Recurso em sentido estrito formulado pelo MPF contra decisão declinatória de competência. Denúncia imputando ao acusado a prática de dois crimes. Ambiental e porte ilegal de arma de fogo. Entendeu o Juiz Federal Comum ser o primeiro da competência do Juizado Especial Federal e o segundo da Justiça Comum Estadual. Existência de conexão entre os fatos. Concurso formal. Pena mínima superior a dois anos. Desmembramento da ação penal. Impossibilidade. Superveniência da Lei 11.313/06 reunindo os feitos. Competência do Juízo Comum Federal para analisar a quaestio. Asseguradas a transação penal e a composição civil dos danos quanto ao delito de menor potencial ofensivo.
Rel. Des. Paulo Afonso Brum Vaz
Cuida-se de recurso criminal em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal (fls. 13/16), em face da decisão declinatória de competência prolatada pelo Juízo Federal da 1ª Vara Federal de Rio Grande/RS (fls. 08/10), para apreciação e processamento da denúncia oferecida nos autos do inquérito policial nº 2006.71.01.001700-3. Nessa ação, vale destacar, o Parquet ofereceu denúncia em desfavor de Guilherme Marco Mendes, imputando-lhe a prática, em tese, de conduta hábil a materializar o suporte fático dos artigos 14 da Lei nº 10.826/2003 e 52 da Lei nº 9.605/98 (fls. 05/06). Antes de prolatada a r. decisão acima referida, em aditamento à exordial, pugnou a acusação pela certificação dos antecedentes do denunciado, para análise da viabilidade de eventual transação penal (fl. 07). A peça incoativa atribui ao recorrido a prática dos seguintes fatos, verbis (fl. 05): No dia 29 de julho de 2005, na Estação Ecológica do Taim, em Rio Grande, o denunciado foi surpreendido por agentes do IBAMA após ter penetrado nesta Unidade de Conservação portando instrumentos próprios para caça, consistente em 02 (duas) espingardas calibre 22, sem licença da autoridade competente. Ainda, o denunciado portava no carro sob sua responsabilidade 1 (um) rifle calibre 12, 1 (uma) cartucheira de couro com 27 (vinte e sete) cartuchos calibre 12 carregados e 50 munições calibre 22 O Auto de Infração e o Termo de Apreensão e Depósito (fls. 07/08), o auto de apreensão (fl. 20), o laudo de exame em arma de fogo (fls. 24/28) e o depoimento do fiscal do IBAMA ADÃO DA SILVA MORAES demonstram autoria e materialidade do delito A r. decisão hostilizada indicou ser absoluta a constitucional competência do juizado especial criminal federal para o processamento de crime de menor potencial ofensivo, qual seja, o ambiental. Além disso, observando inexistir malferimento a bens ou serviços da União, compreendeu não ser competência da Justiça Federal conhecer fato relativo ao suposto crime de ilegal porte de arma. Em conseqüência, declinou da competência em favor, respectivamente, do juizado especial federal daquela Subseção e da Justiça comum de Santa Vitória do Palmar, neste Estado (fls. 09/10). Em sua irresignação, o Ministério Público Federal defendeu fosse a denúncia - e seu aditamento - processada perante a 1ª Vara da Justiça Federal em Rio Grande/RS. Para tanto, argumentou sobre a conexão existente entre os fatos, assim como não ser a sua manutenção impedimento para eventual aplicação do instituto da transação penal relativamente ao crime da Lei nº 9.605/98, consoante prescreve a novel redação do parágrafo único do artigo 2º da Lei nº 10.259/2001, ditada pela Lei nº 11.313/2006. Recebido o inconformismo, foi ele regularmente processado. Intimado, o denunciado manteve-se silente, motivo pelo qual lhe foi nomeado defensor dativo para apresentar contra-razões (fls. 17, 19, 21/23). Nessas, a defesa manifestou-se, em síntese, pelo improvimento do recurso (fls. 26/30). Em juízo de retratação, atendendo ao preceito do artigo 589 da Lei Penal Adjetiva, o ínclito Magistrado a quo manteve hígida a decisão atacada (fl. 31). A douta Procuradoria Regional da República, em percuciente parecer subscrito pelo ilustre Dr. José Ricardo Lira Soares, manifestou-se pelo acolhimento do pedido do recurso ministerial (fls. 36/39). É o breve relatório. Decido. Preliminarmente, aferido o conteúdo da exordial acusatória (fls. 05/06), cumpre observar ter sido imputado ao denunciado a prática de fatos, ocorridos em 29.7.2005, capazes de ensejar as sanções dos artigos 52 da Lei nº 9.605/98 e 14 da Lei nº 10.826/2003. Dito isso, merece nota a circunstância de ser correta a asserção vertida na r. decisão guerreada, no sentido de vincular-se, em face do apenamento abstratamente previsto, o processamento do crime do artigo 52 da Lei nº 9.605/98, ao rito do juizado especial federal. E isso em atenção ao prescrito na Lei nº 10.259/2001, artigo 2º, parágrafo único, embora seja a sanção ali prevista a de reclusão, de seis meses a um ano, e multa. Nada obstante - insisto -, ao denunciado não foi imputada a prática de insular fato. Em verdade, a ele também atribuída responsabilidade por infração ao disposto no artigo 14 da Lei nº 10.826/2003. Assim, imprescindível tecer breve comentário acerca do tema, porquanto, refletindo o comportamento hipótese da Lei susomencionada tem-se estar excluída, de plano, a competência do juizado. E isso pelo