Associação para o tráfico internacional de entorpecentes. Grande número de denunciados. Pendência de conflito de competência. Excesso de prazo. Princípio da razoabilidade. Prazo para a conclusão da instrução que não é absoluto.
Rel. Des. Élcio Pinheiro De Castro
- Cuida-se de habeas corpus, com pretensão liminar, impetrado por Eduardo Pivetta Boeira e outros, em favor de Arlei Fernando Pinheiro Ribeiro. Segundo se depreende, o paciente, ao lado de outros 20 (vinte) acusados, foi denunciado por integrar, em tese, sofisticada associação criminosa dedicada ao comércio ilícito de entorpecentes (Operação Curitiba). A peça acusatória assim narra a empreitada delituosa, verbis: FATO UM - ASSOCIACÃO PARA O TRÁFICO INTERNACIONAL E FINANCIAMENTO OU CUSTEIO DO TRÁFICO - ARTIGO 35 E 36 C/C ART. 40, I E V, DA LEI Nº 11.343/2006 1. De 06 de dezembro de 2006 a 26 de março de 2007, em Porto Alegre/RS, Canoas/RS, no interior do Rio Grande do Sul, Garopaba/SC, São José/SC, Ponta Porã/MS bem como em Ciudad del Este e Pedro Juan Caballero, cidades no Paraguai, os denunciados associaram-se entre si e com terceiros para o fim de praticar, reiteradamente, os crimes previstos nos artigos 33, caput e § 1º, 34 e 36 c/c o art. 40, incisos I e V, da Lei 11.343/2006 (tráfico internacional de drogas), cujas transações articulavam mediante freqüentes contatos telefônicos, com uso de diversos celulares e telefones públicos (conforme registrado nos CDs referentes a Operação Curitiba), realizados com o objetivo de ajustar a aquisição de cocaína, crack e maconha no Paraguai, além de outros produtos químicos no Uruguai, e sua posterior distribuição em diversas cidades da região sul do Brasil. 2. As investigações desenvolvidas pela autoridade policial no presente feito iniciaram a partir da veiculação da notícia sobre contato havido entre Arlei Fernando Pinheiro Ribeiro, Adriano Pelizzeri e seu irmão Marciano Pelizzeri, todos com antecedentes por tráfico ilícito de drogas, com o conhecido traficante internacional Erineu Domingo Soligo, o Pingo. Ainda no princípio da apuração, os investigados Adriano e Marciano deslocaram-se para Cuiabá MT, voltando-se, então, a investigação para Arlei Fernando Pinheiro Ribeiro, vindo à tona, no decorrer do monitoramento telefônico, a existência de duas associações formadas em torno do traficante internacional Aristides Elizeche Ayala, o Ari. 3. A partir do fornecedor Aristides Elizeche Ayala, o Ari, residente em Ciudad del Este, Paraguai, formaram-se duas associações criminosas visando ao tráfico internacional de drogas e produtos químicos destinados à sua preparação, vindos do Paraguai e do Uruguai. A primeira operando em Porto Alegre, Canoas e interior do Rio Grande do Sul, liderada por Arlei Fernando Pinheiro Ribeiro, o Fefê, composta por Vagner Moraes da Costa, o Pio; Antônio Carlos Rodrigues Galvio, o Marcos; Marcelo Rodrigues Martins, o Marcelo Negão; José Roberto Flores Rodrigues, o Beto Casquinha e Vanderlei Rosa dos Santos. 4. E a segunda estabelecida em Porto Alegre/RS e em Santa Catarina, composta por Alexsander Gonzales de Azevedo, o Dé; Marcial Almeida Zarate, o Garopaba; Jeferson Raul Pinto Dame, o Diebe ou Jeb; Claudiomiro Ramos Moroso; Luciano Boeno Ávila; Sidiomar Carlotto Mossmann, o Sid; Almir Ademar Galeno Alfonzo, o Carlos; Luís Miguel Chaves ou Luiz Chavez Oporto; Teodora Ayala; Rudimar Della Flora, o Gordo; Willian Ricardo Medina Chaves, o Mil (Paraguai) e Almir Hermenegildo Rosa, o Bertásio. 5. Aristides Elizeche Ayala, o Ari, base paraguaia das associações criminosas, além de fornecer a droga, financiava e custeava o tráfico, aliciando, por vezes com o auxílio de Almir Ademar Galeno Alfonzo, o Carlos, alguns dos transportadores, chamados “mulas“, que, por via terrestre, introduziam no país as remessas de drogas adquiridas por Arlei Fernando Pinheiro Ribeiro, o Fefê, Alexsander Gonzales de Azevedo, o Dé e Marcial Almeida Zarate, o Garopaba. Posteriormente, eles distribuíam a substância ilícita entre os diversos integrantes dos referidos grupos para ser repassada a traficantes menores e ao público consumidor. Ressalte-se que, conforme depoimento de Teodora Ayala e Marcial Zarate, resta claro que Aristides pagava as despesas dos mulas que enviava para o transporte da droga. 