A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) negou, por unanimidade de votos, o pedido apresentado pela defesa do advogado e ex-policial militar Mizael Bispo de Souza, para que seu julgamento seja realizado na comarca de Nazaré Paulista, e não em Guarulhos (SP). Ele irá a júri popular sob acusação de ter matado a ex-namorada Mércia Nakashima, também advogada, em 2010, e alega que em Guarulhos há um forte clima de comoção popular que pode prejudicá-lo. O voto do ministro Ricardo Lewandowski, relator do Habeas Corpus (HC) 112348, negando a pretensão da defesa, foi seguido pelos demais ministros da Turma.
A defesa de Mizael alega que não está sendo respeitada a regra de competência territorial para o julgamento da ação penal prevista no artigo 70 do Código de Processo Penal (CPP), segundo o qual “a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”. A defesa ressalta que tanto a denúncia quanto o laudo cadavérico apontam que Mércia morreu por afogamento nas águas da represa da cidade de Nazaré Paulista, o que justificaria a mudança do foro.
O ministro Lewandowski leu parte da denúncia que detalha as últimas horas de Mércia, que aceitou se encontrar com o ex-namorado, que estaria inconformado com o fim do relacionamento. De acordo com os autos, o casal se encontrou nas proximidades do Hospital Geral de Guarulhos, quando Mizael entrou no carro de Mércia. Laudos apontam que, no caminho para a represa, Mércia foi alvejada com disparos de arma de fogo no braço esquerdo, na mão direita e na mandíbula, tendo ainda sido violentamente agredida, o que acarretou a fratura de maxilar e mandíbula. Às margens da represa, o carro, com Mércia em seu interior, foi empurrado para que afundasse, conforme a denúncia.
Em seu voto, o ministro Lewandowski ressaltou que a expressão “de regra” constante do dispositivo de processo penal invocado (“a competência será, de regra, determinada pelo lugar em que se consumar a infração, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução”) não condiciona a definição da competência territorial. De acordo com o relator, todas as providências foram tomadas pelas autoridades de Guarulhos, tendo em vista que quando do desaparecimento da vítima não se sabia que a infração penal envolvia a ocultação do cadáver na represa de Nazaré Paulista.
Segundo o ministro, o Código de Processo Penal, ao fixar a competência para apurar e julgar infração penal, estabeleceu a competência do foro do local do crime, adotando, para tanto, a teoria do resultado que considera como o local do crime aquele em que o delito se consumou. Para o ministro, a opção do legislador pelo local da consumação do delito se justifica pelo fato de ser este o local mais indicado para que se obtenha os elementos probatórios necessários para o perfeito esclarecimento do ilícito e suas circunstâncias.
O ministro disse que uma interpretação literal do artigo 70 do CPP leva à conclusão de que o foro competente para julgar o crime sob análise seria o de Nazaré Paulista, exatamente como sustentado pelo impetrante. “Ocorre, porém, que o próprio dispositivo legal permite o abrandamento da norma, ao enunciar que a competência será ‘de regra’ do local em que a infração se consumar, tendo em conta os fins pretendidos pelo processo penal, em especial a busca da verdade real. Este é, a meu sentir, o caso dos autos”, afirmou.
“Isto porque a maior parte dos elementos de prova concentram-se na comarca de Guarulhos, onde residiam a vítima e o réu, onde se iniciaram as investigações, onde a vítima foi vista pela última vez e onde residem também grande parte das testemunhas, de forma que, por questões práticas relacionadas à coleta do material probatório e sua apresentação em juízo, o foro competente para processar e julgar a ação penal, a meu ver, deve ser o da comarca de Guarulhos”, afirmou o ministro Lewandowski.