Crimes de quadrilha, falsidade ideológica e descaminho. Pedido de trancamento da ação penal. Estagiária da empresa. Alegação de que a denúncia não descreve sua efetiva participação nos delitos além de não ter qualquer poder de gestão. Inexistência de omissão na peça incoativa que dificulte o exercício da defesa. Exame aprofundado do conjunto probatório incompatível na angusta via do habeas corpus.
Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz
Cuida-se de habeas corpus, com pedido de provimento liminar, que Victória-Amália de Barros Carvalho Gozdawa de Sulocki impetra em favor de Lorna da Silva Figueira Pereira objetivando o trancamento da ação penal nº 2007.70.00.016403-0, em trâmite perante o Juízo Substituto da 3ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR. Nos autos da referida demanda criminal, a paciente, juntamente com outros quinze acusados, foi denunciada pelo cometimento, em tese, dos delitos capitulados nos artigos 288, 299 e 334, caput, do CP. Argumenta a impetrante, em síntese, que a denúncia é inepta, uma vez que não está descrita qual a efetiva participação da acusada nos delitos que lhe foram imputados, havendo, com isso, violação ao artigo 41 do CPP e 5º, LV, da Carta Magna. Refere que a denunciada era mera estagiária da empresa, não tendo qualquer poder de gestão, reportando-se sempre a seus superiores, motivo pelo qual não poderia ter praticado os fatos criminosos, o que induz à ilação de que não há justa causa para o prosseguimento da ação penal. Ao seu ver, “o I. Parquet não descreve a mínima relação de causa e efeito entre as imputações e a função da paciente na empresa Interlogistic“. Requer, liminarmente, a suspensão do andamento da ação penal, cancelando-se a audiência de interrogatório, aprazada para o dia 08.11.2007. É o relatório. Decido. O trancamento de ação penal via habeas corpus com fundamento em eventual inépcia da denúncia somente vem sendo acolhido pela jurisprudência pátria quando demonstrada, de forma inequívoca, deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa do acusado, ou, então, quando o libelo desatender o artigo 41 do Código de Processo Penal, bem como na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no artigo 43 do referido Codex. Na hipótese em julgamento, a exordial acusatória ofertada pelo parquet nos autos originários imputa à paciente a realização, em co-autoria, dos delitos capitulados nos artigos 288, 299 e 334, caput, do Código Penal, descrevendo em que consistia a atuação da paciente, não havendo falar em imprecisão que dificulte ou impeça o exercício da defesa. A denúncia ao descrever que Lorna, na condição de operadora de empresa integrante do denominado GRUPO MAM, juntamente com os outros acusados, “associaram-se de forma permanente para o fim de cometer crimes com os principais articuladores e mentores da organização criminosa desarticulada pela 'Operação Dilúvio', e, previamente acordados e conscientes da ilicitude de suas condutas, contribuíram de forma efetiva para que fossem inseridas, de maneira fraudulenta e continuada, informações falsas em Declarações de Importação com o intuito de ocultar o real adquirente das mercadorias importada e iludir, em parte, o pagamento dos impostos devidos pela entrada dessas em território nacional“, é precisa ao indicar em que consistia a conduta denunciada. Além disso, a exordial é específica ao indicar em quais operações a acusada teria perpetrado os delitos que lhe foram imputados. Realmente, ao narrar de forma detalhada o conluio entre os agentes para a prática criminosa, não há falar em imprecisão ou omissão na peça incoativa que dificulte o exercício da defesa. Está demonstrado o liame de causalidade entre a conduta e o fim pretendido pela imputada. Na realidade, das alegações tecidas na peça inaugural da impetração, resta evidente que a defesa pretende discutir a prova dos fatos, argumentando que não há comprovação do dolo, ou seja, que a condição ocupada pela paciente na empresa não permitia a prática dos ilícitos em questão. Entretanto, tal matéria exige exame aprofundado do conjunto probatório, incompatível e de todo estranho ao âmbito de cabimento da angusta via do habeas corpus, de natureza expedita. Com efeito, “a pretendida exclusão do elemento subjetivo do tipo necessário à caracterização do crime (...), por demandar o acurado exame do acervo probatório, é tarefa incompatível com o rito célere e de cognição sumária própria do ' habeas corpus'' (STF, 2ª Turma, RHC nº 83481/RJ, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie, DJU 24.10.2003). Portanto, somente a apreciação exaustiva do panorama probatório produzido durante o trâmite do processo criminal, em ocasião própria, poderá desvelar a efetiva ausência de elemento subjetivo no agir da acusada em relação aos delitos descritos na denúncia. Assim, neste juízo de cognição sumária, não vislumbro ausência de justa causa e de individualização da conduta da paciente que justifiquem o cancelamento da audiência de interrogatório. Sendo assim, indefiro a tutela de urgência postulada. Requisitem-se informações ao Juízo impetrado. Após, dê-se vista do mandamus à Procuradoria Regional da República. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 05 de outubro de 2007.
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