singelo fato de decorrer da conduta prevista no seu artigo 14 penas de reclusão, de dois a quatro anos, e de multa. Nesse contexto, desprezada a remota hipótese de concurso material, deve ser relevada a previsão do artigo 70 da lei penal, da qual emerge a necessidade de exasperação, no concurso formal, da pena mais grave dentre as cominadas em, no mínimo, um sexto. Assim, sendo ela, na melhor hipótese, igual a dois anos (Lei nº 10.826/2003, artigo 14), a menor sanção corporal a ser eventualmente infligida ao recorrido, acrescida desse um sexto, seria igual a dois anos e quatro meses. Por conseguinte, inviável o processamento da ação penal sob o rito da Lei nº 10.259/2001 e, subsidiariamente, da Lei nº 9.099/95. Em sintonia, precedentes do excelso Supremo Tribunal Federal (HC nº 80.811/PR, 1ª Turma, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 22.3.2002) e do colendo Superior Tribunal de Justiça (CC nº 51537/DF, 3ª Seção, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 09.10.2006). Acerca do tema, é oportuna a lição dos irmãos Gilberto e Vladimir Passos de Freitas, tecida em comentário ao artigo 52 da Lei nº 9.605/98, para quem se o agente, além de não possuir autorização da autoridade ambiental, não possuir licença para portar arma de foto, incidirá, também, em concurso formal, nas penas do art. 14 da Lei 10.826/2003, cuja pena é de 2 a 4 anos de reclusão e multa (in Crimes contra a natureza - De acordo com a Lei 9.605/1998. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 181). Nessa exata linha de conta, aliás, manifestou-se, recentemente, a colenda Quarta Seção deste Tribunal, seguindo voto de minha lavra e cuja ementa, por oportuno, é abaixo reproduzida em parte: PENAL E PROCESSO PENAL. ARTIGO 183 DA LEI Nº 9.472/97. INSTALAÇÃO E OPERAÇÃO DE RÁDIO CLANDESTINA. DATA DO FATO. CRIME DE MAIOR POTENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIA. JUÍZO COMUM FEDERAL. CRIME DO ARTIGO 336 DO CP. VIOLAÇÃO DE LACRE. CONEXÃO. OCORRÊNCIA. CISÃO DO PROCESSO. IMPOSSIBILIDADE. SUPERVENIÊNCIA DA LEI Nº 11.313/06. APLICAÇÃO IMEDIATA DAS NORMAS PROCESSUAIS PENAIS. (...) 2. Com a superveniência da Lei nº 11.313/06, que conferiu nova redação ao artigo 60 da Lei nº 9.099/95 (Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência.), não há mais falar, desde a entrada em vigor da alteração legislativa mencionada, em desmembramento da ação penal quando esta versar sobre crimes conexos, alguns sujeitos ao procedimento ordinário e outros ao dos Juizados Especiais, porquanto as normas de direito processual penal são regidas pelo princípio do tempus regit actum, nos termos do artigo 2º da Lei Adjetiva Penal. 3. Assim, compete ao juízo comum processar e julgar os crimes de instalar e fazer funcionar equipamentos de radiotransmissão sem autorização legal, bem como de violação de lacres, previstos, respectivamente, nos artigos 183 da Lei nº 9.472/97 e 336 do CP. (TRF 4ª Região, CC nº 2007.04.00.008647-8/SC, 4ª Seção, Rel. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, DE 28.5.2007) Não bastasse isso, o advento da Lei nº 11.313/2006, retificou a original redação conferida ao artigo 2º, parágrafo único, da Lei nº 10.259/2001: Art. 2º Compete ao Juizado Especial Federal Criminal processar e julgar os feitos de competência da Justiça Federal relativos às infrações de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Dessa forma, quando percebido o concurso de crimes e a conexão entre eles existente, nada obstante afastada a original competência do juizado especial federal, em razão do apenamento abstratamente cominado extrapolar aquele hábil a classificar a conduta como de menor potencial ofensivo, as constitucionais garantias da transação penal e da composição civil dos danos não serão subtraídas da esfera patrimonial do acusado. Com efeito, a observância da regra inserta no inciso I do artigo 98 da Carta Política, mormente após a inovação da Lei nº 11.313/2006, será materializada mediante oferecimento da transação penal, pelo órgão acusador, acaso satisfeitos os objetivos e subjetivos quesitos para a sua propositura, independentemente de estar sendo processado o feito em vara criminal da Justiça Federal. Essa cautela, aliás, restou ventilada pelo Ministério Público Federal no aditamento realizado à exordial (fl. 07). Assim sendo, havendo jurisprudência dominante do Tribunal sobre a questão suscitada, assim como sendo a matéria pacífica no Superior Tribunal de Justiça e no Supremo Tribunal Federal, é de ser acolhida a pretensão ministerial. Dessarte, sendo “induvidosa a aplicação subsidiária do artigo 557 do Código de Processo Civil ao processo penal“ (STJ, 6ª Turma, HC nº 22634/RJ, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, DJU 23.06.2003), com fundamento no § 1º do mencionado preceptivo, bem como no artigo 37, § 1º, II, in fine, do Regimento Interno desta Corte, dou provimento ao recurso em sentido estrito, determinando seja processado e apreciado pelo Juízo a quo o mérito de todos os fatos descritos na denúncia oferecida nos autos do inquérito policial nº 2006.71.01.001700-3/RS. Intimem-se. Publique-se. Porto Alegre, 23 de outubro de 2007.