Acusada de ordenar que o telefone do ex-namorado fosse grampeado, uma juíza estadual de São Paulo teve seu pedido de habeas corpus negado no Superior Tribunal de Justiça (STJ). A juíza pretendia anular a sessão do órgão especial do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), ocorrida em setembro de 2008, que aceitou a denúncia e instaurou ação penal contra ela.
Narra a denúncia que a ré teve um relacionamento amoroso e, depois do rompimento, valendo-se das prerrogativas do cargo, oficiou à Telesp Celular e requisitou interceptação de telefone do ex-namorado, mesmo não havendo nenhuma ação criminal contra ele. Além disso, condenou o pai do ex-namorado em ação penal, sem declarar-se impedida para o caso e negando todos os benefícios legais ao réu.
De acordo com a denúncia, a juíza também teria tentado atingir o ex-namorado ao dar sentença em ação civil pública movida contra o pai dele, mesmo violando a regra constitucional da competência, pois ela própria havia afirmado que o processo competia à Justiça Federal – tudo por conta de “rancor e animosidade em razão do término do romance”.
Por fim, diz a denúncia que a juíza determinou a abertura de três inquéritos policiais contra o ex-namorado, pelos crimes de ameaça, tentativa de homicídio e tentativa de estupro, mesmo sabendo que tais eventos não tinham ocorrido. Segundo a denúncia, “em nenhum dos inquéritos houve o menor indício de veracidade das assertivas” feitas pela juíza contra seu ex.
A juíza foi denunciada pelo artigo 10 da Lei 9.296/96, que define como crime a escuta telefônica sem ordem judicial ou com objetivos diversos da ordem. Também foi acusada pelos crimes de falsidade ideológica, prevaricação e denunciação caluniosa (artigos 299, 319 e 339 do Código Penal). O órgão especial declarou que o crime de prevaricação já estava prescrito, porém recebeu o restante da denúncia.
Processo administrativo
No habeas corpus impetrado no STJ, a defesa da juíza alegou que a sessão de julgamento do órgão especial seria nula. Oito dos desembargadores que integraram o órgão já haviam votado pela punição da ré no processo administrativo instaurado na Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo – processo que determinou sua remoção compulsória.
Segundo ela, os desembargadores estariam impedidos de participar do julgamento por essa razão, com base do artigo 252, inciso III, do Código de Processo Penal (CPP).
O relator da matéria, ministro Jorge Mussi, concordou que o artigo 252 do CPP veda que um magistrado atue duas vezes no mesmo processo em diferentes graus de jurisdição. “Não se cuida, portanto, de atuação em esferas de naturezas distintas, a saber: a administrativa e a penal”, esclareceu. O relator disse que os julgamentos pela corregedoria e pelo órgão especial do TJSP, mesmo com a participação dos desembargadores em ambos, não ofendem o artigo do CPP.
Além disso, acrescentou o ministro Mussi, o artigo 252 lista taxativamente as hipóteses de impedimento dos magistrados. “Não se há de estender o conceito de jurisdição para abranger a esfera administrativa como vedação à atuação do mesmo magistrado em feitos de naturezas distintas, oriundas, contudo, dos mesmos fatos”, concluiu. A Quinta Turma acompanhou o entendimento do relator de forma unânime.