Réu preso. Associação criminosa. Conflito de competência. Excesso de prazo. Necessidade da custódia demonstrada. Garantia da ordem pública.
Rel. Des. Néfi Cordeiro
DANIEL GERBER e outros impetram o presente habeas corpus em favor de NILSON ARAUJO FRANCO, contra ato do Juízo Federal da VF Criminal e JEF Criminal de Novo Hamburgo/RS. Narram que o paciente foi preso, em 18/09/2006, em decorrência de prisão preventiva decretada no curso do Inquérito Policial nº 2006.71.08.010323-1, por possível envolvimento em grupo criminoso dedicado ao tráfico ilícito de entorpecentes provenientes do Paraguai. Referem que o inquérito policial foi recebido pela Justiça Federal, tendo a autoridade apontada como coatora determinado a remessa dos autos à 1ª Vara Federal de Porto Alegre, em razão da competência especializada. Aduzem que sobreveio decisão determinando a cisão do processo e o retorno do feito à Vara Criminal de Novo Hamburgo quanto ao crime de tráfico. Ante o retorno dos autos, a impetrada suscitou conflito negativo de competência, em razão do qual até o presente momento não foi sequer oferecida denúncia contra o paciente. Alegam violação ao disposto no artigo 54 da Lei nº 11.343/2006, que estabelece o prazo de 10 dias para oferecimento da denúncia, no caso de réu preso, sustentando a ocorrência de constrangimento ilegal na manutenção do paciente em cárcere. Argumentam, ainda, que a prisão preventiva foi decretada sem qualquer fundamentação, inexistindo qualquer prova de materialidade ou autoria dos delitos investigados contra o ora paciente, sendo que esse encontra-se preso com base em interpretações dadas pela autoridade policial às escutas telefônicas. Aduzem, ainda, que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva. Quanto à conveniência da instrução, referem que o paciente é um senhor idoso, não tendo sido citado no inquérito por ninguém. No que se refere à garantia da ordem pública argumentam que há tranqüilidade no corpo social e não seria o fato de dar-se liberdade a um senhor idoso que iria ocasionar tumulto. No que pertine à aplicação da lei penal, afirmam que o paciente possui família, bens, casa própria e comércio em Taquara/RS. Requerem, inclusive por liminar diferida, a concessão do habeas corpus para soltura do paciente, tendo em vista o excesso de prazo e a ausência dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. Pleiteiam, também, que “antes de analisar o pedido liminar que ora se faz, requeira as informações necessárias à autoridade coatora para, somente após recebê-las, aprecie tal pedido que, espera-se, seja deferido e confirmado quando do julgamento final do presente.“ (fl. 19) É o relatório. DECIDO. Inicialmente, esclareço que deve ser indeferido o pedido dos impetrantes para que se requeira informações ao Juízo impetrado, tendo em vista que os autos do inquérito encontram-se neste Gabinete para julgamento de Conflito Negativo de Competência. Assim, passo ao exame do pedido de liminar de soltura do paciente. A privação da liberdade só se justifica em situações excepcionais. Mais, devem as hipóteses de garantia da ordem pública/econômica, da instrução criminal ou de aplicação da lei penal, ser baseadas em concretos atos do processado que impliquem em ameaça a tais valores: “PENAL. HABEAS CORPUS. CRIMES CONTRA O SISTEMA FINANCEIRO. LEI Nº 7.249/86. SENTENÇA CONDENATÓRIA. APELAÇÃO CONDICIONADA AO RECOLHIMENTO À PRISÃO. MAUS ANTECEENTES. RÉUS SOLTOS. DURANTE A INSTRUÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. 1. A constrição da liberdade consiste em medida excepcional, só podendo ser restrita mediante decisão judicial bem fundamentada, na qual se demonstre, de forma subsistente, estar configurado o periculum libertatis. 2 . (...) (HC Nº 2003.04.01.040940-4, TRF 4ª R, 7ª Turma, rel. des. federal Tadaaqui Hirose, DJU, ed. 29-10-2003, p. 395)“. Não pode a prisão provisória servir como antecipação da pena final, pelo que em seu exame (da provisória) não se levam em consideração as próprias circunstâncias do crime, a certeza da condenação ou a culpabilidade do agente, fatores que serão devidamente examinados na valoração da pena em caso de condenação. Na espécie, foi a prisão preventiva decretada pelos seguintes fundamentos: “(...) Encontram-se presentes os requisitos que autorizam a prisão preventiva, pois a materialidade está provada e os indícios de autoria do delito estão claros, como se pode verificar nos vários flagrantes já ocorridos, corroborados pelas informações decorrentes dos monitoramentos telefônicos que estabelecem a relação entre os vários elementos da organização como já descrito anteriormente e bem demonstrado no relatório da autoridade policial, fls. 281/368. Ademais, como bem sustentado pelo i. Delegado de Polícia, a prisão preventiva dos investigados se justifica pela necessidade de segregação para que possa ser ultimada a investigação, pois, uma vez soltos, poderiam fugir ou dificultar a colheita de provas, somando-se ao fato de que a autoridade policial ainda trabalha no desmantelamento de outras ramificações do grupo, que poderiam ficar prejudicadas. Além disso, é necessária a repressão às atividades ilícitas que desenvolvem, visto que, ainda que ocorridos vários flagrantes, os indivíduos soltos têm continuado suas negociações. ... impõe-se o decreto da prisão para a garantia da ordem pública e por conveniência da instrução criminal, assegurando-se o fiel cumprimento da lei penal.