Inconstitucionalidade da exigência de contribuições previdenciárias incidentes sobre a produção rural. Suspensão da ação penal. Matéria cível em discussão. Entendimento do STF. Complexidade e relevância. Arts. 93 do CPP e 116, I, do CP.
Rel. Juíza Eloy Bernst Justo
- Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, que Juliana Sarmento Cardoso impetra em favor de Romeu Domingos Andreazza objetivando a suspensão do curso da Ação Penal nº 2006.71.06.002014-9, em trâmite perante a Vara Federal da Subseção Judiciária de Santana do Livramento-RS. O paciente, nos autos do processo-crime originário, foi denunciado pela prática, em tese, do delito previsto no artigo 168-A do Código Penal, porquanto, “na condição de presidente responsável pela administração“ da Cooperativa Agroindustrial de Rosário do Sul, “deixou de recolher ao INSS, no prazo legal, as contribuições sociais arrecadas dos empregados segurados e descontadas da respectiva remuneração, referentes às competências de 08/2000 a 01/2001“, totalizando o débito a importância de R$ 73.550,72 (setenta e três mil, quinhentos e cinqüenta reais e setenta e dois centavos). Refere a impetrante que a entidade gerida pelo réu ingressou, junto ao Juízo Cível, com medida judicial impugnando a constitucionalidade da contribuição ao FUNRURAL, tendo obtido decisão, em antecipação de tutela, suspendendo a exigibilidade da exação (processo nº 2000.71.06.001303-9). Pretende, desse modo, conforme facultado pelo artigo 93 da Lei Adjetiva Penal, a suspensão da persecução penal. É o relatório. Decido. Inicialmente, cumpre registrar a ocorrência de equívoco, por parte do ilustre órgão ministerial, na formulação da inaugural acusatória, pois que, em verdade, não se está a tratar, na espécie, de contribuições previdenciárias descontadas dos empregados e não repassadas ao Instituto Nacional do Seguro Social, mas sim daquelas incidentes sobre a produção rural, consoante expressamente referido no Discriminativo Analítico de Débito que embasa a peça incoativa (fls. 89-90). Tal explicitação, esclareço, faz-se imprescindível em razão dos argumentos expendidos na exordial do writ, os quais concernem, exclusivamente, à constitucionalidade das contribuições destinadas ao Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural - FUNRURAL. Pois bem. A matéria cível em discussão, deveras, reveste-se da complexidade e relevância exigidas para o exercício da opção prevista no artigo 93 do Código de Processo Penal. Não bastasse, para tanto, a medida initio litis concedida na ação cível movida pela Cooperativa, faz-se mister observar que esta Corte, ao apreciar a AMS nº 1999.71.00.021280-5/RS, já assentou, em sessão plenária, a inconstitucionalidade do art. 25, caput, I e II, e § 1º, da Lei nº 8.870/94. Ademais, não se pode olvidar que a constitucionalidade da exigência da contribuição previdenciária incidente sobre a receita bruta proveniente da comercialização da produção rural prevista no artigo 25, I, da Lei nº 8.212/91, com as alterações decorrentes das Leis nº 8.540/92, nº 8.870/94 e nº 9.528/97, também encontra-se em apreciação perante o Pretório Excelso no Recurso Extraordinário nº 363.852/MG, sendo que, iniciado o julgamento, já acataram a tese de afronta ao texto da Magna Carta os Ministros Eros Grau, Ricardo Lewandowski, Carlos Britto e Marco Aurélio (relator). Logo, dependendo a existência do crime imputado ao paciente da solução definitiva a ser dada à controvérsia cível (uma vez que em debate a própria existência do tributo), entendo, levando em consideração que o teor de tal questão reveste-se de complexidade jurídica não-penal, que se deve aplicar à hipótese a faculdade em comento prevista no diploma processual penal. Nessa exata linha de conta, em feito que versava sobre a mesma matéria de fundo, já firmou entendimento a Colenda 7ª Turma deste Regional (ACR nº 2002.71.05.010330-2/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Néfi Cordeiro, DJU 07.03.2007). A respeito da suspensão do curso da ação penal, Espínola Filho (in Código de Direito Processual Penal Brasileiro Anotado. 6. ed. Rio de Janeiro: Borsoi. v. 2, p. 242) vaticina que, “segundo o art. 93 do Código de Processo Penal, é dever precípuo do juiz criminal examinar e decidir a prejudicial, sempre que se trate de uma questão de fácil solução, ou quando, embora difícil, a espécie verse acerca de direito, para cuja prova faz a lei civil em ordem a tornar líquida a existência do direito, sem altas indagações, pois ou existe a prova especial reclamada e que torna certo tal direito, ou não se faz essa prova e o direito inexiste. Quando, porém, a questão prejudicial for de difícil solução, admitindo vários meios de prova, o juiz criminal só é forçado a resolvê-la, no próprio processo penal, se não tiver sido proposta, no juízo cível, a ação competente para dirimir a controvérsia. Se já tiver sido proposta a ação cível, pode o juiz criminal, mas a isso não é obrigado (o juiz criminal poderá - diz o art. 93 , que continua regulando o assunto), sobrestar a ação penal, à espera de que, no cível, seja julgada a questão“. Todavia, em casos tais, no embate entre o exercício do jus persequendi estatal e o direito do acusado de porfiar perante o juízo cível a legalidade e/ou constitucionalidade da exação, há de se buscar um ponto de equilíbrio, no qual restem preservadas as duas pretensões, o que se faz através do reconhecimento de suspensão da ação penal e, também, do curso do prazo prescricional, nos moldes do permissivo contido no artigo 116, I, do Código Penal. Sendo assim, até o exame do mérito desta impetração pelo Colegiado, defiro a tutela de urgência postulada para determinar a suspensão da ação penal originária e da prescrição da pretensão punitiva. Comunique-se, com urgência, à indigitada autoridade coatora, requisitando-se-lhe, inclusive, informações. Após, dê-se vista do mandamus à Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 18 de maio de 2007.
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