6. Arlei Fernando Pinheiro Ribeiro, o Fefê, financiava o tráfico e comandava uma das associações estabelecida em Porto Alegre/RS, por meio de Vagner Moraes da Costa, o Pio, que sob sua subordinação gerenciava as atividades ilícitas da associação. Arlei Fernando usava os “trabalhos“ de Pio para precaver-se da descoberta pelas autoridades policiais de seu retorno ao tráfico, já que foi preso e condenado por envolvimento com o tráfico de drogas, conhecedor que era dos riscos do contato direto com os fornecedores, “mulas“ e carregamentos das drogas. 7. Mesmo tomando todos os cuidados para não serem flagrados, os contatos telefônicos havidos entre Arlei Fernando, Vagner, o Pio, e os outros integrantes da associação, aliados à vigilância efetuada pela Polícia Federal, possibilitaram a apreensão de carregamentos de drogas e a prisão de traficantes, tais como: a) Antônio Carlos Rodrigues Galvão, em Lajeado/RS, quando transportava aproximadamente 4kg de cocaína (Apenso II dos autos nº 2007.71.00.003127-5), b) Cassiana Pinheiro Dias, em Porto Alegre, juntamente com uma menor, quando trazia consigo cerca de 1kg de maconha (Apenso 111 - autos nº 2007.71.00.003127-5), c) Rafael Alves Ferreira, em Charqueadas/RS, que guardava em sua residência cerca de 1 kg de cocaína (fls. 166/185 dos autos no 2007.71.00.003127-5). 8. As interceptações captaram diálogos entre Arlei Fernando e Vagner, Pio, nos quais os dois conversam sobre a má qualidade da droga ou sobre a perda de carregamentos de droga, em razão das apreensões efetivadas pela polícia. Em outra conversa, Arlei Fernando e Vagner, o Pio mantêm diálogo na qual são evidentes os indícios de que um carregamento de cocaína enviado por Aristides seria entregue no dia seguinte. Em outro, combinam o pagamento do “mula“, afirmando Arlei Fernando que estaria no banco agilizando os valores a serem repassados por Vagner, o Pio, a Aristides para as despesas da viagem de Antônio Carlos Rodrigues Galvão, o Marcos, preso em flagrante transportando mais de quatro quilos de cocaína. Ademais, Arlei Fernando, apesar de não ter negociado imóveis no período das investigações, possui patrimônio incompatível com a constatação de que não desenvolve atividade laboral lícita. 9. Vagner Moraes da Costa, o Pio, gerenciava as atividades criminosas financiadas por Arlei Fernando, atuando como seu “braço direito“, intermediava e participava diretamente ou por contato telefônico das transações com drogas, negociando com o fornecedor Ari as quantidades a serem adquiridas por Arlei Fernando e fazendo os pagamentos. Remetia o numerário repassado por Arlei Fernando para pagar os entorpecentes, bem como os comprovantes de depósito, via fax, para a casa de câmbio FÉ CAMBIOS, coordenava as remessas, organizava o transporte dos carregamentos de drogas negociados por Arlei Fernando e sua introdução no território nacional, agenciava e pagava os “mulas“, atuando ainda na distribuição, comercialização e recebimento de valores resultantes das transações de substâncias ilícitas internalizadas pela associação. 10. Vislumbra-se ainda, das investigações desenvolvidas pela autoridade policial, a vinculação de Vagner “o Pio“ com o comércio varejista de drogas, sendo contatado por traficantes menores, chamados “boqueiros“, quando ocorria falta do produto proscrito para revenda, bem como recolhia os pagamentos, comunicando-se com Arlei Fernando para repassar, em espécie, os respectivos valores, sendo constantemente alertado por Arlei Fernando sobre a possibilidade de serem alcançados por monitoramentos telefônicos, inclusive, recebendo determinação para deixar de utilizar determinado terminal telefônico após efetivada apreensão de droga pela Polícia Federal. 11. O trabalho de monitoramento telefônico deixou bem nítida a atuação permanente de Vagner “o Pio“ nas atividades ilícitas desenvolvidas pela associação, principalmente, após a prisão em flagrante do mula Antônio Carlos Rodrigues Galvão, o Marcos, ocorrida em Lajeado/RS, quando foram apreendidos quase cinco quilos de cocaína adquiridos por Arlei Fernando, oportunidade em que avisou tanto Arlei Fernando e o fornecedor Ari sobre a perda da carga. (...).