“ (grifei) Aponta a decisão existir prova da materialidade do crime e indícios de autoria por fatos que expõem a forma de agir de verdadeira e bem estruturada associação criminosa, que mesmo com a prisão de alguns de seus integrantes continuou a praticar crimes. Entendo que efetivamente suprem tais provas as condições legais obrigatórias para a prisão preventiva. Não vejo o apontado risco ao processo, porque o fundamento de que poderia o acusado, se solto, dificultar a colheita de provas, é mera conjectura, sem qualquer base em atos concretos do preso. Com efeito, não foi apontado qualquer ato demonstrador da intenção de prejudicar a instrução criminal, pelo que rejeito este fundamento. Há, ainda, o fundamento de garantia da ordem pública. Com efeito, entendo que é realmente possível a prisão para garantia da ordem pública, ante a reiteração delitiva da associação criminosa e a continuidade dos crimes, pelo que se pode manter-se preso os principais agentes da estrutura, pois somente aqueles com intensa e efetiva participação poderão fazer prosseguir a atividade criminosa do grupo. Essa situação se faz presente na espécie. Aponta a decisão impetrada que: “(...) - ADILSON FRANCO, conhecido como TUFÃO, e NILSON FRANCO – anteriormente vinculados à revenda Covel Veículos, mantém contatos com JAIR DE OLIVEIRA, JAIR DUTRA DA SILVA e VOLMIR LESEUX, para negociar a compra e venda dos entorpecentes em troca de veículos, sendo que, provavelmente, a eles seria destinada a COCAÍNA apreendida no flagrante que resultou na prisão de VAGNER FERNANDO DOS SANTOS e REGINALDO MAGAGNIN ocorrido em Nova Hartz/RS, em 19/07/06, tendo inclusive mantido contatos telefônicos com a esposa de REGINALDO demonstrando preocupação com o desenrolar das investigações.“ Como se vê, há indícios suficientes de existência de grupo criminoso atuante no tráfico de entorpecentes, e de participação relevante do paciente nessa estrutura criminosa. Sendo assim, tenho que é justificável a prisão cautelar para garantia da ordem pública, evitando-se, com a liberação de relevante integrante, a reiteração de ilícitos da associação criminosa. Quanto ao pretendido constrangimento ilegal por excesso de prazo da prisão, vale ressaltar que no que toca ao delito de tráfico o prazo previsto, considerada a Lei nº 10.409/02, é de 91 (noventa e um) dias, sendo este período considerado como limite para o término da instrução criminal no caso de réu preso. Os prazos consignados na lei processual para a conclusão da instrução criminal devem ser abrandados, atentando o julgador as peculiaridades de cada ação criminal - aqui entendidas como a complexidade da causa pela situação fática em si, pelo número de investigados e também pelas dificuldades inerentes à realização de diligências. Com efeito, uníssona é a jurisprudência no sentido de que o constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido quando a demora for injustificada, impondo-se a adoção de critério de razoabilidade no exame da ocorrência de constrangimento ilegal. Desta forma, embora a lei estabeleça prazos máximos para a formação da culpa na hipótese de réu preso, tem-se, à luz do principio da razoabilidade, que não se consubstancia constrangimento ilegal pelo tão simples ultrapassar do prazo, quando verificada a complexidade fática da causa, mormente quando desvelada a existência de estrutura criminosa, como na hipótese dos autos. A propósito, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: CRIMINAL. HC. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. PRISÃO PREVENTIVA. PECULIARIDADES DO FATO CONCRETO. DECRETO FUNDAMENTADO. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. EXCESSO DE PRAZO. GREVE DOS SERVENTUÁRIOS DA JUSTIÇA. FEITO COMPLEXO. PLURALIDADE DE RÉUS E DE TESTEMUNHAS. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. PRAZO PARA A CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO QUE NÃO É ABSOLUTO. TRÂMITE REGULAR. ORDEM DENEGADA I. Pleito de revogação da custódia cautelar decretada em desfavor do paciente sob os fundamentos da deficiência na sua fundamentação e de ocorrência de excesso de prazo para o encerramento da instrução processual. II. Hipótese na qual a instabilidade da ordem pública local teria sido afetada pela ousadia apresentada pelos acusados, entre eles o paciente, que seriam responsáveis pelo cometimento de vários crimes na localidade de Paulo Afonso/BA, atuando, inclusive, no Estado de Pernambuco, evidenciando a existência de uma intrincada organização criminosa responsável pela receptação de vários veículos na região, bem como a existência de um esquema de desmanche dos produtos obtidos na atividade ilícita. III. Não se vislumbra qualquer deficiência na decretação da custódia cautelar, tampouco no acórdão confirmatório da segregação, tendo em vista que procedida em conformidade com as exigências legais, atendendo aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. IV. Tratando-se de processo criminal que tramita regularmente, tendo sido retardado, apenas em parte, em decorrência da pluralidade de réus (seis), dos delitos cometidos, da greve dos servidores do Judiciário local, bem como da notória complexidade do feito, certa demora no encerramento da instrução processual pode ser justificada, em respeito ao Princípio da Razoabilidade. V. A greve dos servidores do Poder Judiciário constitui motivo de força maior, não configurando desídia da autoridade impetrada e não ensejando, por si só, a revogação da custódia cautelar. Precedente. VI. O prazo de 81 dias para a conclusão da instrução criminal não é absoluto VII. O constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido quando a demora for injustificada. VIII. Ordem denegada. (HC nº 200500004230/BA, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 09/05/2005 p. 444) Finalmente, além de ausente o requisito relevância do direito argüido, é de se apontar que se encontra preso o paciente há aproximadamente quarenta dias, o que exclui a especial urgência a impedir a final decisão de mérito dentro do célere rito do habeas corpus. Assim, indefiro a liminar pleiteada. Dê-se vista ao Ministério Público Federal. Intimem-se. (DJU2, 07.11.06, p 430)
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