A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve decisão do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) que absolveu dois controladores de voo acusados de negligência no acidente entre um avião da companhia Gol e um jato Legacy, em setembro de 2006. O acidente entre as aeronaves matou 154 pessoas.
Seguindo voto da relatora, ministra Laurita Vaz, o colegiado concluiu que o recurso apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) pretendia o reexame das provas reunidas no processo, o que foge à competência do STJ.
Com base nessas provas – em decisão que a Quinta Turma considerou suficientemente fundamentada –, a Justiça Federal de primeira e segunda instância havia concluído que os controladores receberam a informação errada de que o Legacy mantinha seu nível de voo, quando, na verdade, estava no nível do avião da Gol, que se deslocava em sentido contrário.
O processo
O MPF ofereceu denúncia ao juízo federal da Vara Única da Subseção Judiciária de Sinop (MT), sustentando que quatro controladores de voo e os dois pilotos do Legacy, norte-americanos, deveriam ser responsabilizados pelo crime de atentado contra a segurança do transporte aéreo.
O juiz de primeira instância decidiu pela absolvição sumária de dois controladores, desclassificou para a modalidade culposa a conduta de um outro e afastou algumas das acusações contra o quarto controlador, mantendo-o, porém, como réu na ação penal. Quanto aos pilotos, foram absolvidos de uma das acusações, mas continuaram a responder pelas demais condutas atribuídas na denúncia.
No julgamento de apelação, o TRF1 reformou a sentença para manter todas as acusações iniciais contra os pilotos, mas rejeitou o pedido do MPF para restabelecer acusações formuladas na denúncia contra os controladores.
O MPF interpôs recurso especial para que a decisão fosse reformada pelo STJ em relação a dois dos controladores: um dos que haviam sido absolvidos na primeira instância e outro que fora absolvido apenas parcialmente.
Segundo o MPF, este último falhou por não tentar contato com o Legacy para comunicar a falha no transponder (equipamento que emite sinais para permitir a identificação e localização do avião), cujo sinal não fora detectado no Centro de Controle de Área Brasília; e tanto ele quanto o outro controlador também teriam falhado ao não transmitir para o Centro de Controle de Área Manaus as informações sobre o transponder e os problemas de comunicação com a aeronave.
O MPF alegou que a absolvição de ambos infringia o Código Penal, pois se, juntamente com os outros, tivessem tomado os cuidados que exige a profissão, o acidente teria sido evitado.
Súmula 7
O TRF1 negou a subida do recurso, levando em consideração a Súmula 7 do STJ, que impede o reexame de provas em recurso especial. Diante disso, o MPF recorreu ao próprio STJ (com agravo em recurso especial), alegando que não se tratava de pedido de reexame, mas de revaloração jurídica das provas colhidas, pois os fatos, da forma como delineados no acórdão do TRF1, revelariam que os controladores agiram com culpa no exercício do cargo.
A controvérsia, para o MPF, estava em definir se as condutas apuradas no processo caracterizam ou não a negligência.
Ao analisar a questão, a ministra Laurita Vaz destacou que o impedimento processual levantado pela corte regional para negar seguimento ao recurso não era livre de dúvidas, sobretudo diante da complexidade do caso. Por esse motivo, determinou a conversão do agravo em recurso especial para melhor exame do caso.
Reexame impossível
Após analisar detidamente a sentença de primeira instância e o acórdão do TRF1 que a manteve em relação aos controladores, a relatora concluiu que o recurso especial não propunha apenas uma revaloração das provas, mas seu reexame profundo, com o objetivo de inverter as conclusões das instâncias ordinárias sobre os fatos ocorridos.
“Conforme apurado pelas instâncias ordinárias após exaustivo exame das provas, os controladores de voo, ao assumirem suas posições de trabalho, receberam a errônea informação de que a aeronave Legacy estava mantendo o nível de voo 360 (36.000 pés), quando, na verdade, perfazia seu voo no nível 370 (37.000 pés), mesmo da aeronave da Gol, que se deslocava em sentido contrário na mesma aerovia”, relatou a ministra.
Ainda citando conclusões das instâncias ordinárias, Laurita Vaz disse que “o controlador do Centro de Controle de Área Manaus recebera a mesma informação errônea e não tinha na tela-radar dados que sugerissem a necessidade de adoção de alguma medida de separação das aeronaves referidas”. Por isso, acrescentou a ministra, o juízo de primeiro grau e o TRF1 concluíram ser desimportante a conduta dos controladores, afastando a imputação de culpa por negligência.
Falha grave
“O quadro fático delineado pelas instâncias ordinárias parece evidenciar uma grave e inegável falha do Centro de Controle de Área Brasília, quando autorizou duas aeronaves a ocupar o mesmo nível de voo, na mesma rota, em sentidos opostos, em aerovia superior, espaço aéreo controlado – vale dizer, onde todas as aeronaves devem seguir estritamente o que ordenar o Centro de Controle”, disse Laurita Vaz.
No entanto, ainda com base nas conclusões do juiz e do tribunal regional, ela afirmou que não foram os controladores acusados que deram tal autorização. “Receberam informações errôneas tanto do equipamento quanto de seus antecessores no setor. Nem a tela-radar nem o sistema automatizado lhes desmentiam tais informações. Nesse cenário, mostra-se subsistente e fundamentada a conclusão tanto do magistrado singular quanto da corte regional pela absolvição sumária desses réus”, declarou a relatora.
Para rever essa conclusão, completou a ministra, seria inevitável o revolvimento de fatos e provas, o que esbarra na Súmula 7 – como entendera antes o TRF1, ao negar a subida do recurso especial.
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