“ Após detalhar a atuação dos integrantes do suposto esquema criminoso, a exordial narra outros 05 (cinco) fatos típicos, decorrentes das apreensões de cafeína, benzocaína, cocaína e maconha, além da posse ilegal de arma de fogo com numeração raspada. Em relação ao paciente restaram imputados os ilícitos previstos nos artigos 35 e 36 c/c art. 40, incisos I e V, todos da Lei nº 11.343/2006, na forma do artigo 69 do Código Penal. Sustentam os Impetrantes, em síntese, “excesso de prazo na formação da culpa, haja vista que o acusado está há 119 dias preso cautelarmente, sem que a denúncia tenha sido recebida“. Relatam, também, que o Juízo da 3ª Vara Criminal de Porto Alegre/RS remeteu os autos ao da 1ª Vara, tendo este suscitado conflito de competência a esta Corte, ao entendimento de que não se trata de organização criminosa. Aduz, assim, que o Tribunal ainda irá definir qual Vara é a competente para processar e julgar a referida ação penal, não sendo possível que o paciente “arque com o ônus de ter sua segregação cautelar demasiadamente prolongada exclusivamente pela lentidão do Poder Judiciário“. Nesse contexto, requer a concessão liminar da ordem e sua posterior confirmação pela Turma para que o paciente seja posto em liberdade. Inobstante as doutas razões da inicial, não se verifica, ao menos por ora, flagrante ilegalidade ao status libertatis do paciente. Com efeito, em relação aos prazos processuais penais, impõe-se considerá-los sob a perspectiva da razoabilidade, ao invés de adotar parâmetros rígidos e imutáveis. Assim, não se pode apontar eventual delonga pela observação isolada de cada uma das etapas do feito, mas, sim, pela análise do conjunto. Na hipótese de serem extrapolados limites toleráveis, sem justificativa plausível, devem ser tomadas as providências adequadas para sanar tal excrescência. Afora essa possibilidade, pequenas demoras - associadas, também, à complexidade da causa - hão de ser aceitas e não consubstanciam ilegalidade. Conforme decidiu o Egrégio STJ no julgamento do Recurso em Habeas Corpus nº 7372/SP (Relator Min. Anselmo Santiago, 6ª Turma) 'pequeno atraso na instrução, justificado pelas circunstâncias, não conduz ao reconhecimento do excesso de prazo. Nesse ponto, vige o princípio da razoabilidade, pelo qual se leva em conta o prazo global percorrido e não as fases intermediárias, tolerando-se pequeno atraso, consoante as circunstâncias de cada caso.' Efetivamente, o prazo para o término da instrução criminal resulta de construção pretoriana, considerando a mera soma aritmética dos lapsos temporais estabelecidos no Estatuto Penal Adjetivo e/ou leis especiais. Todavia, a jurisprudência é remansosa no sentido de que os guerreados prazos não constituem períodos fatais e peremptórios, podendo ser mitigados, frente às peculiaridades do feito em julgamento. Nesse sentido, veja-se o Acórdão assim ementado: CRIMINAL. HC. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. EXCESSO DE PRAZO. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE. INCIDENTES PROCESSUAIS. NECESSIDADE DE EXPEDIÇÃO DE CARTAS PRECATÓRIAS. PRAZO PARA A CONCLUSÃO DA INSTRUÇÃO QUE NÃO É ABSOLUTO. TRÂMITE REGULAR. DEMORA JUSTIFICADA. AUSÊNCIA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. (...). Por aplicação do princípio da razoabilidade, tem-se como justificada eventual dilação de prazo para a conclusão da instrução processual, em hipótese de feito complexo e diante da necessidade de observância às formalidades da expedição de cartas precatórias. Inexiste constrangimento ilegal quando o trâmite é regular e a demora não é provocada pelo Juízo ou pelo Ministério Público, mas sim, decorrente de incidentes do feito e de diligências usualmente demoradas. (...) O constrangimento ilegal por excesso de prazo só pode ser reconhecido quando a demora for injustificada.“ (STJ, HC nº 18.684/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, public. no DJ em 08.04.2002). Na hipótese dos autos, do exame perfunctório dos lapsos temporais previstos na Lei nº 11.343/2006, extrai-se o prazo de 95 (noventa e cinco) dias para que a denúncia seja recebida (computando-se o inquérito, oferecimento da exordial, defesa preliminar, etc.). Logo, apesar da pendência do aludido conflito de competência, diante da complexidade da ação penal objeto do presente writ (versando sobre associação para tráfico internacional de entorpecentes, envolvendo grande número de denunciados - vinte e um - além da imputação de seis fatos típicos distintos) a priori, resta justificada certa demora na instrução do feito, não tendo o lapso de 119 (cento e dezenove) dias ultrapassado o limite da razoabilidade, em face, como visto, das circunstâncias do caso concreto. Ante o exposto, indefiro a liminar. Dispensadas as informações, já que os autos do referido Inquérito Policial foram remetidos a esta Corte (fl. 66). Abra-se vista à douta Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 24 de julho de 2007.
74 Responses