Contrabando. Reiteração da conduta. Custódia preventiva. Réu preso há mais de seis meses por não ter pago a fiança arbitrada. Excesso de prazo para a formação da culpa além dos limites da razoabilidade. Constrangimento ilegal.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, ajuizado por Emanoel Silveira de Souza e Vilson Dreher, em favor de JÚLIO CÉSAR TRINDADE, tendo em conta decisão do Juízo da Vara Federal de Pato Branco, nos autos da ação penal nº 2007.70.12.000622-1. Consoante se infere dos autos, o paciente foi preso em flagrante no dia 05.07.2007, pela prática da infração prevista no artigo 334 do Código Penal. Postulada a liberdade provisória, o ilustre julgador a quo indeferiu o pedido, entendendo presentes os requisitos legais para a prisão preventiva, nas seguintes letras: “JÚLIO CÉSAR TRINDADE, por meio de seu procurador constituído, ingressou com pedido de liberdade provisória com ou sem arbitramento de fiança. Refere que o requerente se encontra recolhido à prisão na Cadeia Pública do Município de Pato Branco/PR, tendo sido preso em flagrante delito na data de 05/07/2007 pela prática do delito tipificado no art. 334 do Código Penal. No entanto, o valor das mercadorias apreendidas é inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais), sendo, portanto, atípica a conduta. Além disso, possui domicílio fixo, atividade laboral lícita, é primário e de bons antecedentes, não havendo motivos para a manutenção da custódia no curso do processo. Anexou os documentos necessários à comprovação do alegado (fls. 08/44). Realizada busca pela Secretaria desta Vara em cadastros públicos acerca do requerente, foi dada vista ao Ministério Público Federal, manifestando-se o Parquet pela concessão da liberdade mediante fiança. Relatei brevemente. Decido. No caso dos autos, descabe a concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança. Com efeito, o requerente refere ter endereço fixo e ocupação lícita, anexando aviso de vencimento de energia elétrica, em nome de sua genitora (fl. 11) e declaração de seu empregador (fl. 12). Todavia, ainda que tenha atividade lícita e endereço fixo, é de ser mantida a custódia cautelar quando presente alguma das hipóteses do art. 312 do Código de Processo Penal. Com efeito, Júlio César Trindade já foi preso em flagrante pela prática do delito de contrabando ou descaminho em 08/09/2006, sendo deferido o pedido de liberdade provisória mediante fiança nos autos nº 2006.70.12.000737-3, em 12/09/2006 (fl. 54). Dispõem os arts. 341 e 343 do Estatuto Processual Penal que, aquele que, na vigência de fiança vier a praticar outra infração penal, deverá ser recolhido à prisão, vedada nova concessão do benefício (art. 324). Assim, se haverá revogação do benefício concedido nos autos nº 2006.70.12.000737-3, com a decretação de prisão preventiva, não há porque conceder aqui a liberdade provisória, com ou sem fiança. No mais, a prática do mesmo delito em tão pouco tempo indica que o requerente utiliza o crime como meio de manutenção e subsistência, o que impõe a decretação da prisão preventiva para garantia da ordem pública (artigo 312 do CPP), de forma a evitar a prática de fatos criminosos e a credibilidade da justiça que foi afetada com a quebra da fiança (...). Outrossim, quanto à alegação de atipicidade da conduta, deve ser referido que, tratando-se de reiteração delituosa do crime de contrabando/descaminho de cigarros (em tese) a jurisprudência do TRF/4ª vem afastando a aplicação do princípio da insignificância. (...) Ante o exposto, indefiro o pedido de liberdade provisória.“ Contra esse decisum, foi impetrado o HC nº 2007.04.00.022908-3, em que a 8ª Turma desta Corte decidiu, por maioria, vencido este Relator, conceder em parte a ordem para deferir o benefício da liberdade provisória mediante o recolhimento de fiança no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) nos termos da seguinte ementa: PENAL. HABEAS CORPUS. DESCAMINHO. ANTECEDENTES. CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA COM PRESTAÇÃO DE FIANÇA. POSSIBILIDADE. Nos casos de contrabando e descaminho, a jurisprudência da Corte, em recentes arestos, vem se pronunciando pela possibilidade de concessão de liberdade provisória, mediante o arbitramento de fiança, mesmo nas hipóteses em que o agente apresente antecedentes pela prática da conduta delitiva, relevando-se a situação pregressa na fixação do quantum da fiança, de forma a fortalecer o vínculo entre o paciente e o juízo. (Relator p/o Acórdão Des. Paulo Afonso Brum Vaz, julg. em 25/07/07, public. no DJU em 02/08/2007). O Parquet ofertou denúncia, a qual restou recebida pelo magistrado em 29/08/2007. O interrogatório de JÚLIO CÉSAR foi realizado em 06/09/2007, designando-se para o dia 12 de dezembro corrente a audiência de inquirição das testemunhas de acusação. Nada obstante, segundo consta dos autos, o réu permaneceu preso, por não ter o pago o valor da fiança arbitrada. Diante disso, foi ajuizado o presente mandamus. Os Impetrantes sustentam, em resumo, que a existência de outro procedimento criminal em desfavor do paciente não justifica a prisão preventiva, em face de já ter sido expedido alvará