Penhor mercantil. Ordem de entrega dos bens decretada. Depositário infiel. Intimação pessoal para o cumprimento da obrigação. Necessidade.
Rel. Des. Maria De Fátima Freitas Labarrère
Cuida-se de habeas corpus impetrado contra ato do MM. Juízo Substituto da 2ª Vara Federal e JEF Criminal de Rio Grande em favor de OTAVIO SCHERR. Nos dizeres da inicial, o paciente é demandado perante a 2ª Vara da Subseção Judiciária de Rio Grande/RS, por uma ação de depósito, autos nº 98.10.00725-6, movida pela Companhia Nacional de Abastecimento - CONAB, em cujos autos foi o autor intimado a restituir R$ 1.118.793 (um milhão, cento e dezoito reais e setecentos e noventa e três quilogramas) de casca de arroz em casca natural, ou seu equivalente, no prazo de vinte e quatro horas, sob pena de prisão, conforme o disposto no artigo 904, § único, do CPC, combinado com o artigo 652 do CCB e artigo 5º, LXVII da CF. Narra que em 11 de outubro de 2006 foi determinado que o paciente fosse intimado pessoalmente para restituir a coisa depositada, para evitar a decretação da prisão. Porém, jamais recebeu tal intimação, sendo ilegal a sua prisão. Resultou disso a prisão de um agricultor que se encontra em fase de colheita, totalmente ocupado em labor produtivo e útil à sociedade. Isto quase um ano depois, sem prévia intimação pessoal da parte, incorrendo em nulidade processual, em ofensa ao princípio constitucional que consagra a ampla defesa. Sustenta que a intimação prévia e pessoal da parte era requisito formal indispensável à validade do processo. Argumenta a ocorrência de prescrição pois o feito foi ajuizado em 1998, de modo que o depósito de um cereal perecível não poderia ser feito anos após. Refere a ausência de justa causa para a prisão, pela ocorrência da prescrição do direito de pleitear a restituição dos bens. Requer a concessão de medida liminar. Decido. As informações prestadas pela autoridade impetrada dão conta de que o paciente foi condenado nos autos da Ação de Depósito nº 98.1000725-6, à entrega de 1.118.793 Kg de arroz em casca natural, ou seu equivalente em dinheiro, à CONAB, tomando-se por base o melhor preço vigente na região à época do pagamento. Na sentença ficou determinada a expedição do mandado de devolução após seu trânsito em julgado e ressalvado que, acaso não cumprido o mandado, seria decretada a prisão do depositário infiel, na forma do parágrafo único do artigo 904 do CPC. Transitada em julgado a sentença, após a interposição do respectivo recurso de apelação, ao qual foi negado provimento, restou deflagrada a execução pela autora, tendo o paciente sido intimado pessoalmente -na primeira manifestação do juízo - para a restituição do bem ou pagamento do equivalente em dinheiro. O paciente restou intimado em pelo menos mais duas oportunidades, quando afastada pelo exeqüente qualquer possibilidade de acordo. Daí a decisão que determinou a expedição de mandado de prisão contra o paciente. Inicialmente cumpre enfatizar que a prescrição para a propositura da ação de depósito não é matéria a ser solucionada nesta via. Isto porque o exame acerca da ocorrência de constrangimento ilegal não passa pela análise da viabilidade da demanda perante o juízo cível, sob qualquer aspecto. Neste caso, o exame fica restrito à questão da necessidade de intimação pessoal, uma vez que, segundo se depreende das informações, do ato que culminou na decretação da prisão, não foi o paciente pessoalmente intimado. Conforme se extrai dos autos, na oportunidade em que foi determinada a intimação do devedor, deferindo-lhe nova oportunidade para a realização do pagamento,a fim de evitar a determinação de prisão do depositário, a intimação se deu por nota de expediente em nome do procurador do réu, com publicação em 14 de novembro de 2006. Com efeito, esta Corte já manifestou entendimento no sentido de necessidade de intimação pessoal do depositário, nos seguintes termos: EMENTA: HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. LONGO DECURSO DE TEMPO ENTRE A PENHORA E A ORDEM DE ENTREGA DOS BENS. INTIMAÇÃO EDITALÍCIA. 1 - Não se mostra razoável exigir a entrega dos bens penhorados ao depositário após longo tempo (mais de vinte anos), uma vez que o seu decurso importa em natural deterioração. 2 - O depositário deve ser intimado pessoalmente para entrega dos bens penhorados, excetuando-se a hipótese de sua comprovada má-fé em esquivar-se do oficial de justiça, podendo-se, após esgotados todos os meios para sua localização, intimá-lo por edital. 3 - Ordem concedida. (TRF4, HC 2006.04.00.022712-4, Oitava Turma, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, publicado em 30/08/2006) - o grifo é nosso. EMENTA: PENAL. CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PENHOR MERCANTIL. AÇÃO DE DEPÓSITO. DEPOSITÁRIO INFIEL. PRISÃO CIVIL. CABIMENTO. FURTO DO BEM DEPOSITADO. PROVA. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. 1. Cabe Ação de Depósito resultante da conversão da Medida Cautelar de Busca e Apreensão intentada frente à Ação de Execução frustrada. Esse, previsto no artigo 904, do CPC, não se vincula diretamente ao contrato de penhor mercantil, mas sim à garantia forçada do Juízo. 2. Proporcionados todos os meios de defesa previstos na legislação constitucional e infraconstitucional e transitada em julgado a sentença que dá provimento à Ação de Depósito, é autorizada a prisão do Réu após a intimação pessoal para entrega da coisa depositada ou pagamento do equivalente em dinheiro que tenha restado infrutífera. 3. Considera-se extemporânea a ocorrência declarada frente à autoridade policial (B. O.) quatro anos após o suposto roubo da coisa depositada. 4. Boletim de Ocorrência extemporaneamente apresentado não pode ser considerado, pois apenas demonstra que foi relatado um furto perante a autoridade policial, não estando atestada a veracidade desse depoimento. A declaração em questão é dotada apenas de presunção iuris tantum, devendo ser contrabalançada com outros elementos de prova reunidos. 5. A prisão civil não se constitui em pena, mas sim em medida coercitiva excepcionalíssima para remover os obstáculos que eventualmente esteja criando o réu. 6. A CF, no artigo 5º, inciso LXVII prevê a prisão civil do depositário infiel, sendo que o Pacto de São José da Costa Rica, como tratado internacional, não pode revogar dispositivo constitucional expresso. Precedentes dessa Corte e do STF. (TRF4, HC 2003.04.01.024714-3, Sétima Turma, Relator Tadaaqui Hirose, publicado em 01/10/2003) - o grifo é nosso. Nestes termos, presente a plausibilidade nas alegações da inicial, defiro a medida liminar postulada, até pronunciamento da Turma. Dê-se vista ao Ministério Público Federal. Porto Alegre, 25 de abril de 2007.
0 Responses