Habeas Corpus Nº 2007.04.00.022107-2/pr

Depositário infiel. Furto do bem objeto do depósito. Prisão civil. Possibilidade mesmo após o advento da EC 45/2004 que introduziu o § 3º no art. 5º da CF.

Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz


Cuida-se de habeas corpus preventivo que Maria Eufrasia da Silva impetra em favor de Nailda Ferreira da Silva, objetivando a expedição de salvo-conduto à paciente, tendo em vista encontrar-se na iminência de ser presa, na qualidade de depositária infiel, por força de decisão exarada nos autos da Ação nº 2004.70.05.005033-0-PR, em trâmite perante a 2ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Cascavel-PR. Argumenta a impetrante, em síntese, que a paciente não se reveste da qualidade de depositária infiel, uma vez que o bem objeto do depósito foi furtado, o que impossibilita e justifica a não-devolução. Refere que o nosso direito acolhe a exoneração da responsabilidade civil nas hipóteses de caso fortuito ou força maior, como é o caso em análise. Ainda, lembra que a devedora não se está esquivando de pagar a multa que lhe foi aplicada, apenas não tem como devolver o ônibus em razão de ter sido furtado. Por fim, diz que “a Fazenda Nacional utiliza-se de meio coercitivo impróprio para a cobrança de sua dívida, permitindo-se, de forma canhestra, a prisão por dívida no ordenamento brasileiro, em verdadeira afronta ao artigo 5º, LXVII, da Constituição Federal e ao Pacto de São José da Costa Rica.“. Requer, sem pedido de liminar, a revogação da prisão civil decretada, bem como a inteira improcedência da sentença de fls. 225/226, no tocante à multa aplicada. É o relatório. Decido. Inicialmente, consigne-se que inobstante não tenha sido formulado pedido liminar, em se tratando de mandado de prisão já expedido em desfavor da paciente, é de ser analisada a possibilidade de sua revogação, sob pena de prejuízo à parte. Entretanto, na espécie, neste juízo de cognição sumária, não se vislumbra qualquer ilegalidade na decisão da magistrada a quo a ser sanada por meio deste remédio heróico. De fato, ao depositário compete, como é cediço, o exercício de uma função pública, auxiliar do Juízo, cumprindo-lhe zelar pela integridade dos bens, de forma que, delineada sua infidelidade no exercício das atribuições que lhe foram conferidas, afigura-se plenamente justificável o decreto de prisão, a ser efetuado nos próprios autos em que o encargo foi constituído, a teor da Súmula nº 619 do Supremo Tribunal Federal. A decretação da prisão, ao contrário do alegado pela impetrante, não significa afronta ao Pacto de São José da Costa Rica, pois conforme já assentado pelo egrégio STJ: ““CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL DE DEPOSITÁRIO INFIEL. POSSIBILIDADE, MESMO APÓS O ADVENTO DA EC 45/2004, QUE INTRODUZIU O § 3º NO ART. 5º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PENHORA EM EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA SUPERVENIENTE. SÚMULA 305/STJ. NÃO INCIDENTE NA HIPÓTESE DOS AUTOS.... 3. Quanto aos tratados sobre direitos humanos preexistentes à EC 45/2004, a transformação da sua força normativa - de ordinária para constitucional - também supõe a observância do requisito formal de ratificação pelas Casas do Congresso, por quorum qualificado de três quintos. Tal requisito não foi atendido, até a presente data, em relação ao Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos). Continua prevalecendo, por isso, o art. 5º, LXVII, da Constituição Federal, que autoriza a prisão civil do depositário infiel. 4. É cabível a prisão civil de depositário infiel de bens penhorados em execução fiscal. ...“ (STJ, Primeira Turma, RHC nº 19087/MG, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, DJU 29.05.2006, p. 158) (grifei). Afastada a aventada inconstitucionalidade na medida levada a efeito, passa-se à análise do caso em questão. Está plenamente demonstrado que a paciente assumiu o encargo de depositária do bem (fl. 144) e que, intimada a apresentá-lo, em 08 de agosto do ano de 2006, não o fez. Em razão de tal inércia, foi-lhe decretada a prisão civil na data de 15 de janeiro de 2007, conforme decisão encartada à fl. 173 destes autos. Após, a devedora juntou aos autos originários petição postulando a reconsideração de tal ordem, alegando que vinha honrando o pagamento da multa, sem nada dizer quanto ao furto do veículo, que já havia ocorrido no ano anterior - agosto de 2006. Noticiou tal fato somente em petição protocolada posteriormente. Como se vê, do breve escorço fático, por ora, não há motivos para se afastar as conclusões da julgadora de primeiro grau, restando demonstrado o total descaso da depositária com o ônus assumido, sendo que há indícios concretos da alienação do bem. Vejamos: 1) a paciente não comunicou, contemporaneamente, o evento delituoso, furto, nos autos do processo; 2) o ônibus se encontrava em poder de terceira pessoa na data do sinistro, que não a paciente, e que se intitulou, no momento da lavratura da ocorrência, como proprietária do bem (fls. 183/184), e 3) o veículo encontrava-se estacionado em via pública quando do furto, ficando até uma semana ali parado, conforme declarações da própria vítima - terceira. Portanto, está descaracterizado, neste juízo preliminar, o caso fortuito ou força maior que afastaria a possibilidade de decretação da prisão civil pela não-apresentação do bem. Nesse sentido: Habeas Corpus. Depositário infiel. Prisão. 2. O STF tem admitido a prisão civil de depositário infiel, em alienação fiduciária em garantia. Precedentes. 3. Furto do veículo. Caracterização de força maior. 4. Hipótese em que houve anterior venda, sem o conhecimento do credor. Condição de depositário infiel já estava caracterizada, desde data anterior à do alegado furto. 5. Habeas corpus indeferido.“ (STF - HC - 76229/SP, DJ 02-06-2000, p. 7, Relator NÉRI DA SILVEIRA). “ADMINISTRATIVO - DEPOSITÁRIO INFIEL - PRISÃO CIVIL - DESOBEDIÊNCIA A ORDEM JUDICIAL - HABEAS CORPUS DENEGADO. ... 2. É dever do depositário zelar pelos bens sob sua guarda e responsabilidade, devendo comunicar ao juízo as hipóteses de perecimento do bem, em virtude de fortuito ou força maior. 3. A desobediência a ordem judicial, pelo descumprimento dos deveres e obrigações, gera prisão civil por infidelidade no desempenho do múnus. 4. Habeas corpus denegado.“ (HC - 37905/RS, 2ª Turma, DJ 17/12/2004, p. 470, Relator ELIANA CALMON). Por fim, não se pode deixar de registrar que o habeas corpus não é o meio adequado para desconstituir a multa aplicada por litigância de má-fé, devendo a parte apresentar tal inconformidade em recurso próprio. Sendo assim, indefiro a tutela de urgência. Requisitem-se informações ao Juízo impetrado. Após, dê-se vista do writ à Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 11 de julho de 2007.

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