Guilherme De Souza Nucci
As recentes Leis
11.689/08, 11.690/08 e 11.719/08 promoveram, após várias décadas,
alterações consideráveis na estrutura dos procedimentos previstos pelo
Código de Processo Penal.
Passa-se a ter o
procedimento comum, subdividido em ordinário (voltado a crime cuja sanção
máxima cominada for igual ou superior a quatro anos de pena privativa de
liberdade), sumário (destinado a crime cuja sanção máxima cominada seja inferior
a quatro anos de pena privativa de liberdade) e sumaríssimo (objetivando as
infrações de menor potencial ofensivo, na forma da lei). Permanecem os
procedimentos especiais, enaltecendo-se o principal deles: o do júri.
Observa-se a
preocupação do legislador, tanto no procedimento comum como no especial do
júri, com a meta de fortalecer o princípio processual da oralidade, que,
quando bem aplicado, tem o condão de fomentar a celeridade. Tal situação
desencadeia, ainda, os princípios conseqüenciais da concentração, da
imediatidade e da identidade física do juiz.
Somente havendo o
predomínio da palavra oral sobre a escrita é que se pode construir
determinados alicerces sobre os quais a celeridade do processo
desenvolver-se-á a contento.
A oralidade privilegia
a rapidez, pois não há a obrigatoriedade de produção de peças escritas,
despachos ou decisões igualmente escritas, publicações pela imprensa e
outras formas burocráticas de resolução de problemas processuais. Com isto,
pode-se implementar a concentração, significando que toda a prova oral deve
ser colhida numa só audiência (ou no menor número possível delas). Assim
ocorrendo, enaltece-se a imediatidade, permitindo que o juiz tome contato
direto com as provas produzidas. Por fim, consagra-se a identidade física
do juiz, vinculando o julgador ao processo em que ele terminou a colheita
das provas, permitindo-lhe, sem dúvida, a melhor análise das alegações das
partes.
Na fase de
formação da culpa, no procedimento do júri, prevê-se a realização de uma só
audiência (princípio da concentração), nos termos do art. 411, § 2º, do
CPP. Encerrada a instrução, as alegações serão orais (princípio da
oralidade), conforme art. 411, § 4º, do CPP, devendo o juiz proferir a sua
decisão na seqüência (princípio da imediatidade), como prevê o art. 411, §
9º, do CPP.
Temos reserva
quanto à efetividade desse procedimento, mormente envolvendo processos do
júri, onde as partes costumam arrolar o máximo de testemunhas permitido
para cada uma (oito), totalizando dezesseis pessoas para ouvir numa só
data, sem contar os peritos, o ofendido e o réu. Em suma, não é o objetivo
destas linhas tecer comentários acerca de eventual fracasso da concentração
durante a formação da culpa.
No plenário do
Tribunal do Júri, dúvida alguma pode existir. Sempre foi e continuarão
sendo determinantes o princípio da oralidade e seus corolários:
concentração, imediatidade e identidade física do juiz.
A colheita da
prova se faz oralmente, diante dos jurados, devendo-se promover o seu
registro, de preferência, por gravação magnética, o que acelera os
trabalhos e garante a fidelidade das declarações. Há reinquirição direta
pelas partes, sem a necessária intermediação do juiz presidente.
Os debates entre
acusação e defesa realizam-se, como de praxe, oralmente, e nem mesmo são
gravados, bastando um registro resumido na ata a respeito da matéria
alegada pelas partes ao Conselho de Sentença.
Os mesmos jurados
que colheram a prova ficam obrigados a julgar a causa (imediatidade e
identidade física do juiz).
No procedimento
comum, buscou-se conferir o mesmo formato. Todas as provas orais deverão
ser produzidas numa única audiência (art. 400, § 1º, e art. 531, CPP). As
alegações finais serão oralmente produzidas (art. 403, caput, e 534,
caput, CPP). Estabelece-se, pela primeira vez, de maneira expressa,
a identidade física do magistrado: "o juiz que presidiu a instrução
deverá proferir a sentença" (art. 399, § 2º, CPP).
O objetivo, sem
dúvida, é positivo. Resta haver boa vontade das partes e do juiz para que o
procedimento novo seja cumprido. Arrolar testemunhas desnecessariamente,
sabendo-se, de antemão, que nada de útil poderão declarar; não desistir do
depoimento de pessoas que realmente não são localizadas com facilidade;
buscar diligências irrelevantes, mesmo que isso signifique a perda da
audiência única designada; não concordar com a inversão da produção da
prova, em casos de necessidade, sem que altere a estratégia da defesa,
ouvindo-se testemunhas de defesa antes de alguma da acusação; deixar de
comparecer à audiência única alegando os mais variados e superficiais
motivos, enfim, não colaborar para que o processo tramite com celeridade
somente permitirá o fracasso da recente reforma procedimental.
Uma das situações
mais comuns até o presente, que necessita ser alterada de imediato, é o mau
vezo de se permitir a produção de "alegações orais escritas". Em
lugar de haver debates orais, dirigindo-se as partes ao magistrado
presidente da audiência, preferem acusação e defesa ditar as suas
alegações ao escrevente, para que sejam consignadas no termo de audiência.
Tal método está longe de ser alegação oral, configurando-se um nítido
desrespeito à lei, que conta com a concordância de muitos magistrados.
Deve-se fomentar o uso de gravação magnética e, quando as partes se valerem
dos debates orais, registram-se as suas manifestações em fitas ou CDs. Se
houver interesse, poderão ser ouvidas por instância superior. No mais,
ainda que exista o sistema de datilografia na Comarca, deve-se registrar no
termo somente o resumo do que foi pleiteado pelo órgão acusatório e pela
defesa. O mais foi ouvido pelo destinatário das alegações, o julgador.
Medidas
aparentemente simples podem desafogar o Judiciário, na esfera criminal. Em
verdade, representam singelas mudanças de mentalidade, voltando-se a parte
para o processo útil e não para o incentivo à lentidão. Ninguém é vencedor
quando o trâmite processual desenvolve-se por anos a fio, redundando em
fracasso no tocante à real aplicação da lei, seja para absolver, seja para
condenar. A falsa aparência de que a morosidade do processo-crime pode
conduzir à impunidade tem um grave revés: após anos da data do fato,
emerge, por vezes, uma sentença nitidamente injusta. Punir-se com injustiça
pode ser mais grave do que deixar de fazê-lo. Mais propício a todos os que
buscam um Judiciário equilibrado e imparcial, de fato, é a luta pela
celeridade processual. Sentenças mais justas e mais próximas da realidade
coadunam-se com provas proximamente colhidas. Possam os operadores do
Direito dar uma chance à prevalência do princípio da oralidade para que se
conquiste alguma mudança concreta e positiva no processo penal brasileiro.
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