Guilherme De Souza Nucci
Em instigante e
arrojada iniciativa, a Lei 11.719/08 trouxe a lume a viabilidade de cumulação
de competência, permitindo ao juiz criminal a fixação de indenização à
vítima, para a reparação dos danos causados pelo crime. Para tanto, inseriu o
parágrafo único no art. 63: "Transitada em julgado a sentença
condenatória, a execução poderá ser efetuada pelo valor fixado nos termos do
inciso IV do caput do art. 387 deste Código sem prejuízo da liquidação
para a apuração do dano efetivamente sofrido". Incluiu, ainda, o inciso
IV no art. 387, cuidando da sentença condenatória: "fixará valor mínimo
para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos
sofridos pelo ofendido". Deixou de mencionar qual o procedimento a ser
adotado para apurar o referido valor mínimo. Não indicou quem tem
legitimidade para postular a reparação do dano. Caminhou a meio-termo,
mencionando somente um valor mínimo, quando poderia ter expressamente
declinado a viabilidade de fixação do valor total da indenização.
Em razão dessas
omissões, dúvidas surgem por parte dos operadores do Direito, indicando,
basicamente, três alternativas, todas inseguras e, porventura, inadequadas: a)
à falta de indicação do procedimento a seguir e da legitimidade ativa, não se
aplica o novo instituto; b) o juiz criminal gera um procedimento qualquer e
provoca a vítima a pleitear a indenização, podendo conturbar a instrução
criminal; c) o magistrado fixa, de ofício, a indenização ou admite que o
Ministério Público possa pleitear a reparação, sem conceder o direito de
defesa ao réu, causando nulidade irreversível. Em qualquer hipótese, quando o
juiz estabelecer a indenização, se o fizer no contexto do valor mínimo,
permitirá a continuidade da discussão no âmbito civil, o que não contribui em
nada para evitar a duplicidade de demandas e a sobrecarga de processos em
trâmite na Justiça.
A opção por não
permitir o debate em relação à indenização civil no processo criminal
parece-nos inadequada para que não se frustre mais um direito recém criado em
virtude da omissão legislativa. Por outro lado, provocar a vítima para que
possa apresentar o seu pedido e, com isso, ensejar a defesa por parte do
acusado, produzindo-se prova na mesma audiência em que a questão criminal for
debatida, soa-nos a melhor proposta. Deve-se, contudo, evitar o debate de
matéria complexa, que possa provocar sério distúrbio na colheita de prova
interessante à parte criminal, meta maior do processo penal. Se assim
acontecer, ou seja, caso a questão civil mostre-se intrincada, o magistrado
pode limitar o debate ao mínimo indenizável, permitindo que se
continue a discussão na esfera cível. No mais, se o pedido civil for simples,
vale a fixação do valor integral da indenização, buscando-se evitar a
continuidade do processo na Vara Cível.
A terceira hipótese
nos parece inviável. O pedido civil de reparação de dano exige um autor
legitimado a tanto. O Ministério Público não pode pleitear direito alheio em
nome próprio, sem autorização legal, que, efetivamente, não lhe foi
concedida. Não se pode nem mesmo invocar o art. 68 do Código de Processo
Penal, pois, nessa situação, demanda-se a existência de ofendido pobre e que
faça requerimento expresso nesse sentido. A fixação da indenização civil, de
ofício, na decisão condenatória, sem que as partes tenham debatido a sua
extensão, fere a ampla defesa, o contraditório e, conseqüentemente, o devido
processo legal. O réu tem direito inequívoco de se defender tanto no tocante
à questão penal quanto no contexto da civil.
O impasse não é
simples de ser solucionado. Deve-se considerar, entretanto, a boa vontade das
partes para dar cumprimento ao disposto no art. 387, IV, do Código de
Processo Penal. O ideal é haver pedido formulado pela vítima, por meio do
assistente de acusação, cuja legitimação advém da nova lei, ainda que
implicitamente. A partir disso, intima-se o réu para que tome ciência do
pleito e possa apresentar a defesa que tiver. Cremos viável a produção de
prova em audiência, paralelamente à colheita da prova criminal. Indenizações
complexas, no entanto, devem ser dirigidas ao cível, embora o magistrado, na
esfera criminal, possa fixar o valor mínimo. Eventuais obstáculos e problemas
que surgirem devem ser sanados pelo juiz, de acordo com seu prudente
critério, sempre se voltando aos princípios constitucionais fundamentais,
mormente a ampla defesa e o contraditório, assegurando-se o devido processo
legal na sua inteireza.
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