
Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes observou que o caso não é tão simples quanto parece. Tanto é que, na Primeira Turma do STF, um caso semelhante já motivou dois pedidos de vista e ainda está pendente de julgamento final de mérito.
O relator desse caso (HC 99109), ministro Marco Aurélio, reputou necessária a dupla intimação e declarou insubsistente a certidão de trânsito em julgado. O ministro Dias Toffoli pediu vista e, ao trazer o caso de volta a julgamento, entendeu que a dupla intimação somente seria necessária em juízo de primeiro grau, e mesmo assim quando o réu estivesse preso. O ministro Luiz Fux acompanhou o voto do relator, mas a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha fez novo pedido de vista.
No caso hoje julgado, conforme ressaltou o ministro Gilmar Mendes, o presidente do STM informou que V.N.R. deixou de ser intimado, nos termos do artigo 288, parágrafo 2º, do Código de Processo Penal Militar, porque estava em liberdade, servindo no 6º Depósito de Suprimentos do Exército, em Salvador (BA).
De acordo com aquele dispositivo do CPPM, a intimação pessoal do réu somente é obrigatória no curso do processo, mas não por ocasião do acórdão condenatório. Neste caso, a intimação do advogado supriria a intimação do réu, exceto se este estivesse preso.
Decisão
Entretanto, no seu voto, o ministro Gilmar Mendes considerou que havia, sim, a necessidade de citar o militar condenado, até porque entende ser razoável presumir que ele não tenha sido intimado e, portanto, não lhe foi dada a liberdade de decidir se pretendia recorrer da condenação.
Com isso, foi-lhe negado o direito fundamental do contraditório e da ampla defesa, que está inserido no contexto constitucional da dignidade da pessoa humana.
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