A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) anulou integralmente o julgamento de um réu denunciado por homicídio qualificado e por tentativa de homicídio, em concurso formal. Com a desclassificação de um dos crimes pelo júri popular, o seu julgamento acabou sendo proferido pelo juiz singular, o que deu causa à nulidade, devido à relação de continência entre os crimes.
Segundo a denúncia, após ingerir grande quantidade de bebida alcoólica, o homem discutiu com sua companheira e a agrediu. Depois disso, forçou-a a entrar no carro, onde a filha de oito anos já estava. A irmã e a cunhada da mulher, que viram a discussão, também entraram no veículo, temendo pelo que ele pudesse fazer.
Ainda de acordo com a denúncia, o homem assumiu a direção, ameaçou as passageiras de morte e, dirigindo em alta velocidade, provocou, intencionalmente, acidente de trânsito que culminou na morte da criança e causou lesões nas demais vítimas.
Após a pronúncia pela prática de homicídio qualificado e de três tentativas, ele acabou sendo condenado pelo júri popular em razão do cometimento de um homicídio simples. Quanto às tentativas, o Tribunal do Júri desclassificou a conduta para o crime de lesão corporal.
O juiz singular entendeu que, após a desclassificação, o julgamento pelos demais crimes passou para sua competência. Por sua vez, condenou o agente por lesão corporal grave em relação a uma das vítimas. Quanto às outras duas, considerou que a lesão corporal teve natureza leve e por isso intimou-as para que, querendo, oferecessem representação contra o acusado.
Pena mais grave
Com base no artigo 70 do Código Penal, que trata do concurso formal (quando o agente, mediante uma só ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes, idênticos ou não), o magistrado aplicou a pena referente ao homicídio, aumentada na fração de um sexto. Com isso, a pena foi fixada em dez anos e seis meses de reclusão, com regime inicial fechado.
A defesa apelou ao Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), buscando a anulação do julgamento. O recurso foi negado, sob o fundamento de que a arguição de nulidade é incabível se o julgamento já tiver sido concluído, “pois permitiria à defesa dirigir o processo de acordo com sua conveniência”.
Em habeas corpus impetrado no STJ, a defesa pediu a nulidade do julgamento proferido pelo Tribunal do Júri. Para ela, as respostas dos jurados foram contraditórias, pois, “num mesmo contexto fático e sob circunstâncias praticamente idênticas”, entenderam que houve simultaneamente intenção de matar, em relação a uma vítima, e intenção de lesionar, em relação às outras.
Para a defesa, a intenção do réu (se matar ou lesionar) deveria ser idêntica em relação a todas as vítimas, visto que os crimes foram cometidos num mesmo contexto e decorreram de um mesmo ato do agente. Ela afirmou que as únicas diferenças foram o local onde as passageiras estavam sentadas no veículo e as consequências do crime para cada uma delas.
Ilegalidade
Segundo o ministro Sebastião Reis Júnior, relator do habeas corpus, “o julgamento dos crimes de lesão corporal pelo juízo singular configurou ilegalidade flagrante”.
Ele explicou que, apesar de ter ocorrido a desclassificação das tentativas de homicídio para lesão corporal, o Tribunal do Júri reconheceu ter ocorrido um homicídio doloso. No entendimento do ministro, há relação de continência entre os delitos, visto que derivam de uma só conduta e foram praticados em concurso formal. “Sendo um fato único, exige-se uma apuração unitária”, disse.
Segundo o ministro, o julgamento das lesões corporais permanecia na competência do júri popular. Como não houve a desclassificação de todos os crimes dolosos contra a vida, remanescendo um deles (homicídio) na competência do júri, caberá a este o julgamento de todos os delitos em relação de continência.
Por essas razões, a Sexta Turma determinou a anulação integral do julgamento, com submissão do paciente a novo Tribunal do Júri, em relação a todos os crimes.
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