O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) negou nesta quinta-feira (7) Habeas Corpus (HC 92932) a dois condenados por estupro que alegavam que a ação proposta contra eles pelo Ministério Público seria irregular, uma vez que a Constituição Federal não teria recepcionado o artigo 225, parágrafo 1º, inciso I, do Código Penal, que trata da legitimidade do MP para propor ação penal quando a vítima é considerada pobre e não tem condições de prover sua defesa. No HC, a defesa alegou que cabe apenas à Defensoria Pública a legitimidade para agir nesses casos.
O HC discutiu a possibilidade de uma pessoa pobre, vítima de crime contra os costumes – a exemplo do estupro –, utilizar a Defensoria Pública sem suprimir a legitimidade do Ministério Público para oferecer denúncia (ação penal pública condicionada à representação).
O relator do caso, ministro Ricardo Lewandowski, que já havia votado no início desse julgamento em março de 2009, lembrou que o Plenário analisou a questão com base na lei vigente à época. Mas em agosto daquele mesmo ano, foi publicada a Lei 12.015, que alterou o Código Penal e suprimiu os parágrafos 1º e 2º do artigo 225 do CP.
Votação
O julgamento foi retomado hoje com o voto-vista do ministro Marco Aurélio, que se posicionou pela concessão de ofício do HC. Ele ficou vencido nesse ponto. Conforme defendeu o ministro, os acusados teriam sofrido constrangimento ilegal ao serem acusados pelo Ministério Público que, em sua opinião, não teria legitimidade para propor a ação neste caso específico.
Ele destacou que a ação penal atinente a crimes contra os costumes é privada [nos termos da redação anterior do Código Penal], ensejando a queixa-crime por iniciativa da própria vítima, mediante advogado constituído ou, se não tiver condições propícias para contratá-lo, por meio da Defensoria Pública. Portanto, afirmou que “se a regra é a propositura da ação penal privada, sendo exceção a da ação pública, mostra-se indispensável que a representação seja acompanhada de prova do atendimento ao requisito do inciso I do parágrafo 1º do artigo 225 do Código Penal” ou seja, prova da ausência de recursos financeiros.
Neste caso específico, o ministro considerou que houve uma incoerência, uma vez que a vítima alegou ser pobre, mas constituiu dois advogados para atuar como assistentes da acusação.
De acordo com o ministro Marco Aurélio, “a situação é conflitante”, porque ao mesmo tempo em que a vítima se declarou pobre, contratou advogado para atuar como assistente do Ministério Público. “Há de se concluir que não bastasse a circunstância de não ter sido feita prova do estado de pobreza, a própria vítima veio a credenciar dois causídicos”, destacou ao conceder o HC aos dois acusados.
Em relação a essa afirmação, o ministro Teori Zavascki destacou que constituir advogado não significa dizer que a vítima tenha condições financeiras, até porque há uma parcela da advocacia que atua pro bono (sem cobrar honorário).
Relator
Na ocasião de seu voto, o ministro Lewandowski destacou que não houve qualquer irregularidade ou restrição para a propositura da ação penal pública por parte do Ministério Público. De acordo com o ministro, “não há como entender-se que a instituição da Defensoria Pública possa ter, de alguma forma, restringido a legitimidade do Ministério Público para propor ação penal pública nos crimes contra os costumes, hipótese expressamente prevista no artigo 225, parágrafo 1º, do Código Criminal e consentânea com o que se contém no artigo 129, inciso I, da Constituição da República”, disse à época do início desse julgamento.
Porém, ele considerou que o HC só poderia ser conhecido em relação ao pedido de liberdade e, nessa parte conhecida, ele negou sob o argumento de que os acusados permaneceram em custódia cautelar durante toda a instrução criminal e não haveria novos fundamentos válidos para conceder a liberdade. Logo após o voto do relator os ministros Menezes Direito (falecido), Cármen Lúcia, Eros Grau (aposentado), Joaquim Barbosa e Ayres Britto (aposentado) o acompanharam.
Na sessão de hoje os votos dos ministros Teori Zavascki e Rosa Weber também se somaram ao do relator.