A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) declarou a nulidade de parte dos atos processuais e meios de prova que resultaram na denúncia, oferecida pelo Ministério Público Federal no Paraná, contra o auditor fiscal da Receita Federal A.L. pela suposta prática de crime contra a ordem tributária pela violação de dever funcional e prevaricação. O auditor da Receita foi alvo de uma denúncia anônima enviada ao procurador da República em Ponta Grossa (PR), na qual foi dito que ele cobraria propina de um empresário para não lançar débitos fiscais ou lançá-los em valor inferior. Além da denúncia anônima, um prefeito municipal também fez acusações.
No Habeas Corpus (HC) 108147, que foi concedido à unanimidade de votos pela Turma, a defesa sustentou que o procedimento investigatório teve início em denúncia anônima, sem que tenha havido investigação preliminar, e a interceptação telefônica foi autorizada sem que se esgotasse a possibilidade da produção de outras provas. Outro argumento foi o de que o pedido de interceptação telefônica foi feito pela acusação antes da instauração do inquérito policial, o que comprova a ausência de investigação preliminar.
A defesa argumentou que o auditor teve suas ligações telefônicas interceptadas por 240 dias, período muito superior ao previsto na Lei 9.296/1996, e apontou irregularidades na apresentação, por parte das operadoras de telefonia, dos relatórios contendo detalhes da diligência, como período de autorização, data e hora da ligação, duração, telefones chamados e chamadores com respectiva indicação do usuário. Sustenta ainda que apenas uma operadora cumpriu tal determinação e os relatórios de outras operadoras não foram juntados.
Em seu voto, a ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha afirmou que não houve investigação preliminar, nem policial nem qualquer formalização por parte do Ministério Público, tendo a investigação se iniciado com as próprias escutas. “Considero que está devidamente demonstrado nos autos que houve ilegalidade a constranger direito do paciente. Não encontrei nos autos nenhuma portaria ou qualquer documento que indicasse que a investigação era formal, o que era necessário para que se tivessem preservados os princípios constitucionais. Mesmo quando a polícia realiza essas operações e se vale de interceptações, há uma investigação prévia”, afirmou a ministra, acrescentando que a interceptação telefônica é um elemento subsidiário de prova, sendo acionada mediante a existência de indícios e quando não se pode colher provas por outros meios.
De acordo com os autos, com base na denúncia anônima, o procurador da República enviou ofício ao delegado da Receita em Ponta Grossa para confirmar se a empresa nela citada havia sido fiscalizada recentemente. O procurador também quis saber se procedia a informação de que o auditor utilizava seu próprio automóvel nas inspeções, abrindo mão de motorista e veículo oficial da Receita Federal. As informações foram confirmadas pelo delegado da Receita e, em seguida, num segundo ofício, o procurador pediu que não fosse iniciado qualquer processo interno de apuração para não atrapalhar a investigação.
A relatora do HC esclareceu que não estava aplicando ao caso a teoria do fruto da árvore envenenada, tendo em vista que, na sequência da instrução, foram produzidas outras provas. A ordem foi concedida nos exatos termos do pedido: “para decretar a ilicitude desses meios de prova nos autos, em razão da ilegalidade na raiz das autorizações, e, no mesmo passo, a nulidade das decisões judiciais que as decretaram”. Ao final, a ministra Cármen Lúcia esclareceu que o caso julgado não tem relação com a matéria que está sendo apreciada pelo Plenário do STF e que diz respeito ao poder de investigação do Ministério Público.