de soltura naquele feito. Aduzem não possuir ele condições financeiras, nem sua família, para pagar dez mil reais a título de fiança, pois “era apenas o condutor do veículo, tendo sido abandonado pelos proprietários das mercadorias“. Defendem também a existência de excesso de prazo da custódia cautelar, na medida em que se encontra recolhido há mais de seis meses, sem que até o momento tenha sido concluída a fase de instrução. Desse modo, argumentando a existência de constrangimento ilegal, requerem a concessão de liminar para que seja, de imediato, deferida ao Paciente a liberdade provisória. Em que pese a existência de outra ação penal por fato análogo, certo é que a 8ª Turma, apreciando precedente writ ajuizado em favor de JÚLIO CÉSAR, entendeu, por decisão majoritária, não estarem presentes in casu os requisitos da prisão preventiva, autorizando a liberação do acusado mediante o pagamento de fiança. Frente a esse quadro, nas circunstâncias descritas, é de se dar crédito às afirmações contidas na inicial no sentido da ausência de recursos, até porque, se o Paciente tivesse numerário disponível, em tese, já teria efetuado o recolhimento da garantia, pois o dispêndio de valor pecuniário ainda se mostra mais vantajoso para o réu do que o cárcere, principalmente considerando que a ordem, estabelecendo a fiança, restou concedida em agosto deste ano. A par disso, segundo se verifica em consulta ao sistema de informações processuais, após a realização do interrogatório do paciente (em setembro) a próxima audiência foi designada para três meses depois (12 de dezembro). O réu, entretanto, permaneceu preso, eis que não prestou a fiança necessária para adquirir a liberdade provisória. Nesse contexto, apesar dos doutos fundamentos que embasaram a decretação da custódia cautelar, merece acolhida, a priori, a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo, uma vez que inexiste nos autos justificativa razoável para a demora na tramitação do feito, estando o acusado recolhido, atualmente, há mais de seis meses. Efetivamente, conforme temos decidido em situações similares, é necessário lembrar que, quanto aos prazos no Processo Penal, impõe-se considerá-los sob a perspectiva da razoabilidade, em vez de se adotar parâmetros rígidos e imutáveis. O limite de 101 dias para o término da instrução, na Justiça Federal, resulta de construção pretoriana, considerando a mera soma aritmética dos lapsos temporais estabelecidos no Estatuto Penal Adjetivo. A jurisprudência é remansosa no sentido de que o aludido prazo não constitui período fatal e peremptório, podendo ser mitigado frente às peculiaridades do caso concreto. Demora razoável, justificada pelas várias diligências realizadas no processo, há de ser aceita, não consubstanciando caráter excessivo da segregação. No caso dos autos, todavia, restaram excedidos os limites da razoabilidade, uma vez que, tendo a denúncia sido recebida em agosto deste ano, já transcorreu prazo suficiente para a conclusão da instrução criminal, desde a data da prisão em flagrante. Ademais, o delito em tese praticado não se reveste de extrema gravidade, inexistindo notícia de diligências complexas para realizar, nem de ato protelatório que se possa imputar à defesa. Assim, mostra-se medida consentânea com a justiça a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente. Veja-se, a propósito, o entendimento desta 8ª Turma em casos análogos, verbis: PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. EXCEDIMENTO DO PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA ALÉM DOS LIMITES DA RAZOABILIDADE. REVOGAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA. O excesso de prazo verificado na instrução da ação penal com réu preso, não havendo justificativa razoável para a demora processual, tampouco tendo a defesa concorrido para tanto, caracteriza constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do denunciado sendo de rigor o relaxamento da segregação, assegurando-se-lhe o direito de responder ao processo em liberdade. (HC nº 2005.04.01.046741-3/SC, Relator para o Acórdão Des. Paulo Afonso Brum Vaz, public. no DJU em 07/12/2005) PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO. CONSTRANGIMENTO. Merece acolhida a alegação de excesso de prazo, quando, estando o réu preso, inexiste justificativa para a demora na tramitação do feito, ultrapassando os limites da razoabilidade. Precedentes. (HC nº 2006.04.00.039777-7/RS, Rel. Des. Élcio Pinheiro de Castro, julg. em 07/02/2007, public. no DJU em 14/02/2007). Ante o exposto, defiro a liminar requerida para conceder liberdade provisória ao Paciente Júlio César Trindade, nos autos da ação penal nº 2007.70.12.000622-1, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo. Comunique-se, com urgência, à Vara Federal de Pato Branco, solicitando informações pormenorizadas à digna autoridade impetrada, principalmente cópia da denúncia, laudo de avaliação das mercadorias e tributos sonegados, bem como termos das audiências efetuadas. Após, abra-se vista dos autos à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 13 de dezembro de 2007.
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